O pacote legislativo que pretende garantir maior proteção aos consumidores e respeito pelos direitos fundamentais online, com obrigações comuns em toda a União Europeia, tem a partir de hoje um papel mais relevante na regulamentação da internet e dos serviços online com a aplicação do Regulamento de Serviços Digitais (DSA na sigla em inglês) nas principais plataformas e motores de busca. Remover conteúdos ilegais, aumentar a transparência dos algoritmos, verificar identidade de comerciantes nas plataformas e assegurar o direito a reclamações dos consumidores são algumas das novas medidas a aplicar.
O pacote legislativo já entrou em vigor a 16 de novembro de 2022 depois da aprovação no Parlamento Europeu em julho desse ano sendo o primeiro passo a identificação das plataformas e motores de busca de grande dimensão.
Plataformas como a Meta, que detém o Facebook, usado por cerca de 2 em cada 3 europeus, e o Instagram, usado por quase metade da população europeia, estão na mira das autoridades, assim como o TikTok, com mais de 125 milhões de utilizadores na Europa, maioritariamente adolescentes. A Alphabet é outra das empresas empresa com grande peso nas obrigações definidas pelo DSA, com os serviços Google Play, Google Maps e Google Shopping abrangidos como grandes plataformas e o Google Search na lista dos motores de busca, a par do Bing da Microsoft.
O comissário europeu Thierry Breton, que tem a pasta da nova regulamentação, lembra que estas plataformas conquistaram um papel importante nas nossas vidas digitais e que está na altura da União Europeia impor as suas regras.
O comissário avisa que Bruxelas "aplicará rigorosamente" as novas regras e usará "plenamente os novos poderes para investigar e sancionar as plataformas sempre que tal se justifique".
O SAPO TEK preparou um explicador com algumas das principais questões sobre o DSA e o que muda com as novas regras.
O que é o Digital Services Act (DSA) também conhecido como Regulamento dos Serviços Digitais ou Lei de Serviços Digitais
O DSA pretende regular as obrigações dos serviços digitais e das plataformas que são intermediários na ligação dos consumidores a bens, serviços e conteúdo. Aqui estão incluídos os motores de busca mas também as redes sociais, websites e mercados online, entre outros.
A ideia é garantir maior proteção aos utilizadores, assegurando que tudo o que é ilegal offline seja também ilegal online e oferecendo mais proteção dos direitos fundamentais, transparência e responsabilização das plataformas sobre violações da lei.
Entre as obrigações estão a criação de medidas para combater conteúdos ilegais online, credibilização dos mercados para evitar fraudes de serviços e produtos, assegurar o direito de reclamação das decisões de moderação de conteúdo das plataformas, maior proteção dos menores e mitigação do risco de desinformação e manipulação eleitoral, violência cibernética contra mulheres ou danos a menores online.
Está também incluída a proibição de publicidade direcionada em plataformas online com perfis de crianças ou com base em categorias especiais de dados pessoais, como a etnia, opiniões políticas ou orientação sexual e a promoção de maior transparência para toda a publicidade em plataformas online e comunicações comerciais de influenciadores.
Os chamados “padrões escuros” das plataformas online, que designam alguns truques para manipular as escolhas dos utilizadores, estão também na mira da legislação e novas medidas pretendem garantir o acesso aos dados por parte dos investigadores das principais plataformas, de forma a escrutinar o seu funcionamento e a evolução dos riscos online.
Porque começam a ser aplicadas as obrigações do DSA a 25 de agosto?
A data já estava marcada no calendário: depois da designação das grandes plataformas e motores de busca abrangidos pelo Regulamento dos Serviços Digitais as empresas tinham 4 meses para implementar as mudanças exigidas. Como as notificações tiveram lugar a 25 de abril, em princípio o deadline é hoje, 25 de agosto, embora na prática possa variar ligeiramente, como explicou um porta voz da Comissão Europeia ao SAPO TEK. Na verdade depende da data de confirmação da comunicação pelas plataformas, mas não há informação sobre essas datas.
Quais são as empresas abrangidas pelas regras de grandes plataformas e motores de busca?
A 25 de abril a Comissão Europeia designou 17 plataformas em linha de muito grande dimensão (VLOP – Very Large Online Platforms ) e 2 motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão (VLOSE - Very Large Online Search Engines), empresas que têm pelo menos 45 milhões de utilizadores ativos mensais.
Esta é a lista:
Plataformas em linha de muito grande dimensão:
- Alibaba AliExpress
- Amazon Store
- Apple AppStore
- Booking.com
- Google Play
- Google Maps
- Google Shopping
- Snapchat
- TikTok
- Twitter (agora X)
- Wikipédia
- YouTube
- Zalando
Motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão:
- Bing
- Google Search
Estas empresas ficam obrigadas a adaptar os sistemas e mecanismos às novas regras, fazendo também avaliações de risco face aos direitos fundamentais e liberdade de expressão, assim como saúde pública.
O DSA define o que é ilegal online?
Um dos pontos fortes da argumentação da DSA é que o que é ilegal offline deve ser ilegal online, mas os legisladores garantem que não cabe a esta lei determinar o que é ou não legal, já que isso está claro noutras leis europeias.
Por isso também ficaram de forma alguns detalhes que antes tinham sido apontados, como o caso da transmissão ilegal de jogos e eventos desportivos em plataformas que não detêm os direitos de transmissão. A relatora da DSA explicou mesmo que a opção foi não referir os casos específicos.
Quais são as novas obrigações?
As empresas listadas têm várias obrigações definidas no regulamento, algumas das quais são cumulativas com outra legislação em vigor e que se aplicam a quem presta serviços na União Europeia. Mais transparência, combate aos “padrões escuros” e uma supervisão única fazem parte da longa lista de regras definidas:
- Medidas para combater os conteúdos ilegais em linha, incluindo mercadorias e serviços ilícitos, incluindo a possibilidade dos utilizadores sinalizarem conteúdos ilegais para que as plataformas possam identificar e remover conteúdos ilícitos
- Novas regras de rastreabilidade dos comerciantes nos mercados em linha, reduzindo as burlas online, sendo as plataformas obrigadas a verifica aleatoriamente nas suas bases de dados se os produtos ou serviços são legais
- Garantias para os utilizadores, incluindo a possibilidade de contestar as decisões de moderação de conteúdos das plataformas, com base na nova notificação obrigatória dos utilizadores em caso de restrição ou remoção dos seus conteúdos;
- Medidas de transparência abrangentes para as plataformas em linha, incluindo melhores informações sobre os termos e condições, bem como transparência sobre os algoritmos utilizados para recomendar conteúdos ou produtos aos utilizadores
- Novas obrigações em matéria de proteção de menores em todas as plataformas da União Europeia
- A obrigação de as plataformas e motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão evitarem abusos dos seus sistemas através da adoção de medidas baseadas no risco, com auditorias independentes. Abrangem a desinformação, a manipulação eleitoral, a ciberviolência contra as mulheres ou os danos causados aos menores em linha
- Está previso um novo mecanismo de resposta a situações de crise em casos de ameaça grave para a saúde pública e de crises de segurança, como uma pandemia ou uma guerra
- Proibição da publicidade direcionada nas plataformas em linha por meio da definição de perfis de crianças ou com base em categorias especiais de dados pessoais, como a etnia, as opiniões políticas ou a orientação sexual. Exige-se maior transparência em toda a publicidade nas plataformas em linha e nas comunicações comerciais dos influenciadores
- Proibição de utilizar os chamados “padrões obscuros” na interface das plataformas em linha, referindo-se a algoritmos enganosos que manipulam os utilizadores levando-os a fazer escolhas que não pretendem fazer
- Novas regras para permitir o acesso aos dados das principais plataformas, por parte dos investigadores, para analisarem o funcionamento das mesmas e a evolução dos riscos em linha;
- Mais direitos aos utilizadores, incluindo o direito de apresentar queixa à plataforma, de procurar a resolução extrajudicial de litígios, de apresentar queixa às autoridades nacionais na sua própria língua ou de procurar obter uma indemnização por incumprimento das regras.
- Uma estrutura de supervisão única, sendo a Comissão Europeia a principal entidade reguladora das plataformas e motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão (chegando a 45 milhões de utilizadores). A supervisão de outras plataformas e motores de pesquisa fica a cargo dos Estados-Membros onde estão estabelecidos. Indica-se ainda que será criado um mecanismo de cooperação à escala da UE entre os reguladores nacionais e a Comissão. Os países têm de designar as autoridades competentes, os Digital Services Coordinators, até 17 de fevereiro de 2024 e será formado um grupo independente, que se designa como European Board for Digital Services
- As regras em matéria de responsabilidade dos intermediários foram reconfirmadas e atualizadas pelo colegislador, incluindo a proibição a nível europeu de impor obrigações gerais de vigilância.
As plataformas já estão a cumprir as novas regras?
Algumas empresas, como a Meta e a Google, já comunicaram que estão a aplicar as novas regras e criaram centros de transparência e mecanismos adaptados ao DSA, assim como programas para moderadores e investigadores.
O porta voz da Comissão Europeia confirmou ao SAPO TEK que a Comissão está em contacto regular com estes serviços e que se disponibilizou para realizar testes de stress com uma simulação em cenários habituais e circunstâncias excecionais, focados sobretudo nos algoritmos s sistemas de recomendação. Foram realizados testes com a X (ex-Twitter), TikTok, Meta e Snap.
O que podem esperar os consumidores?
Espera-se que as novas regras tenham efeito prático na forma como as plataformas se relacionam com os consumidores e prestam serviços, e a Comissão Europeia aponta alguns resultados previstos do DSA, que se estendem mesmo a uma redução de preços:
- Proibição de práticas desleais, abrindo a possibilidade às empresas utilizadoras de oferecerem aos consumidores mais opções de serviços inovadores
- Melhor interoperabilidade com os serviços alternativos aos serviços dos controladores de acesso
- Possibilidades mais fáceis para os consumidores de mudar de plataforma se assim o desejarem
- Melhores serviços e preços mais baixos para os consumidores
Quais são as multas previstas?
Quem violar as regras agora aprovadas para o DSA vai ser penalizado com multas pesadas, que são graduais e dependem do âmbito, mas que podem chegar a 6% da faturação global das empresas no caso dos serviços digitais, um valor acima do que foi definidos no RGPD.
No caso de violação reiterada das regras os tribunais nacionais podem mesmo chegar a banir as empresas do território europeu.
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