As medidas excecionais que muitos estados estão a tomar no âmbito da pandemia de COVID-19 que alastra no mundo são muitas vezes acompanhadas de maior vigilância das populações, e há diferentes iniciativas que o revelam utilização de dados dos telemóveis para controle da movimentação de cidadãos em quarentena, ou de uso de drones para vigiar áreas onde foi imposto o recolher obrigatório.
Reconhecendo que a tecnologia pode ser um importante aliado para salvar vidas, ou disseminar mensagens de saúde pública e aumentar o acesso aos cuidados de saúde, mais de 100 organizações de direitos humanos, de direitos digitais, de liberdades cívicas e de defesa do consumidor, de todo o mundo, estão também a avisar que este momento não pode ser usado como desculpa para a implementação de sistemas de vigilância digital que não respeitem os direitos humanos.
"Um aumento dos poderes de vigilância digital estatais, tais como obter acesso aos dados de localização dos telemóveis, ameaça a privacidade, a liberdade de expressão e a liberdade de associação de formas que podem violar direitos e degradar a confiança nas autoridades públicas - prejudicando a eficácia de qualquer resposta em matéria de saúde pública", refere o documento que também foi assinado pela portuguesa D3 - Defesa dos Direitos Digitais, entre outras organizações como a Access Now, a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch, a Privacy Internacional, a EDRi - European Digital RIghts.
"As decisões que os governos agora tomam para fazer face à pandemia irão moldar o aspecto do mundo no futuro", avisam as organizações, que referem ainda que esta crise constitui uma oportunidade para demonstrar a nossa humanidade comum. "Podemos fazer esforços extraordinários para combater esta pandemia que sejam coerentes com as normas de direitos humanos e com o Estado de direito", sublinham.
Portugal com fragilidades na infraestrutura tecnológica do Estado
Em Portugal o presidente da D3 - Defesa dos Direitos Digitais, afirma que a pandemia da COVID-19 "em deixado a nu graves falhas na infra-estrutura tecnológica do Estado, a ponto de colocar em causa a nossa soberania tecnológica", mas avisa que "o perigo mais imediato para os direitos humanos está em eventuais cedências a visões mais securitárias que, sob a pretensa do combate à epidemia, levem à implementação de sistemas invasivos de vigilância da população, sem consideração pelos direitos humanos", explica Eduardo Santos.
Algumas medidas têm sido tomadas para facilitar o acesso a serviços digitais e a sistemas de videovigilância, como a autorização para a utilização de câmaras de videovigilância portáteis, instaladas em drones da Polícia de Segurança Pública, durante o Estado de Emergência. E podem existir pressões externas, da Europa, para o uso de metadados dos smartphones, embora tudo indique que o Governo não o está a considerar neste momento.
Questionado pelo SAPO TEK, Eduardo Santos admite não ter conhecimento de situações de utilização excessiva em Portugal. Mas avisa que "Em geral, devemos também manter um espírito crítico sobre todas as soluções tecnológicas que são avançadas como se fossem uma “solução”. A tecnologia é uma ferramenta, não um fim em si mesmo. Pode auxiliar os actores políticos, mas também se pode tornar um obstáculo".
As opções estendem-se para além da tecnologia e os vários fatores têm de ser considerados. "Embora para nós a tecnologia utilizada e a forma como a ferramenta funciona seja algo de crucial, a verdade é que ajuizar o mérito da escolha de determinada ferramenta tecnológica implica levar em devida consideração aspectos externos à própria tecnologia, que podem acabar por determinar a sua ineficácia.".
Apesar das notícias que vieram de Bruxelas o presidente da D3 diz que, tando quando sabe, o Governo não tem planos para monitorizar pessoas por telemóvel. Já em relação ao uso de câmaras de vigilância móveis e de drones, "lamentamos ver que as forças policiais e o Ministério da Administração Interna continuam um pouco a leste do regime legal e constitucional da utilização da vigilância sobre cidadãos. Uma vez mais, as forças policiais não demonstraram a necessidade dessas medidas. Fez bem a CNPD ao rejeitar o pedido de diferimento nos termos em que fora apresentado, permitindo apenas em relação ao caso de Ovar e emitindo condições para a utilização destas tecnologias no resto do país - resta ver se serão cumpridas".
Lembra ainda que o ónus de demonstração da necessidade das medidas cabe às forças policiais, e isso pressupõe conseguirem demonstrar que não existem outras medidas igualmente eficazes e menos lesivas dos direitos das pessoas, para atingir os mesmos fins. Mas sublinha que "temos bastantes reservas sobre se a utilização de drones reunirá essas condições"
Recomendações das organizações aos Governos para garantir os direitos humanos
No documento assinado pelas organizações, é pedido aos Governos para não responderem à pandemia da COVID-19 com uma vigilância digital acrescida, salvo estando reunidas várias condições, que reproduzimos aqui:
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