Várias empresas portuguesas do universo dos jogos estão hoje a explorar tecnologias inovadoras para levar o conceito de gamificação para outros sectores, explorar nichos de mercado apelativos em termos de receita, ou para criar novas formas de jogar. Juntámos quatro exemplos, que refletem outros tantos caminhos para crescer rapidamente em áreas menos “mainstream” do mercado de gaming, mas que se têm revelado igualmente rentáveis e capazes de despertar a atenção de investidores.
A ONTOP é um desses exemplos: especializou-se em jogos baseados em Realidade Aumentada e 5G. “Criamos videojogos que decorrem sobre o mundo real, permitindo experiências que até então estavam confinadas a um ecrã”, explica Nuno Folhadela, CEO e fundador.
Tem trabalhado em duas vertentes distintas: B2C (consumidores) e B2B2C (empresas para consumidores). Nos conteúdos para consumidores um dos projetos recentes foi a adaptação para videojogo do filme Ghostbusters Afterlife (trailer no vídeo abaixo). A estreia neste segmento foi com PuzzlAR: World Tour, distinguido como o melhor jogo de realidade aumentada, em 2017, pela Next Reality News.
Nas soluções para clientes empresariais uma das referências mais populares é o ARcade Sports, criado para mostrar o que pode resultar da combinação entre realidade aumentada e 5G. O jogo foi lançado pela Vodafone em 2019, no Qatar, e no final do ano passado em Portugal, com a NOS. Está a ser negociado com outros operadores a nível global.
Neste jogo, onde o comando é o corpo do jogador, o mundo real é o palco para diferentes experiências de realidade aumentada. Como explica Nuno Folhadela, “ARcade Sports é um convite para juntar amigos, sair de casa e partir à aventura. Seja para encontrar um tesouro, ter uma batalha épica ou simplesmente fazer exercício”. A pandemia acabou por não favorecer a chegada ao mercado do conceito, mas a tecnologia impressionou um estúdio americano e serviu de base para o Ghostbusters.
Nesta área, a ONTOP soma outros projetos, como Rockout, outro jogo de RA criado para o festival Rock in Rio 2018. Uma caça ao tesouro com fortes mecânicas sociais, que acabou por se estender ao festival Vodafone Paredes de Coura e que veio mostrar uma forma diferente de dinamizar os "festivaleiros" pelo recinto, dar a conhecer as ofertas dos festivais e ao mesmo tempo, terem contacto com uma nova maneira de interagir, com o digital a habitar no mundo real”. Para além disso, valeu à empresa o prémio de Vodafone Startup of the Year.
O interesse pela realidade aumentada, conta Nuno Folhadela, nasceu quando em 2014 teve oportunidade de contactar pela primeira vez com uns óculos de realidade aumentada, numa gamejam. “Senti que o mundo nunca mais seria o mesmo: Tudo o que vimos em filmes, jogos e livros de ficção podia ter lugar no mundo real”.
O responsável acredita que a realidade aumentada, será a “extensão de qualquer atividade comum, numa internet sobreposta no espaço, que permite novas formas de interação com pessoas e objetos”. Isso já é visível hoje em áreas como a assistência remota ou o turismo. “Os próximos anos com a mistura de smartphones e óculos de realidade aumentada, vão ser de exploração, descoberta e muitas oportunidades de negócio, ao aperfeiçoarmos novas tendências e hábitos de consumo”, acredita.
Realidade virtual é outra história, da qual a ONTOP não quer fazer parte. “Quando a RV, não nos envolvemos nem queremos fazer parte, por sentirmos que é uma "armadilha" para alienar e isolar ainda mais as pessoas umas das outras”.
A ONTOP tem neste momento 10 pessoas e uma faturação que cresceu 800% face a 2020. Este ano quer criar a primeira liga de AR e 5G com operadoras em todo o mundo e dar a conhecer o ARcade Sports, criando um novo género de entretenimento. Quer também reforçar o roadmap de jogos baseados em filmes de Hollywood.
Voz no centro da experiência
Na Doppio tem sido a voz a comandar os projetos da empresa, que se tornou especialista mundial em desenvolvimento de jogos ativados por voz. Co-fundada e dirigida por Jeferson Valadares em 2018, que já passou por empresas como a Bandai Namco ou a Electronic Arts, a startup tem no currículo um jogo desenvolvido em parceria com a Netflix, o 3% Challenge, baseado numa série da plataforma de streaming.
Um ano mais tarde conseguiu uma ronda de financiamento de um milhão de euros, participada por fundos da Amazon e Google, entre outros (portugueses, a Portugal Ventures e a Bynd), e seguiu caminho com títulos ativados por voz para assistentes digitais como a Alexa, ou Google Assistant. O primeiro foi The Vortex, um thriller de ficção científica, em que o jogador acorda numa nave espacial abandonada perseguida por uma entidade extraterrestre hostil e tem de comandar uma equipa de robots, para descobrir o mistério que envolve a nave, usando apenas a voz.
A inteligência artificial, mais especificamente o machine learning, tem tido um papel central no desenvolvimento dos jogos da Doppio, ou não fosse a interação em linguagem natural uma peça central em cada título. Jeferson Valadares admite que este tipo de ferramentas, não sendo ainda um elemento diferenciador no mercado de videojogos, é cada vez mais importante para melhorar a qualidade da produção e diminuir os custos.
Recentemente a Doppio reposicionou-se para abrir horizontes e ir além das experiências de voz mediadas por assistentes virtuais. No ano passado lançou o seu primeiro jogo com uma componente vídeo, Just Say The Word, para jogar através do Zoom Meetings e posiciona-se já como uma empresa de “jogos para as pessoas se divertirem em grupos online através de vídeo”, explica o responsável.
Porquê a mudança? “No último ano percebemos a tendência das pessoas para passarem mais tempo a socializar em videochamadas”, explica o empreendedor. “Fizemos alguns testes e descobrimos que usar a voz para falar com outros numa videochamada é mais natural para as pessoas, do que falarem com um dispositivo de hardware”. Just Say de The Word, pôs a constatação em prática. A voz continua a ser a “ferramenta” principal do jogo, que desafia o participante a dar pistas à sua equipa para adivinhar uma palavra, sem dizer outras tantas proibidas. O estúdio da Doppio conta hoje com 11 pessoas.
Plataforma de Play2Earn da Exeedme leva videojogos para a blockchain
A explorar uma área emergente e altamente promissora do mercado de videojogos há outro projeto português. Aqui não se desenvolvem jogos, mas uma plataforma que permite levar os jogos que já existem para o mundo do Play2Earn. Como explica Joana Barros, “a Exeedme é uma plataforma de Play2Earn na blockchain, que permite a qualquer jogador monetizar as suas skills, e ganhar crypto, NFTs, entre outras recompensas”. Conta com o seu próprio token, o XED, que quem jogar Call of Dutty Warzone; Counter Strike: Global Offensive ou Dota 2, através da plataforma, pode ir acumulando.
“Estamos a construir uma ‘gamer-driven economy’, em que os jogadores são recompensados e as equipas e organizadores de competições podem construir e fazer crescer as suas comunidades”, acrescenta a Chief Community Officer da startup de Braga.
A Exeedme está já a explorar estas duas vertentes. Começou por reunir alguns AAA no serviço online, que num ano acumulou 50 mil registos, e pretende continuar a fazer crescer a oferta em 2022, fechando novas parcerias com estúdios e game developers em crescimento. “Queremos ajudar esses projetos a crescer, a introduzir blockchain na economia dos seus jogos, apoiando-os também no lançamento dos mesmos e de potenciais coleções de NFTs na nossa plataforma, e, quem sabe, torná-los esports!”, antecipa Joana Barros.
Outra via para aumentar o número de títulos disponíveis na plataforma é ajudar a promover o surgimento de novos jogos. O primeiro gaming hackathon organizado pela empresa, com parceiros como a Moralis, Polkastarter e a Polygon Studios, avançou recentemente. O vencedor vai receber um prémio monetário (40 mil dólares), mas também suporte para o desenvolvimento e lançamento do seu jogo na Exeedme.
Na vertente das competições, a Exeedme organizou já, no final do ano passado, o Revolution Tournament (CS:GO), um torneio com prémios de 100 mil dólares que foram reunidos através de crowdfunding pela comunidade e com a venda de NFTs. Todos os prémios foram pagos em crypto.
Este é “um conceito inovador e disruptivo na área dos eSports, que garantiu a transparência de todo o processo e a rapidez no pagamento dos prémios (tipicamente demoram longos períodos até ao pagamento efetivo)”. Em Exeedme.com há ainda um marketplace de NFTs com “cinco coleções exclusivas, nomeadamente a primeira coleção de NFTS de “eSports moments”, explica Joana Barros.
A Exeedme cumpriu no final do ano passado a sua primeira ronda de investimento, onde levantou um milhão de dólares para o projeto, neste momento com uma equipa de 14 pessoas.
Jogos de casino é o universo da Fabamaq, próximo e distante dos videojogos
Num “campeonato” à parte estão empresas como a Fabamaq, focadas em soluções de jogo para a indústria de casinos, um mercado que tem crescido a nível global e também em Portugal, com a chegada de novos players internacionais como a Kaizen Games (dona da Betano) ou a Evolution, que cá abriram recentemente centros de desenvolvimento.
A Fabamaq começou pelos video bingos e mais tarde avançou para os jogos de slots, que hoje fornece a casinos em diferentes partes do mundo. Pelo caminho entrou nos jogos online e internacionalizou a operação para Espanha. Em 12 anos, João Maia, Chief Operations Officer da empresa sedeada no Porto, reconhece que mudou muita coisa no mercado onde operam e quase tudo na forma de desenvolver um jogo.
A evolução da tecnologia e a cloud reduziram a uma fração, o tempo necessário para criar um jogo. As próprias linguagens de programação - C++, Javascript e Python são as que mais usam - evoluíram e permitem hoje extrair “melhor performance e aumentar a produtividade nos nossos desenvolvimentos”. Junte-se a isso a evolução dos próprios motores de jogo - a Fabamaq adotou recentemente o Godot - e qualquer semelhança com o desenvolvimento de jogos há uma década é pura recordação.
“É com alguma nostalgia que recordo os primeiros tempos na Fabamaq, quando fazíamos os jogos num processo mais manual e iterativo. O processo de construção do jogo era longo até chegarmos ao momento de colocar o produto final numa pen, para aí ser então validado como um todo”.
João Maia explica que os jogos para casino e os restantes seguem lógicas de desenvolvimento idênticas, até determinado ponto. Em ambos os universos há um pacote de jogo (constituído por som, animação, features, lógica do jogo, entre outros elementos), que é preciso construir, articular e montar num produto harmonioso. “Desde a fase de idealização de produto até à fase final de certificação e qualidade, todo o processo segue trâmites muito idênticos nas duas vertentes. Diria que a maior diferença se prende com o meio onde o jogo é instalado/jogado”.
Esta diferença faz com que nos jogos de casino se acrescentem depois uma série de passos para garantir a interação com os periféricos que compõem toda a máquina, como aceitadores e impressoras de tickets, botoneiras, ledstrips e sistemas de reporting ligados ao casino.
Diferente é também, claro, o facto de serem construídos para servir abordagens diferentes ao jogo e para serem jogados em ambientes bem distintos. Os videojogos seguem uma lógica em que “a perícia do jogador lhe vai permitir avançar/descobrir novas partes do jogo até possivelmente o concluir, enquanto que nos jogos de casino existe sempre o factor monetário em questão”, distingue o responsável. No que se refere ao ambiente onde são jogados, os jogos de casino são usados em espaços fechados, com muita oferta concorrente em volta e isso também determina os elementos do jogo.
Este ano, a Fabamaq, que no final de 2021 distribuiu um prémio de meio milhão de euros pelos colaboradores, vai trabalhar na atualização e restyle de alguns produtos e no desenvolvimento de vídeo bingos e jogos de slots com novas features e dinâmicas de interação com o jogador.
No universo online, a empresa está a preparar uma nova linha de bingos e jogos de mesa online, que quer lançar ainda em 2022. Extra- casinos, está a desenvolver uma aplicação móvel de social gaming. Muda a plataforma mantém-se o mote, mas João Maia, admite que o futuro possa passar pelo desenvolvimento de outro tipo de jogos. A equipa da Fabamaq integra já mais de 200 colaboradores e em 2022 quer juntar outros 35.
Este artigo faz parte do especial Desenvolver jogos em Portugal: Quem, como e para onde?
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