As preocupações sobre as lacunas que a carteira de identificação digital (EU mini wallet) continuam a fazer-se sentir entre as organizações dedicadas à proteção de dados e direitos digitais. Uma coligação de 15 organizações da sociedade civil já tinha enviado uma carta aberta endereçada à Comissão Europeia sobre as lacunas de privacidade na aplicação de identificação.

Agora foi a European Digital Rights (EDRi) a levantar mais questões sobre a solução, apontando que as ferramentas sistematicamente levam a fugas de dados que podem ameaçar a privacidade e os direitos de proteção dos dados das crianças e adultos. A solução de Bruxelas passa por forçar as pessoas a usar o seu Cartão de Cidadão para aceder online, o que além da ameaça à privacidade, pode gerar ainda a exclusão digital, ameaçando a sociedade marginalizada. Questões que a organização diz que ainda não foram resolvidas.

A aplicação vai estar disponível para três países da União Europeia a começar no verão, mas depois de totalmente disponíveis, esta pode ser usada pelas empresas e governos para verificar as idades das pessoas que tentam aceder a certas plataformas e serviços. “Enquanto a Comissão acredita que isto vai tornar toda a gente segura, argumentamos que isto não é apenas irrealista, mas também não será útil para tentar proteger as crianças da internet”, refere a EDRi.

Organizações exigem a Bruxelas que feche lacunas de privacidade na carteira de identidade digital da UE
Organizações exigem a Bruxelas que feche lacunas de privacidade na carteira de identidade digital da UE
Ver artigo

A organização diz que já alertou repetidamente sobre os riscos da verificação da idade. “Temos visto os legisladores a falarem sobre a verificação de idade como se fosse uma bala de prata para todos os problemas da segurança online dos mais jovens, enquanto questões mais amplas no design das plataformas e serviços, tais como a capacitação dos jovens e soluções holísticas da sociedade são deixadas de lado”.

Estas ferramentas de verificação de dados, sejam os documentos de identificação pessoais ou sistemas de IA para analisar a idade das pessoas e outros métodos, segundo a EDRi, colocam a pegada digital das utilizadores em constante rastreamento. Isso pode ter o efeito na capacidade de aceder a conteúdo legítimo, além de frequentemente perpetuar a descriminação e exclusão. “Ainda que estas medidas da Comissão Europeia sejam propositadamente para a verificação de idade no acesso às plataformas pornográficas, os planos que foram traçados mostram uma clara intenção de controlar o acesso a uma maior extensão de plataformas e serviços”.

Já se sabe que o regulamento exige às entidades que indiquem claramente que dados é que pretendem usar, proibindo-as de pedirem informação que vai além daquela que foi especificada. Para proteger os utilizadores de pedidos ilegais de informação, a carteira de identidade digital precisa de saber qual é a informação que as entidades estão autorizadas a aceder.

No entanto, a epicenter.works já tinha alertado para uma lacuna numa proposta apresentada pela Comissão Europeia que permitiria às entidades contornar as medidas de proteção e aceder a mais informação do que seria necessário.

A EDRi refere também que as especificações da app referem princípios importantes para proteger a privacidade e o anonimato dos utilizadores, incluindo minimização dos dados e outras medidas para proteger os dados e evitar interceções não autorizadas. No entanto, aponta que muitas destas medidas de proteção não são necessariamente requerimentos, mas sim algo opcional.

Destaca ainda que as medidas de encriptação adotadas, as Zero Knowledge Proofs (ZKPs) para resolver as questões de privacidade são na teoria uma melhor forma de proteção. Porém, trata-se de um novo sistema e que utilizar em grande escala com dados sensíveis como os Cartões dos Cidadãos pode ser um risco.

Carteira de identificação digital chega a 500 milhões de smartphones até 2026
Carteira de identificação digital chega a 500 milhões de smartphones até 2026
Ver artigo

Por fim, salienta que muitas pessoas vão ser excluídas deste formato de verificação de idade. A necessidade de utilizar smartphones modernos e os Cartões de Cidadão podem deixar muitas pessoas de fora, cortando o acesso à informação e serviços por potenciais milhões de europeus. A descriminação e exclusão digital podem aumentar com estas medidas.

A Gartner prevê que, até 2026, pelo menos 500 milhões de utilizadores de smartphones vão utilizar regularmente declarações verificáveis disponibilizadas nas suas carteiras de identificação digitais (DIW, na sigla em inglês).