A digitalização das escolas e das aprendizagens tem aberto oportunidades de negócio para empresas em todo o mundo, que nascem para fornecer as soluções tecnológicas que o mercado precisa, ou, que estão a adaptar a oferta para “agarrar” a oportunidade.

A JP Sá Couto é talvez o exemplo nacional mais flagrante de reinvenção do negócio para um mercado que há pouco mais de uma década ainda dava os primeiros passos. O negócio fundado pelos dois irmãos Sá Couto, Jorge e João Paulo, centrou-se durante anos na distribuição de equipamento informático.

Com a chegada do e-Escola e algum tempo depois do e-Escolinha, os primeiros grandes programas nacionais na área da Escola Digital, a JP usou a experiência e a estrutura que já tinha para fabricar os computadores Tsunami (marca própria que ainda mantém, numa empresa à parte) e avançou para a produção do Magalhães. Foi o início de um novo caminho, que hoje assenta numa oferta própria para o mercado da educação, com equipamentos para diferentes faixas etárias.

Desde que começou, a empresa já forneceu 11 milhões de computadores, a escolas um pouco por todo o mundo. Recentemente vendeu a operação de distribuição, que em 2021 tinha faturado 300 milhões de euros e que representava 60% das receitas do grupo, à suíça Also, e centrou-se de vez na educação.

Em muitos destes projetos, o computador é apenas uma das peças do puzzle, no pacote de serviços que foi sendo construindo à volta da oferta educativa. No Quénia, onde a JP apetrechou 13.500 salas de aulas com equipamento informático e software de gestão de sala de aula, também formou 30 mil professores, formou alunos e construiu uma linha de assemblagem local, com serviço de pós-venda e call center.

Muitos dos projetos internacionais desenvolvidos pela JP realizam-se em países onde a escola acaba por ser o primeiro ponto de contacto, para alunos e famílias, com um computador e uma ligação à internet. O impacto chega por isso a ser massivo e inesperado, envolvendo toda a comunidade

“Tivemos casos em que o impacto do projeto foi tão grande que fomos obrigados a replanear toda a implementação”, admite Jorge Sá Couto, presidente do JP Group, e detalha:

“Tínhamos um processo de instalação de tecnologia nas escolas que previa duas instalações por equipa, uma de manhã e outra à tarde. Verificamos que quando uma equipa chegava a uma localidade para instalar os equipamentos, era dia de festa e o grupo era convidado a juntar-se e a participar no convívio o dia inteiro”.

O conceito do Classmate, que serviu de referência ao Magalhães, continuou a evoluir e continua a ser hoje a base de muitos portáteis pensados para alunos do primeiro ciclo, até pelas características de baixo peso, resistência a quedas, choques e água.

A oferta da JP Sá Couto para os alunos mais novos, também continua a assentar nesse conceito. Além disso, a empresa explora mais dois segmentos. Um segmento intermédio, com dispositivos maiores, maior produtividade, design mais atrativo e mais robustos. Para uma faixa etária mais avançada e para professores “focamo-nos na performance e produtividade, com designs modernos e elegantes”, explica também Jorge Sá Couto . Todos os modelos seguem o mesmo princípio de design: têm de ser duráveis, de reparação fácil e sem desperdício e têm pré-instaladas aplicações pedagógicas validadas e segurança.

O mercado internacional tem sido o principal destino destas soluções educativas, que também são usadas no Botswana, Uruguai ou Argentina, mas nos últimos dois quase 50% da faturação da empresa veio de Portugal, graças ao reforço do investimento nacional nestas áreas. A JP forneceu 140 mil computadores para o programa Escola Digital.

Fora de Portugal, o foco está agora em projetos na América Latina e em África. No primeiro trimestre de 2023 arranca um novo projeto na América Latina, que vai visar 120 mil alunos. “Estamos também a trabalhar ativamente na Europa, com destaque para Itália e Alemanha, com parceiros especialistas nesta área”, admite Jorge Sá Couto.

eSchooling: solução portuguesa de gestão integrada da escolas chega a oito países

A internacionalização também é um dos grandes focos de outra empresa portuguesa que montou negócio e fê-lo crescer pela necessidade de digitalizar processos nas escolas, a Codevision, dona da eSchooling, que no ano passado já foi buscar 35% das receitas a mercados internacionais.

A plataforma de gestão escolar da tecnológica de Braga nasceu em 2007 e, como explica Manuela Gomes, operations manager da empresa, foi evoluindo da proximidade às escolas e a quem lá trabalha, até cobrir necessidades nas áreas pedagógica, administrativa, financeira, de acessos, vendas e refeitórios.

Hoje é uma solução que tem portais personalizados para os professores, pais, alunos, diretores e profissionais das escolas e recursos adaptados a cada perfil.

“Acreditamos que esta individualização e integração são elementos facilitadores de um ecossistema educativo sintonizado, no qual todas as partes podem tomar decisões consistentes, fundamentadas com dados e informações concretas”, defende a responsável da Codevision.

O eSchooling está em 1200 instituições de ensino e formação, 400 em Portugal, localizadas sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo e na sua maioria privadas. No universo de oito países onde chega (Portugal, Itália, Roménia, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Brasil e Guiné-Bissau) serve 500 mil utilizadores. Mais de 120 mil são alunos. Em 2020, a empresa minhota comprou a iScholar no Brasil, mercado onde tem vindo a crescer de forma “assinalável”, garante Manuela Gomes.

O Brasil é precisamente um dos mercados estratégicos da Codevision, que divide os 80 colaboradores atuais pelos dois países e que está a concentrar os esforços de internacionalização na América Latina e na Europa. Em termos globais, este ano o plano da tecnológica é duplicar a faturação.

Há dois anos, a empresa começou a desenvolver uma nova aplicação para apoiar professores, alunos, pais e outros interlocutores, como explicadores, treinadores, mentores ou psicólogos, na gestão do seu trabalho individual. Este será “um dos principais eixos de crescimento que consideramos estratégico para novos mercados”, revela Manuela Gomes.

Manuais digitais dão novo impulso à Escola Virtual

A Porto Editora foi pioneira no lançamento de plataformas digitais de apoio ao estudo, com o lançamento da Escola Virtual em 2005, e na criação de conteúdos educativos digitais (em 1997 tinha já lançado a Diciopédia). Hoje 250 mil alunos têm acesso à plataforma desenvolvida pela empresa, praticamente em todas as escolas públicas e privadas do continente e ilhas. O tipo de utilização ainda é muito variável, quer em função do tipo de licença usado (aluno ou professor), quer em função da dimensão institucional do uso da plataforma, mas o software tem vindo a ganhar tração.

Só a parceria com os projetos de Manuais Digitais na Madeira e Açores levam a Escola Virtual para as salas de aulas de 15 mil alunos nas regiões autónomas. O alargamento do piloto de desmaterialização dos manuais no continente, por outro lado, fez triplicar o número de alunos envolvidos para cerca de 12 mil no atual ano letivo, contabiliza Rui Pacheco, diretor do centro multimédia da Porto Editora.

Sem surpresas, a empresa explica que uma das vias de crescimento da Escola Virtual tem por isso sido a “utilização dos manuais digitais, que são cada vez mais um recurso educativo valorizado, por serem o eixo de um ecossistema de funcionalidades e de acesso a outros conteúdos, complementando de forma eficaz o uso dos manuais em papel”.

Rui Pacheco também explica que, em relação aos restantes recursos, a utilização tende a ser mais abrangente e mais profunda à medida que o nível de proficiência de professores e alunos cresce. Um contacto mais prolongado com o software aumenta a procura de funcionalidades que permitem o desenvolvimento de modelos de aprendizagem mais colaborativos e interdisciplinares. “Cada vez mais a plataforma é usada como recurso de avaliação formativa pelos professores e como solução de estudo autónomo pelos alunos”, exemplifica.

Em linha com estas tendências, as áreas onde a empresa tem procurado desenvolver mais a Escola Virtual passam pela expansão e integração de novas funcionalidades nos manuais digitais, nos instrumentos de automação de percursos de aprendizagem, na gamificação e nas ferramentas de avaliação.

Este ano letivo foi também estreada uma nova app para contextos de utilização off-line, novos manuais digitais interativos, com mais atividades/exercícios interativos, novos formatos de quizzes, novos instrumentos de gestão de tarefas e report de resultados.

Os conteúdos digitais da editora também estão a ser explorados já por “milhares de utilizadores fora de Portugal", especialmente sob a marca Português Mais Perto, que dá nome a uma plataforma dedicada ao ensino do português para estrangeiros, lançada em parceria com o Instituto Camões, que também usada como instrumento de aprendizagem de currículos portugueses em países com grandes comunidades imigrantes. Por exemplo, nos Estados Unidos, Canadá, Venezuela, Austrália e Luxemburgo.

“Prevemos um crescimento substancial da utilização fora do território nacional, à medida que os países onde temos presença direta abracem iniciativas de digitalização”, admite Rui Pacheco. Ainda assim, o foco dos desenvolvimentos da Porto Editora nesta área vai continuar a ser o desenvolvimento de conteúdos em torno dos currículos portugueses, tirando partido do know how pedagógico sobre as práticas nas escolas nacionais, garante a empresa.