O tema da harmonização da proteção do direito de autor ao mundo digital já está em cima da mesa dos deputados do Parlamento Europeu há alguns anos mas teve maior concretização depois da proposta de diretiva da Comissão Europeia, em 2016. A questão é considerada pela grande maioria dos deputados como de enorme importância, e globalmente todos reconhecem a necessidade de proteger os autores, mas a forma como deve ser feito é que diverge, e isso fez com que esta decisão se tornasse uma das mais complexas de sempre, e provavelmente aquela em que os eurodeputados foram mais expostos a pressões de ambos os lados de uma barricada em clima de guerra permanente.
Depois de um chumbo em julho do relatório Voss da Comissão Juri, o debate foi remetido para setembro, em Estrasburgo, e o tempo das férias de Verão serviu para que as pressões se continuassem a multiplicar, mas também para que proliferassem as propostas de alterações e os considerandos, num total de mais de 250 emendas que os eurodeputados tiveram de votar hoje. Uma lista extensa e complexa, para a qual os deputados tiveram de levar um guião, de forma a orientarem-se num processo de voto que é rápido e exigente, com apenas alguns segundos para se manifestarem em cada uma das alíneas.
Na sua intervenção inicial o relator da diretiva, Axel Voss pediu para que o Parlamento Europeu estivesse ao lado dos criadores, e lembrou que "um reenvio à Comissão seria uma derrota para todos". "Os problemas são conhecidos, as propostas estão sobre a mesa e peço que deem o vosso aval", referiu.
Fosse ou não este apelo que se fez ouvir, ou as decisões já tomadas, a votação foi positiva e aprovada, com o relatório de Axel Voss a passar pelo crivo do novo debate em plenário. No total foram 438 votos a favor, 226 contra e 39 abstenções.
Ontem o debate mostrou que as opiniões continuavam bastante divididas, e mesmo os deputados com quem o SAPO TEK teve a oportunidade de falar mostraram posições bastante divergentes em matérias fundamentais, mas há agora um mandato para continuar a discussão e detalhe da diretiva.
Imediatamente após a votação Axel Voss mostrou a sua satisfação. "Estou muito satisfeito pelo facto de, apesar da campanha de lóbi muito forte levada a cabo pelos gigantes da Internet, há agora uma maioria na assembleia que apoia a necessidade de proteger o princípio de uma remuneração justa dos criadores europeus", refere. "Acredito que, depois de a poeira assentar, a Internet será tão livre quanto é hoje, criadores e jornalistas receberão uma parcela mais justa das receitas geradas pelas suas obras e perguntaremos para que foi este alarido todo", acrescentou o eurodeputado que nos últimos meses tem estado no centro da polémica com a responsabilidade de redigir o relatório do PE.
Ainda assim, e apesar da votação positiva ao documento, hoje ainda não se sabe qual é o formato do texto final, ou como ficará com todas as alterações e considerandos que foram votados. E isso poderia fazer toda a diferença, como explicou ao SAPO TEK Miguel Carretas, da Audiogest, que nos últimos dias esteve em Estrasburgo a acompanhar os trabalhos do Parlamento. Mesmo assim, e depois de conhecer as alíneas aprovadas, o jurista confessou ao SAPO TEK que está muito satisfeito, e que "a votação é histórica e excedeu todas as expectativas", dando um mandato claro de força ao Parlamento para discutir o texto final com a Comissão e uma indicação positiva para a aprovação do texto que sair deste processo que envolve a Comissão Europeia e o Conselho Europeu.
Só amanhã deverá ser conhecido o texto final, assim como a posição de voto de cada um dos deputados em cada uma das mais de 250 emendas.
O próximo passo agora é iniciar as negociações com a Comissão Europeia e o Conselho Europeu para negociar o texto final da Diretiva, que depois tem ainda de ser aprovado e transposto para a realidade dos 27 Estados-membros.
Resultado que continua a dividir opiniões
Apesar da votação positiva, as tomadas de posições após a votação do documento, e das votações de outras propostas que estiveram em apreciação esta manhã no PE, deixam caro que as divisões se mantêm e estão longe de estar sanadas.
A eurodeputada bloquista Marisa Matias, que pertence ao grupo dos liberais, foi a primeira a tomar a palavra referindo que está "triste com a aprovação da censura nesta casa". Defendendo que a imposição de filtros de censura que tinha sido referidos se agravaram com as emendas hoje aprovadas, a eurodeputada frisou que este documento "abre a caixa de Pandora e é um ataque à democracia", dando azo à utilização desta linha de ideias em próximas áreas e podendo virar-se contra todos.
A maioria das intervenções após a votação foram contra a aprovação, voltando a ouvir-se as mesmas acusações de defesa dos monopólios na internet e da indústria, censura, atentado à liberdade de expressão, semelhante às que têm sido feitas nos últimos meses.
O eurodeputado José Inácio Faria, que integra o Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos) foi uma das (poucas) vozes discordantes, lembrando que esta é uma questão de justiça e da remuneração dos criadores e autores num mundo os a digitalização é cada vez mais uma realidade, como já tinha referido ao SAPO TEK.
Posições extremadas numa "guerra" sem fim à vista
Nos últimos meses os eurodeputados receberam milhares de emails, telefonemas e tweets com pressões para não aprovarem a diretiva. No centro da polémica estão os Artigos 11 e 13 que propõem a filtragem de conteúdos para validar o uso de material protegido por direito de autor, e a possibilidade de pagamento de uma taxa por partilha de links.
Entre acusações de censura e de que a diretiva quer “matar a Internet”, ou de "ataque à cultura" pelos defensores dos autores, os movimentos levaram à criação de sites e apelos em várias redes sociais, e demonstrações públicas. Tantos que o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, referiu mesmo em julho que é necessário criar mecanismos que protejam os eurodeputados destas pressões massivas, sobretudo porque os textos eram todos iguais e apenas replicados.
#FixCopyright #SaveYourInternet #CensorshipMachines #LinkTax são algumas das hashtags mais usadas nas redes sociais e há vários sites dedicados à causa, como o Save your Internet ou Fix Copyright, mas ainda ontem a eurodeputada Virginie Rozière questionava a origem de muitos destes movimentos, apontando a análise do IP de origem do site Save Your Internet, que é norte americano apesar do servidor estar localizado na Bélgica, e a contabilização dos tweets publicados, com origem maioritariamente em Washington.
Do outro lado da barricada está a indústria e os artistas, que querem mais proteção para as suas obras num mundo cada vez mais digital e que dizem que desta forma não é sustentável manter uma atividade cultural europeia. Milhares de artistas apresentaram os seus argumentos em cartas, vídeos e posts nas redes sociais, e em Portugal várias associações juntaram-se numa sintonia poucas vezes vista para defender a proposta. A campanha #europeforcreators teve maior mobilização depois de julho mas fez ouvir a sua voz.
Esclarecimentos sobre o documento aprovado
- Remuneração justa para artistas e jornalistas e apoio à inovação
- Proteção da liberdade de expressão
- Wikipedia e software de código aberto não serão afetados
- Poder de negociação de autores e artistas fica reforçado
Nota da Redação: o texto esteve em atualização com mais dados após a votação. Última atualização 13h35
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