A luta contra a disparidade de género no mundo da tecnologia é um dos principais objetivos da comunidade Portuguese Women in Tech (PWIT). No final de março, a PWIT lançou um programa de mentoria para ajudar as jovens estudantes e profissionais da área encontrar a sua “voz” no ruído do mercado de trabalho e a ter uma mentalidade empreendedora e ativa.
Ao SAPO TEK, Inês Santos Silva, co-fundadora da PWIT, explicou que o programa de mentoria foi uma das iniciativas mais requisitadas desde o primeiro dia. “Decidimos lançar esta iniciativa no final do ano passado, tivemos uma resposta incrível por parte da comunidade e hoje sentimos que este programa é ainda mais relevante, pelo momento que vivemos”, explicou a responsável.
Ao longo do programa de cinco meses, mentoras e mentoradas terão a oportunidade de criar uma relação próxima através de várias sessões de partilha e trabalho em conjunto. A co-fundadora da PWIT explicou que em destaque estão também sessões de grupo: desde webinars sobre "Enviesamento Inconsciente e o impacto que isso tem nas nossas perceções de género" a sessões sobre como tirar o melhor partido do LinkedIn, como trabalhar remotamente, criar websites ou colaborar em equipa.
O programa conta com 50 mentoradas, 24 em Lisboa e 26 no Porto, com backgrounds, motivações e objetivos diferentes. Para saber mais sobre o que as motivou a participar, o SAPO TEK falou com Sofia Rufino, Beatriz Macedo e Ana Pinto, três mentoradas do programa da PWIT.
Depois de terminar os estudos na área da engenharia metalúrgica em 2019, Beatriz Macedo começou a trabalhar numa fábrica de componentes para automóveis da Kirchhoff Automotive, em Ovar. Ao fazer umas pesquisas online, Beatriz encontrou o programa de mentoria da PWIT e pensou que ter o apoio extra a nível de crescimento de carreira seria uma boa ideia.
“O que acontece às vezes é que a pessoa não consegue atingir o que pretende por falta de um guia e tem de fazer alguns erros pelo caminho até encontrar o seu lugar", elucidou Beatriz. "Eu, se pudesse evitar essa fase, tendo os conselhos de quem já passou pelo mesmo, seria ótimo”.
Assim, Beatriz decidiu candidatar-se e após o primeiro mês de participação, a mentorada sente que o programa está a ser produtivo. Além dos workshops e sessões que permitem alinhar ideias em grupo, a participante conta com o apoio da mentora Maria João Ribeiro, Product Manager na Worten Portugal, para encontrar respostas aos desafios profissionais.
"Abrir a porta" a uma carreira promissora
Sofia Rufino é uma das mentoradas que ainda está a terminar os estudos e atualmente é uma das estudantes do curso de engenharia de Energia e do Ambiente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O programa foi lhe referido por um amigo que trabalha na área da tecnologia e que conhece o projeto co-fundado por Inês Santos Silva.
“Entrei no programa sem saber o que esperar, mas estava muito entusiasmada”, explicou a mentorada, acrescentando que sabia que a iniciativa seria uma excelente oportunidade para aprender mais com a experiência de outras mulheres.
Aumentar a rede de contactos, apostar no desenvolvimento pessoal e “abrir a porta” a uma carreira promissora na área são os principais objetivos de Sofia e é com a mentora Guillemette Dejean, co-fundadora da Chatterbox, que tem conseguido encontrar o apoio para preparar o futuro após o percurso académico.
A participante deu a conhecer que, além das sessões com a mentora, os eventos para as mentoradas têm sido “muito relevantes e únicos”. “Há uma comunidade muito próxima que se entreajuda e que me tem ajudando imenso a manter me motivada e focada neste período mais difícil de confinamento”. Para Sofia, a experiência está a ser muito positiva e conseguiu mesmo superar as suas expetativas.
Nunca é tarde para "dar o salto" e mudar de carreira
Embora a maioria das mentoradas tenha começado a sua carreira, seja académica ou profissional, na área da tecnologia existem algumas exceções à “regra” e Ana Pinto é uma delas. A mentorada é formada em Antropologia e começou a carreira como terapeuta ocupacional.
Ao SAPO TEK, Ana Pinto revelou que sempre sentiu um grande interesse pelo mundo tecnológico e em perceber a “mecânica” por trás das tecnologias. “Quando nasceu a minha segunda filha, tomei coragem e tentei mudar de carreira e foi isso que acabou por acontecer”. Depois de fazer um curso de programação na Academia de Código, Ana “deu o salto” e agora trabalha na Natixis, no Porto.
A mentorada já acompanhava a comunidade PWIT há já algum tempo e, assim que surgiu o programa, decidiu avançar. “Sempre quis ter uma mentora”, explicou Ana, em especial, no contexto predominantemente masculino da tecnologia. “Nós somos obrigadas a pensar nos nossos próprios conceitos sobre o género e como é que eles se relacionam com a carreira e aí torna-se ainda mais necessário ter alguém com mais experiência para poder ajudar-nos em algumas questões”.
Como mãe de duas crianças, uma das suas principais preocupações relaciona-se com o conciliar de uma carreira profissional exigente com a vida em família. Para Ana, PWIT acertou "na mouche” quanto à escolha da mentora Nádia Miranda, IT Service Delivery Lead na Worten Portugal.
De acordo com a participante, o facto de a mentora também ser mãe e de ter uma carreira exigente está a ajudá-la a encontrar uma resposta aos muitos desafios que encontra na sua vida profissional. Por exemplo, a organização de tempo tornou-se rapidamente num dos tópicos centrais das conversas semanais através do Skype. Para Ana o programa está a correr melhor do que esperava e, com a mentora está a conseguir organizar e clarificar os seus objetivos, conseguindo pôr em prática no seu dia-a-dia os ensinamentos das sessões
Um panorama de disparidade onde a luta pela igualdade é essencial
Em 2019, um estudo publicado pela comunidade Portuguese Women in Tech (PWIT) mostrou que ainda existe uma grande disparidade de género na área da tecnologia. De 5.000 inquiridas, cerca de metade afirmam que são uma minoria nos locais onde trabalham e uma em cada dez é mesmo a única mulher no seu departamento.
A questão salarial é também um dos indicadores da desigualdade vivida: 38% já sentiram que ganhavam menos do que os seus pares apenas por serem mulheres, e 49% já sentiram discriminação nos processos de promoção.
A 23 de abril, o Dia Internacional das Raparigas nas TIC, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género revelou que as mulheres representam menos de dois em cada 10 profissionais de Tecnologias de Informação e Comunicação em Portugal.
Tendo por base dados do Instituto Europeu para a Igualdade de Género e do Eurostat, a Comissão explicou que a proporção de profissionais femininas na área decresceu de 17,1% em 2005 para 14,7% em 2018, e apenas cerca de 0,2% das adolescentes portuguesas aspiram trabalhar nestas áreas.
A criação de programas focados na capacitação tecnológica de mulheres é vista por muitos como uma das melhores formas de aumentar a paridade entre géneros. Em Portugal, têm sido desenvolvidas várias iniciativas para promover o entusiasmo feminino pelo mundo tecnológico e, recentemente, a Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, o projeto Engenheiras por um Dia e a PWIT juntaram-se para lançar uma série de atividades digitais para dar visibilidade e reconhecer o papel das mulheres na tecnologia.
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