Por Nuno Lapa (*)

Se as ferramentas digitais têm impulsionado o avanço tecnológico das sociedades nos últimos 35 anos, ao mesmo tempo, têm desempenhado um papel fundamental para a evolução do Ensino e da Aprendizagem nos diversos níveis de educação. Neste Dia Internacional da Educação sugiro uma reflexão sobre os desafios e oportunidades do impacto da Inteligência Artificial (IA) no sistema educativo.

As plataformas de ensino à distância, as aplicações digitais de desenvolvimento de comunicação e relacionadas com organização conceptual, as plataformas de comunicação por videoconferência, entre muitas outras ferramentas, são hoje cada vez mais importantes para a revolução dos processos de ensino. São ferramentas mais rápidas, de acesso (quase!) universal, (quase!) permanentemente disponíveis e que permitem aos docentes e aos estudantes, quando geridas adequadamente, a possibilidade de conciliação efetiva dos seus tempos de trabalho, família, lazer e desporto (as quatro vertentes essenciais para a saúde humana).

É neste sentido que a IA está, cada vez mais, a ocupar um espaço importante no contexto do desenvolvimento tecnológico, no processamento e análise de grandes quantidades de dados, na análise crítica de informação, na saúde, entre muitas outras áreas do conhecimento, incluindo necessariamente a educação. Podemos estar a favor ou contra a IA, mas estas ferramentas já fazem parte do quotidiano e irão adquirir um nível de importância significativo em muitas áreas das sociedades. A IA é já ensinada em muitas áreas do ensino universitário nacional, é usada por docentes e estudantes e vai obrigar a uma alteração significativa de como se ensina, aprende e avalia.

Alguns dos primeiros efeitos que os sistemas digitais provocaram, há mais de 30 anos, foram o de possibilitar uma comunicação mais rápida e efetiva, a resolução de problemas de modo mais eficaz e o acesso a uma grande quantidade de informação que anteriormente não estava acessível. A IA vem, por sua vez, colocar em causa um outro princípio forte em que está assente uma parte significativa do ensino universitário: o sistema de Ensino-Aprendizagem descritivo, em que o professor é o agente ativo e o estudante é o agente passivo. Com todas as ferramentas digitais disponíveis, incluindo a IA, estes papéis terão de se alterar: o agente ativo passará a ser o estudante e o docente passará a ser o orientador, tutor, guia, ou se se preferir numa linguagem mais desportiva, o treinador.

Isto exigirá uma evolução pedagógica na universidade? Claro que sim. Isto exigirá uma reorganização na atribuição de responsabilidades aos docentes e aos estudantes? Claro que sim. O nível de envolvimento dos docentes na progressão dos estudantes terá de ser maior? Claro que sim. Isto exigirá uma reorganização das universidades? Não tenho nenhuma dúvida que assim será. Estamos preparados para o fazer? Talvez algumas escolas estejam mais avançadas e outras mais atrasadas, mas o percurso ainda será longo, porque também será geracional.

Uma questão que é habitual ouvir-se, quando se fala da ideia de que uma aula descritiva, de 60 ou 120 minutos, é pouco efetiva, é a seguinte: “Se eu não lecionar a aula, o que é que faço com os estudantes?” É aqui que, de facto, a mudança tem de começar. Se o paradigma da longa aula descritiva é colocado em causa com as ferramentas digitais e, muito particularmente, com a IA, são necessárias “novas” metodologias para se orientar os estudantes no seu percurso de aprendizagem. Em primeiro lugar, é necessário dotar-se os docentes universitários de ferramentas pedagógicas.

Mas, no que diz respeito aos estudantes, também é necessário prepará-los para novos paradigmas. São frequentes reações menos positivas a uma atividade (ou e-atividade, isto é, uma atividade em ambiente digital) de preparação de uma aula teórica, teórico-prática ou prática (“Temos que trabalhar mais!”). “Novas” metodologias que se afastem da habitual aula descritiva, exigem outro tipo de envolvimento por parte dos estudantes, tendo em vista a aquisição de níveis progressivamente crescentes de autonomia, responsabilidade e maturidade.

Não gostaria de terminar esta reflexão sem alertar para a necessidade de não nos esquecermos dos cidadãos infoexcluídos: podemos ter fantásticas ferramentas digitais para suportar as “novas” metodologias, mas se não estivermos atentos aos cidadãos com menores competências digitais, a sociedade irá criar um novo nível de “pobreza” - a digital - que, mais tarde ou mais cedo, conduzirá a desigualdades sociais e à exclusão social.

(*) professor e investigador do Departamento de Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa I NOVA FCT.