A 11 de outubro assinalou-se o Dia Internacional da Rapariga, que, neste ano, teve como temática principal a tecnologia. Na sua mensagem a propósito da data, a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Género e Empoderamento das Mulheres sublinha que “não podemos deixar as raparigas de fora do processo de transformação digital”, lembrando que o direito das mesmas à educação na área das STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) é algo “não-negociável”.

Ainda em abril, estimativas apresentadas durante o webinar “Dia Internacional das Raparigas nas TIC: Conversas sobre Tecnologia” deram a conhecer que, na Europa, apenas 21,3% dos estudantes do ensino superior em TIC são mulheres e que menos de 1% do emprego total feminino é nestas áreas.

Tal como conta Evgeniya Naumova, Executive Vice President Corporate Business and Deputy Chief Business Development Officer, Commercial na Kaspersky, ao SAPO TEK, “ainda existem muitas mulheres que têm receio de entrar no setor tecnológico pela falta de casos de sucesso partilhados por outras mulheres”, sendo esta uma questão que se manifesta até muito antes de começarem a trabalhar.

Como as referências femininas na tecnologia ajudam a ultrapassar barreiras e a inspirar gerações futuras
Como as referências femininas na tecnologia ajudam a ultrapassar barreiras e a inspirar gerações futuras Evgeniya Naumova, Executive Vice President Corporate Business and Deputy Chief Business Development Officer, Commercial na Kaspersky. créditos: Kaspersky

Foi com este propósito em mente que a Kaspersky lançou ainda neste ano a campanha Women in Tech @ Kaspersky Portugal: “para dar voz a mulheres portuguesas que trabalham no setor de IT e cuja carreira pode inspirar mais mulheres a juntarem-se ao mundo da tecnologia”.

A campanha, que se traduziu em três talks conduzidas pela youtuber Geek’alm a responsáveis femininas de empresas como a Farfetch, a Natixis e a Accenture, foi especialmente concebida para “desmistificar alguns preconceitos associados à profissão no feminino e encorajar mais jovens a ingressarem no mundo das tecnologias, pois sabemos que este ainda é um território onde o sexo masculino tem maior predominância”.

“Ao darmos a conhecer estes casos inspiradores de mulheres muito distintas, com percursos e ambições também elas distintas, acreditamos poder contribuir para um impacto bastante positivo na perceção e autoestima das jovens mulheres interessadas em integrar o setor das IT em Portugal e além-fronteiras”, enfatiza Evgeniya Naumova.

O impacto da pandemia de COVID-19

De acordo com um estudo da Kaspersky lançado no início deste ano, 56% das mulheres inquiridas a trabalhar na área da tecnologia afirmaram que assistiram a uma evolução a nível de igualdade de género na sua empresa, com 70% a adiantarem que foi dada mais prioridade às suas competências e experiência do que ao seu género ao longo do processo de candidatura ao primeiro emprego.

A responsável acredita que, embora estejamos como sociedade a trilhar o caminho certo, “ainda há muito a fazer no que respeita à verdadeira inclusão e diversidade de género no setor”. Citando dados do estudo, Evgeniya Naumova aponta, por exemplo, para o facto de 38% das inquiridas terem afirmado que a falta de profissionais femininas na indústria tecnológica pode fazer com que outras mulheres receiem entrar no setor.

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O próprio contexto da pandemia de COVID-19 também teve um impacto na forma como as mulheres vivenciam a sua relação com o trabalho. O estudo evidencia que, embora algumas tenham apreciado a maior flexibilidade proporcionada pelo teletrabalho, que em certos casos veio reduzir a barreira de entrada para quem pretende pretendem juntar-se a empresas sediadas noutras cidades ou países, “47% das mulheres acabaram por sentir que os efeitos da COVID-19 atrasaram, em vez de melhorarem, a sua progressão na carreira”, detalha a responsável.

Evgeniya Naumova sublinha que é fundamental que as empresas “assegurem que os seus gestores estão alinhados com a estratégia de apoio aos colaboradores”, acrescentando que “se as estruturas de trabalho mais rígidas derem lugar a ambientes mais flexíveis e equilibrados, então isto tornar-se-á a norma mais rapidamente, o que é, também, mais suscetível de desencadear uma mudança na dinâmica social”.

“Nada muda da noite para o dia, mas há sinais de que as mulheres estão a sentir-se mais capacitadas para exigir, com direito, esta forma de trabalho. Nós, como indústria, devemos aproveitar este impulso, extrair os pontos positivos da transição do ano passado para o trabalho flexível e ser um catalisador para uma mudança social mais ampla”, enfatiza a responsável.

“As mulheres podem e devem abrir o caminho a outras mulheres”

A falta de referências femininas continua a ser um dos grandes entraves para a entrada de mais mulheres na área de IT, levando a que muitas sintam receio de entrar no setor.

“Algumas das [mulheres] que ingressam em áreas de tecnologia em escolas ou universidades, podem não chegar a enviar a sua candidatura para uma empresa depois de finalizarem o seu curso, porque têm de fazer esse caminho sozinhas, sem referências ou exemplos, ou porque podem ter medo de não serem aceites ou de não verem as suas competências valorizadas num mundo em que o sexo masculino domina”, afirma Evgeniya Naumova.

“As mulheres podem e devem abrir o caminho a outras mulheres e, sobretudo, às gerações futuras”, enfatiza a responsável.

A desconstrução de estereótipos de género deve começar na escola, de modo a que seja possível cativar as jovens e encorajá-las a seguir os seus interesses na área da tecnologia, cabendo às instituições de ensino mostrar as diversas oportunidades que existem. “É necessário reforçar e consciencializar que a indústria tecnológica tem lugar para as mulheres e este é um caminho que precisa de começar o mais cedo possível”.

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“Há todo um trabalho de desconstrução que deve ser feito desde cedo, mostrando que as profissionais de IT são pessoas com diversas habilidades e competências, e que qualquer pessoa se pode juntar ao mundo da tecnologia”, detalha.

Olhando para o mundo profissional, a responsável defende que “devem ser implementadas mais medidas-chave e iniciativas que apoiem verdadeiramente a carreira das mulheres na área tecnológica, e isso passa, por exemplo, pela oferta de programas ou estágios que proporcionem o acesso a oportunidades e experiência”.

Além disso, Evgeniya Naumova afirma que as empresas e os seus colaboradores masculinos precisam de ser “proativos e empenhados” em apoiar a progressão das mulheres nas suas carreiras. Os gestores devem “proporcionar as condições certas para as suas competências e estar atentos à sua experiência”, não devendo “tolerar quaisquer casos de discriminação de género” e apoiando situações haja “responsabilidades de cuidados, especialmente em contextos remotos”.

Tal como explica, “algumas mulheres adiam a decisão de ter filhos devido ao facto de serem confrontadas com casos de tratamento inapropriado entre outras mulheres nas empresas em que trabalhavam, durante e após a gravidez”. Além disso, “muitas não são consideradas para promoções porque passam períodos mais longos fora do trabalho em licença de maternidade e isso não pode acontecer”, algo que “não deve ser tolerado de forma alguma”.

Passos em vista à igualdade de género nas TIC

A igualdade de género é uma causa defendida pela Kaspersky, que está comprometida a “criar uma indústria mais diversa e segura”, indica Evgeniya Naumova. “Acreditamos que as mulheres devem ter todas as oportunidades possíveis para trabalhar numa profissão relacionada com tecnologia e serviços de que gostam, uma vez que a única coisa que importa num futuro candidato são as suas competências únicas e individuais”.

Para lá da campanha Women in Tech Portugal, a empresa de cibersegurança tem vindo a “desenvolver várias iniciativas de apoio direcionadas a crianças, jovens e mulheres que vão começar uma carreira em IT ou que já estão a trabalhar na área”, estabelecendo também “parcerias com várias ONGs na Europa e países da APAC para fornecer oportunidades de orientação para jovens mulheres”.

Incentivar as jovens a entrar na área da cibersegurança é outro dos seus objetivos, com o programa de estágios SafeBoard, e com a comunidade online Women in CyberSecurity, “que ajuda a impulsionar o crescimento da carreira de mulheres que estão a entrar na indústria e das que já trabalham na área”.

O debate sobre as mulheres na tecnologia é para Evgeniya Naumova é algo que deve ser feito abertamente e “da mesma forma que falamos de mulheres em direito ou mulheres em gestão ou comunicação”. “O mundo profissional evolui a par com a tecnologia, existindo muitas e novas profissões relacionadas com o universo tech, que podem apaixonar tanto homens, como mulheres. A tecnologia não tem género e deve poder ser uma escolha de todos”.