Em 2020 o Departamento de Justiça (DOJ) dos Estados Unidos processou a Google, naquela que se afirma como a maior ação legal antitrust no país desde o caso contra a Microsoft nos anos 90. O caso começa hoje a ser julgado num tribunal federal em Washington D.C., decorrendo ao longo das próximas 10 semanas, mas o veredito só será conhecido no próximo ano.

Numa primeira fase, o juiz Amit Mehta irá ouvir os depoimentos das partes envolvidas, incluindo de Sundar Pichai, atual CEO da Google e da Alphabet, e de empresas como a DuckDuckGo, que há já vários anos que se tem posicionado contra as práticas da tecnológica, acusando-a de impactar a sua quota de mercado.

O que está em causa? 

No processo submetido em 2020, após uma investigação de 16 meses, o DOJ e os representantes de 11 Estados norte-americanos argumentavam que a Google estaria a utilizar uma rede de negócios ilegais para manter a sua posição privilegiada no mercado de motores de busca.

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O foco da ação legal está no motor de busca da Google para smartphones. A tecnológica é acusada de pagar milhares de milhões de dólares a fornecedores, como Apple, LG, Motorola e Samsung, assim como às grandes operadoras de telecomunicações norte-americanas e empresas responsáveis por browsers, para manter a sua posição dominante no mercado.

Uma vez que as práticas da Google estariam a reduzir o poder de escolha dos consumidores e a “sufocar” a concorrência, o DOJ e os representantes apelavam à Justiça para que “quebrasse” o monopólio da Google.

No entanto, note-se que, recentemente, o escopo do caso foi reduzido, mantendo apenas as principais acusações contra a empresa. No início de agosto, o juíz Amit Mehta rejeitou as queixas que indicavam que a Google teria prejudicado plataformas como a Yelp ou Expedia, avançou a CNBC.

Além disso, foram também rejeitadas as queixas relacionadas com certos acordos feitos pela empresa para o sistema operativo Android, assim como para o Google Assistant e para equipamentos IoT. Entre as queixas rejeitadas inclui-se também uma acerca da forma como a tecnológica estava a gerir o projeto Android Open Source.

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O caso conta com algumas semelhanças ao julgamento da Microsoft há 25 anos. Embora o caso da Microsoft se tenha relacionado com as práticas da empresa no mercado de PCs, com foco em particular no Internet Explorer, ambas as gigantes tecnológicas foram acusadas de abusarem da sua posição dominante e de manterem monopólios, prejudicando a concorrência nos seus respetivos mercados.

É certo que, ao longo dos anos, a Google tem demonstrado as suas capacidades e poder em múltiplas áreas: da pesquisa à publicidade online, passando ainda por sistemas operativos e, mais recentemente, pela inteligência artificial.

Mas, ao contrário da Microsoft no final dos anos 90, a Google é apenas uma das várias gigantes tecnológicas que se têm vindo a afirmar no mundo da tecnologia. Desta esfera fazem parte empresas como a Apple, Amazon, a Meta e até a própria Microsoft, cada uma com influência em diferentes segmentos do mercado e com uma variedade de investigações abertas, tanto nos Estados Unidos como em outras partes do mundo.

O que pode mudar se a Google perder?

Recorde-se que, anteriormente, a Google já tinha defendido que o processo estava “profundamente errado” que não faria nada para ajudar os consumidores, uma vez que estes usam o seu motor de busca “porque querem, não porque são forçados ou porque não conseguem encontrar alternativas”

A empresa defendeu também que a ação legal poderia ter efeitos prejudiciais para os consumidores, pois poderia privilegiar motores de busca alternativos e de menor qualidade do que aquele que disponibiliza ao público.

Se o juiz responsável pelo julgamento do caso decidir que a Google violou, de facto, a lei, serão aplicadas medidas corretivas. Do seu lado, a Google terá defendido que quaisquer medidas que sejam aplicadas podem ter impacto nas práticas de outras empresas, como a Apple ou a Samsung, avança o The New York Times. Já o DOJ quer que a Justiça tome medidas para impedir a empresa de avançar com quaisquer atividades ilegais.

Deste modo, é provável que a Google seja, por exemplo, proibida de firmar contratos exclusivos de distribuição, dando a outros motores de busca a possibilidade de se afirmarem no mercado. Num cenário mais extremo, a empresa pode ser dividida em outras de menores dimensões, de forma a “quebrar” o monopólio.

Para lá da Google, o caso pode ter impacto para outras gigantes tecnológicas anteriormente acusadas de manterem uma posição dominante através de práticas anticoncorrenciais, como realça Luke Hasskamp, advogado especializado em casos antitrust, em declarações à Reuters.

Recordando a ação legal contra a Microsoft em 1998, o juíz responsável pelo julgamento do caso decidiu inicialmente que a empresa teria de ser dividida. Já em 2001, a Microsoft e o DOJ chegaram a um acordo que evitou esse cenário.

O resultado do caso acabou por abrir espaço para o desenvolvimento de outras empresas, incluindo da Google, que, mais tarde, viriam a “destronar” a Microsoft. Será que o julgamento da Google terá um resultado semelhante? Teremos de esperar, pelo menos, até ao próximo ano para saber o veredito.