Uma série de vídeos produzidos por youtubers a alertar para “o fim da Internet”, e sobretudo o do wuant que afirma “O meu canal vai ser apagado”, instalaram a confusão e a dúvida entre os utilizadores, especialmente os mais jovens. Os argumentos são os mesmos que têm circulado online desde o início do ano, quando o Parlamento Europeu se preparava para votar a nova proposta de Direito de Autor, mas ganham mais força com a capacidade de comunicação daqueles que são os ídolos das novas gerações.
Muitos artigos foram já escritos sobre o tema e os argumentos usados pelo Wuant – que são semelhantes aos de muitos outros youtubers que parecem ter usado o mesmo guião – já foram desmontados por jornais, pelo site de fact checking Polígrafo e a própria representação da Comissão Europeia em Portugal fez uma carta aberta aos youtubers a explicar ponto por ponto o que a proposta de legislação defende, e a garantir que a Internet não vai acabar.
Há argumentos dos dois lados e da mesma forma que há petições e movimentos contra a legislação, há muitos artistas e associações de autores que defendem a aprovação da lei, como aconteceu numa aliança pouco provável entre várias organizações em Portugal.
O que está em causa?
Desde que se começou a preparar a finalização da proposta de Direito de Autor no Parlamento Europeu que se multiplicaram as campanhas de quem defende "uma Internet livre", em oposição ao que chama de censura e bloqueio da criatividade. Em causa está a proposta da Diretiva de Direito de Autor que a Europa garante que quer harmonizar os direitos entre o mundo físico e o digital, e que foi aprovada a 12 setembro no Parlamento Europeu (PE) mas cuja redação final ainda está a ser negociada num processo de trilogos (negociação entre a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu)
Na altura, milhares de emails, telefonemas e mensagens foram enviadas aos parlamentares, numa pressão considerada sem precedentes e classificada como fake news, que foi apontada como sendo orquestrada pelas grande plataformas web, que nunca assumiram diretamente protagonismo nesta guerra aberta. Pelo menos até agora.
Nas últimas semanas o YouTube tem-se tornado mais ativo nesta “militância” e publicou um artigo longo dirigido aos “criadores” a explicar os seus argumentos, que já foram postos em causa por vários especialistas na matéria. Numa abordagem mais direta enviou também emails personalizados a alguns dos maiores youtubers a pedir para falarem do assunto.
Foi isto que deu azo à publicação de uma série de vídeos de youtubers portugueses a falar do Artigo 13, com títulos mais ou menos fortes e argumentos mais ou menos inflamados. "Após nova lei será o fim do youtube ?!", foi o vídeo de Tiagovski no dia 24, mas outros se seguiram, como o de Pi "O fim do YouTube .... Artigo 13", no dia 27 de novembro, e o de Wuant "O meu canal vai ser apagado", publicado no mesmo dia. Este foi o que alcançou o maior número de visualizações - 1,4 milhões à hora que publicamos esta peça, e número 1 nos mais populares - e que foi referido por vários órgãos de comunicação social.
Todos usam mais ou menos os mesmos argumentos, e é certo que tiveram efeito e fizeram com que muitos jovens questionassem os seus pais sobre o "tal" Artigo 13, com medo de que a Internet acabasse. No caso do Wuant, para além de passar a mensagem e pedir para assinar a petição há um apelo a uma “revolução”. “Isto não vai lá com petições. Só vai com uma revolução”, refere no vídeo, onde diz que a Google deixará de existir como existe neste momento, que as redes sociais vão ter restrições e provavelmente poderão ser bloqueadas. “E muita gente está a dizer que este é o fim da Internet e eu concordo”.
“Vocês sabem que a m**** é séria quando o YouTube manda um e-mail a dizer: ‘Olha, tens de falar sobre isto’. Se o YouTube está preocupado, eu também tenho de estar preocupado”.”, explica.
O vídeo levou a muitas dúvidas entre os jovens, e até algumas cenas de choro que foram reportadas, que fizeram com que a situação atingisse uma maior dimensão e como é referido em vários tweets o vídeo foi também exibido em escolas.
Miguel Carretas, Director-Geral AUDIOGEST, admite que os youtubers estão genuinamente preocupados com a comunicação do YouTube, mas afirma que esta “baseia-se em pressupostos falsos e que o YouTube sabe que são falsos”. Entre classificações de desinformação e “absurdo disparate” relativamente a alguns argumentos, como a impossibilidade dos youtubers usarem uma T-shirt de determinada marca nos vídeos, o especialista em direito de autor, e representante da indústria da música, avisa que se estão a esquecer vários princípios legais, como a regra do esgotamento do direito e a diferença entre direito de autor e propriedade industrial.
“A diretiva não mexe nas excepções do direito de autor, mas aumenta estas proteções”, afirma, lembrando que a legislação vem aplicar os princípios do direito de autor ao digital, e avisando que no equilíbrio de forças entre as plataformas (como o YouTube, a Google e o Facebook) e a indústria da música, os primeiros são o Golias e os segundos o David, com muito menos força numa luta desigual.
“Com a nova legislação ficamos com mais alguns argumentos para [as plataformas] negociar mais connosco e tratar-nos melhor […] vai inverter o paradigma”, admite Miguel Carretas.
O YouTube não faz já controle de conteúdos protegidos?
Esta é uma das questões que tem sido colocada. Na verdade os próprios criadores sabem que se fizeram um vídeo com uma música protegida, ou imagens de um filme dos quais não têm direitos, este é rapidamente apagado do YouTube (e de outros canais como o Facebook, por exemplo). Isto acontece pela utilização do ContentID, uma ferramenta na qual a Google tem investido milhões e que é cada vez mais eficaz e poderosa, sendo usada também para detetar vídeos de pornografia, pedofilia ou mensagens xenófobas ou com incitação à violência.
Então qual é a diferença? Miguel Carretas explica que a mudança de paradigma é que agora o YouTube só faz essa validação à posteriori, e que são os detentores de direitos que têm a responsabilidade de procurar e pedir a eliminação. Com a nova legislação as plataformas serão obrigadas a detetar os conteúdos que violam direitos de autor no momento do upload, e vão ter de negociar com cada uma das entidades o licenciamento dos conteúdos, ou terão de os bloquear a todos. Mas este bloqueio não se aplica aos conteúdos originais, só aos que estão protegidos – como as músicas ou os filmes e bandas desenhadas, fotografias, etc.
Como sublinha a carta da Representação portuguesa da Comissão Europeia, “O artigo 13º não vai acabar com a Internet. Pelo contrário, vai dar-vos força enquanto criadores de conteúdos. Com o artigo 13º, vão poder dizer ao YouTube como querem que os vossos vídeos sejam utilizados. Assim, youtubers que copiem ou utilizem o vosso trabalho sem a vossa autorização vão deixar de lucrar com esse uso indevido. E, da mesma forma, o Youtube vai deixar de fazer dinheiro com isso.”
Ainda hoje, numa conferência organizada pela Associação DNS.pt, Pedro Boucherie Mendes desvalorizou o vídeo que foi divulgado pelo youtuber wuant, mostrando que está contra quem defende que não deve existir esta regulação e lembrando que para fazer um programa de televisão tem de pagar direitos de imagem e que “o Wuant com os seus videozinhos pode usar o que quiser porque na internet pode fazer o que quiser”. https://tek.sapo.pt/noticias/internet/artigos/a-internet-e-um-lugar-estranho-podemos-concluir-que-o-pior-da-internet-sao-as-pessoas
“Não gosto de trabalhar numa área muito regulada e haver “wuants” que me roubam o público e estão numa área que é o faroeste”, afirmou Pedro Boucherie Mendes, explicando ainda que o youtuber provavelmente não gostaria que alguém ganhasse dinheiro a imprimir a sua cara numa t-shirt ou em canecas e a vender. Mas realçou também que não tem nada contra o youtuber, embora explique que também não tem nada a favor.
Curiosamente, ontem à noite um vídeo publicado pelo youtuber Nuno Agonia mostra uma outra perspetiva, e muito mais ponderação. No “Finalmente o Artigo 13”, o youtuber explica, sem guião, a sua visão e admite que “não queria estar no papel da UE […] não é fácil”. “O problema está no poder, e no dinheiro que leva ao poder” e nas redes como o YouTube e o Google que estão a ficar muito poderosas e que a União Europeia quer limitar, afirma.
“Não sei até que ponto o YouTube tem muita culpa do que aconteceu”, refere Nuno Agonia, falando também das mensagens que a plataforma enviou aos youtubers e lembrando que como plataforma o YouTube quer que os vídeos sejam virais para ganhar mais dinheiro. “Há muitos lobbies e muitos interesses”, avisa.
Num vídeo de 17 minutos, sem edição e sem guião, Nuno Agonia explica que tem “uma mistura de sentimentos”, mas que a Internet está uma selva e que não se consegue proteger os direitos de autor. “Tudo tem um limite. Tem de haver regras”, adianta, embora garanta que não quer que as liberdades sejam limitadas. “Não quero perder a liberdade de expressão”, diz, afirmando que o YouTube é fantástico e que mudou a sua vida, e que lhe permitiu conhecer pessoas fantásticas, e que quer que os filhos, os amigos e os seguidores continuem a ter acesso a essa liberdade.
Nota da redação: Para este artigo contactámos várias pessoas e tentámos falar, desde ontem, com youtubers como o wuant, Tiagovski e Pi, mas não obtivemos respostas.
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