Nos últimos anos, sobretudo nos últimos dois, os recursos digitais assumiram um papel de destaque nas escolas. A pandemia obrigou a dar um salto tecnológico que era inevitável e que reduziu assimetrias, materialmente falando. Avançou-se numa transição digital que vai demorar até ser homogénea e que é tão relevante como a adaptação das aprendizagens às necessidades atuais.
A criatividade, a inovação, a comunicação, a colaboração, o pensamento computacional e crítico e a resolução de problemas assumem lugar de destaque nas competências do século XXI e a tecnologia é um meio para as promover, que as escolas vão incorporando a diferentes ritmos e escalas.
Ainda assim, tanto no ensino público como no privado, há já vários exemplos de escolas que inovaram nos seus modelos de aprendizagem e conseguiram transformar por completo a sala de aulas, ou que usam com sucesso a autonomia que o sistema lhes dá para promover o contacto dos alunos como a programação, a robótica e outros temas da área da tecnologia, que vão gerar boa parte do emprego nas próximas gerações.
A Escola Global é hoje um dos exemplos onde o computador compete em pé de igualdade com o caderno e a caneta, que alguns alunos já nem levam para as aulas, como admite Nuno Moutinho, CEO do grupo de Santa Maria da Feira que integra o Colégio das Terras de Santa Maria, um externato do primeiro ciclo, creche e pré-escolar.
Até aqui chegar, passaram oito anos. Venceu-se a desconfiança inicial de muitos pais, que em 2015 tinham dúvidas sobre o impacto da introdução do computador nas aulas, mas que ao fim do primeiro ano já reconheciam resultados positivos no projeto. Pelo caminho, alargou-se o leque de ferramentas digitais à disposição dos alunos e as atividades que tiram partido dessas ferramentas.
Desde o arranque, o projeto da Escola Global foi pensado para cada aluno ter um computador. Numa fase inicial, os alunos até ao 4º ano tinham um tablet (e um tempo de utilização dos equipamentos mais limitado para poder promover outras competências importantes) e a partir do 5º laptops. Hoje todos os alunos têm laptops.
A par dos computadores, a escola foi equipada com uma rede de fibra e cobertura Wi-Fi a 100%, logo na fase inicial do projeto, onde se apostou também na criação de conteúdos próprios. Os professores faziam videoaulas com conteúdos simples, como a resolução de exercícios de matemática ou outra matéria, que os alunos podiam rever em qualquer momento, deixando mais tempo para a interação entre alunos e professor durante as aulas.
A Escola Virtual da Porto Editora começou a ser usada desde uma fase precoce do projeto. Em 2018 começou a ser usado o Microsoft Teams, como principal canal de comunicação entre aluno, professor e escola. “É uma ferramenta que vemos como um canal de comunicação pedagógico. Cada disciplina tem a sua equipa e o aluno interage com os seus pares por essa via”. No Teams passaram também a integrar outras ferramentas como o Office 365, a própria Escola Virtual, OneNote, formulários, etc.
Hoje, “tal como não entra na cabeça de ninguém ir para as aulas sem levar caderno e caneta, aos poucos fomos introduzindo o hábito de o PC ter de estar sempre na aula, carregado e em condições de funcionar”, explica Nuno Moutinho.
O responsável não se cansa de dizer que a tecnologia na escola tem de ser encarada sempre como um meio para alcançar um fim, mas também sublinha que este é hoje o meio mais poderoso que a escola tem para promover um conjunto de competências críticas e preparar os alunos para um futuro que terá tecnologia em todas as áreas.
Neste universo, e a par de atividades como o desporto, a música ou o inglês, a escola tem também uma Academia Microsoft, parceira da Escola Global há vários anos, onde os alunos do 3º e 4º ano aprendem a trabalhar com diferentes ferramentas Microsoft (como o Office), que vão precisar de usar nos anos seguintes em trabalhos e apresentações.
O desenvolvimento de projetos multidisciplinares, assentes em metodologias de gestão de projetos e com foco nas áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) são outra aposta. Recentemente, por exemplo, os alunos do 6º ano foram desafiados a criar um videojogo a partir do livro Ulisses (do plano de leitura), tarefa que implicou pesquisa histórica, desenho de cenários, criação de um guião e, claro, programação. O trabalho foi valorizado na nota de várias disciplinas e o jogo acabou por ficar disponível para ser jogado na própria escola, em máquinas Arcade entretanto construídas.
Com outros projetos mais pontuais procura-se trazer para dentro da escola algum conhecimento e debate à volta de temas que vão ter impacto no futuro dos estudantes. No campo da tecnologia, a automação deu o mote a uma destas iniciativas recentes, que pôs os alunos a fazerem ingredientes de pizza com impressão em 3D, a montar uma linha de produção, onde um braço robótico recolhia os ingredientes consoante o pedido e a falar sobre o trabalho feito por robots e humanos e as questões éticas à volta do tema.
Em 2021, o Colégio das Terras de Santa Maria ficou em 21º lugar no ranking nacional das escolas. A matemática, os exames dos alunos que daqui saíram tiveram a 8ª melhor média do país, resultados que Nuno Moutinho relaciona com o sucesso do projeto educativo implementado e com o facto deste assentar em coerência, planeamento e envolvimento dos vários intervenientes, ao longo dos anos.
“Aqui desde o início definimos que o ecossistema que a escola toda ia usar era o Office 365. Definimos um caminho claro, demos formação aos docentes nas ferramentas que achámos mais importantes, identificámos a infraestrutura tecnológica que tínhamos de ter e acautelámos as situações necessárias para que estas ferramentas estejam sempre disponíveis”.
No que se refere à manutenção dos equipamentos, por exemplo, isso significa que sempre que um computador fica danificado, o aluno tem direito a outro em 48 horas, uma cobertura garantida por um Accidental Damage Package, com um impacto de 30€ na mensalidade dos pais.
Nuno Moutinho também sublinha a importância de na Escola Global, que tem cerca de 800 alunos com idades entre os 5 meses e os 18 anos, poder contar com “equipa docente estável, que teve tempo para ir absorvendo a ideia” e o projeto educativo que a escola abraçou em 2015.
Dar os primeiros passos nos robots e na meteorologia
Esta mesma nota deixa Jorge Dias, diretor do Agrupamento de Escolas do Freixo, que nos últimos anos tem recebido várias distinções na área da inovação. Também o responsável acredita que a estabilidade do corpo docente da escola e o perfil dos professores têm sido essenciais para manter vivos alguns projetos âncora da escola, como o Clube de Robótica ou um Clube de Meteorologia.
Pelo Clube de Robótica podem passar todos os alunos a partir do 5º ano e participar em atividades extracurriculares, mas a tradição nesta área levou também a escola a aproveitar o espaço de complemento artístico/tecnológico, das ofertas de escola, para introduzir a disciplina de mecanismos e robótica. A disciplina é obrigatória para todos os alunos do 7º e do 8º ano e tem sido mais uma via para cativar os jovens para uma área que já deu vários prémios à escola em festivais de robótica. Em breve vai tirar partido de uma nova oficina de apoio à construção e mecanização de dispositivos que está em construção.
Não há números que quantifiquem o impacto dessa aproximação à robótica nas decisões dos alunos mais à frente, mas Jorge Dias reconhece que muitos alunos acabam por seguir para cursos profissionais na área da mecatrónica, licenciaturas em engenharia informática ou eletrotécnica, que a par do turismo são áreas de forte emprego na região.
As linhas orientadoras do projeto educativo que continua a guiar o agrupamento de Escolas do Freixo foram traçadas há cerca de uma década, com a preocupação de adequar as atividades que a escola consegue proporcionar, dentro e fora do currículo obrigatório, às necessidades da região.
“Definimos um percurso no âmbito do desenvolvimento tecnológico para dar resposta a este contexto não urbano que, na nossa perspetiva, não devia ser um obstáculo para que os nossos alunos não tivessem acesso àquilo que nos meios urbanos está mais facilitado”, explica o diretor.
Com a aposta precoce em tecnologia, a escola quis reduzir as assimetrias entre os jovens de um contexto com dificuldades socioeconómicas e os colegas de meios mais urbanos, com quem estes vão estudar depois do 9º ano.
Nesta linha, o AE do Freixo foi também uma das primeiras escolas do país a criar um espaço de aprendizagem personalizada, salas que entretanto já existem em muitas escolas do país e que foram pensadas para facilitar o trabalho colaborativo e a experimentação.
Várias parcerias ajudaram a trazer novas ferramentas para a escola (a sala de aprendizagem personalizada está equipada com tablets Microsoft Surface), suporte técnico e formação para capacitar os professores. “Este desenvolvimento não se faz só com computadores e tablets ou tecnologia de ponta. É importante que as pessoas sejam capacitadas para isso”, faz questão de sublinhar Jorge Dias, explicando que, no caso das TIC, à formação que parceiros como a Microsoft ou o Ministério da Educação têm assegurado, a própria escola promove pequenas sessões entre pares, que se entreajudam para poder levar novas ferramentas e modelos de aprendizagem para dentro da sala de aula, ao ritmo de cada docente.
Outra âncora do projeto educativo do Freixo é o Clube de Meteorologia que evoluiu ao ponto de prestar hoje serviços à comunidade e organizar anualmente o Congresso Transfronteiriço de Meteorologia e Alterações Climáticas. O Clube fornece serviços de previsão do tempo e avisos de riscos naturais e faz a monitorização das alterações climáticas da região, a partir da estação meteorológica localizada na escola sede do Agrupamento. Mais recente foi criado o Clube de Comunicação, que durante a pandemia deu origem a um jornal escolar, entretanto distinguido pela qualidade do projeto.
Todas estas são apostas para manter, mas Jorge Dias admite que possam surgir outras.
“Temos de ter sempre uma visão de futuro, porque aquilo que a sociedade nos pede hoje, não é o mesmo que vai pedir daqui a cinco ou seis anos e estamos a trabalhar com crianças e adolescentes que vão estar no mercado de trabalho só na próxima década”.
Entretanto, em sala de aulas, as atividades apoiadas em recursos digitais vão continuar a aumentar este ano letivo. À escola do Freixo, com 70 professores e 600 alunos, no último ano chegaram 400 computadores, que vão facilitar esta transição, embora muitos professores já tirassem partido de recursos digitais nas aulas, muitas vezes com conteúdos criados pelos próprios. Os velhinhos Magalhães, que foram sendo atualizados e reformados no hardware para poder responder às exigências mais recentes, continuaram a servir esse propósito, antes deste reforço mais expressivo do parque informático da escola.
Trabalhar a autonomia para tirar mais partido das ferramentas digitais
O Agrupamento de Escolas da Boa Água, na Quinta do Conde tem, desde que existe, um modelo pedagógico diferente, onde a comunicação, a colaboração e a autonomia dos alunos têm prioridade, face a um modelo de escola tradicional, em que o professor debita e o aluno aprende.
Alunos de anos diferentes trabalham em grupo nas salas de aula. Os manuais digitais começaram a chegar à Boa Água ainda no ano letivo de 2014/15. O projeto foi apoiado por tablets, mas nos anos seguintes os próprios telemóveis dos alunos entraram em cena para reforçar a dinâmica das aulas e o acesso a conteúdos digitais, a par de outros equipamentos da escola.
Esta é uma escola que também já centralizou numa solução tecnológica a comunicação entre alunos e professores e todos os conteúdos de apoio às aulas e que tira partido das duas principais plataformas de conteúdos educativos, a Escola Virtual da Porto Editora e a Aula Digital do grupo Leya, para além de usar várias outras ferramentas tecnológicas.
Uma destas ferramentas digitais é a Milage Aprender +, desenvolvida pela Universidade do Algarve e por parceiros. É uma aplicação para telemóvel com tarefas, fichas criadas por professores, que os alunos à medida que resolvem vão progredindo num ranking e desbloqueando exercícios mais difíceis.
A aplicação assenta numa lógica de gamificação, que como concorda llda Batista é “muito atrativa para os alunos”. Professora de matemática e ciências na Boa Água, Ilda Batista explica que no início do ano letivo apresenta esta, como outras, ferramentas aos alunos. Ao longo do ano usa-a algumas vezes em sala de aula, ou sugere como atividade extra para promover o trabalho autónomo. Uma das particularidades da app é o facto de usar um sistema de autoavaliação que os alunos, ou os seus pares, usam para corrigir os exercícios, resultados que os professores podem depois validar.
No último ano letivo a professora pôs em prática mais uma forma de fazer a ponte entre tecnologia e ambiente de sala de aula “tradicional” e envolveu os alunos na produção de novas fichas de ciências para a aplicação. Estas fichas serão em breve integradas na plataforma e vão passar a fazer parte do “jogo” que outros alunos poderão jogar.
A tarefa foi recebida com naturalidade, mas Ilda Batista garante que essa não é uma reação incomum dos alunos perante novas tarefas, porque é uma preocupação da escola diversificar as ferramentas que vai disponibilizando - digitais e não digitais - e promover a sua utilização autónoma. A resistência a novidades é pouca.
“É importante variarmos estratégias e dinâmicas para que eles possam escolher as melhores”, defende a professora de matemática e ciências há 26 anos, que reconhece na tecnologia um aliado de peso para cativar a atenção dos alunos e melhorar a aprendizagem.
Como refere, a caneta e o caderno continuam a existir no trabalho das aulas mesmo numa escola com muitas ferramentas digitais como a Boa Água, mas ter a ajuda de um vídeo ou de outro conteúdo digital, facilita a aprendizagem da matéria. “Damos tarefas e ferramentas aos alunos para que possam trabalhar em pequenos grupos, em vez de sermos nós a transmitir informação oralmente. Fornecemos os materiais necessários para que eles adquiram os conhecimentos e ao mesmo tempo trabalhem competências”, detalha ainda a professora.
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