Se para muitas empresas, na indústria têxtil por exemplo, a modernização de processos de trabalho começou há anos, com a automação de processos na fábrica e no backoffice, em muitos sectores considerados “mais modernos”, a grande transformação da última década aconteceu no último ano e meio. A pandemia acelerou mudanças que já se anunciavam e trouxe para cima da mesa a decisão de torná-las permanentes, ou de “segurar o barco” até ser possível voltar ao escritório 8 horas por dia. 

Para quem escolheu não voltar atrás, as lições dos últimos meses ajudaram a definir novos modelos de trabalho, que começam agora a ser postos em prática, já sem prazo de validade, mas ainda com detalhes para afinar. Para quem carrega a herança de um negócio tradicional, que já passou por muitas mudanças, os últimos tempos confirmaram que vale a pena continuar a adaptar-se.    

A PHC voltou ao escritório no dia 6 de setembro, num modelo híbrido que passa por dois dias de trabalho semanal no escritório e os restantes em ambiente remoto. Os dias de trabalho no escritório estão reservados para atividades que contribuam para reforçar a cultura da empresa, como reuniões de equipa, projetos colaborativos e convívio. “São dois dias focados em três pontos: cultura, colaboração e produtividade”, explica o People Experience Director da empresa. 

Luis Antunes recorda que muito antes da pandemia, a PHC já estava a reformular o seu modelo de trabalho e a nova sede em Lisboa é o reflexo dessa visão. Representou um investimento de 12 milhões de euros, num espaço de 8 mil metros quadrados, que acolhe um edifício de cinco pisos com diferentes áreas para trabalhar em conjunto ou em ambiente mais reservado. Tem estúdios de gravação, salas de demonstração, corporate TV e áreas dedicadas ao descanso e ou wellness. A ideia desta nova House of Digital Business é promover a produtividade e o bem-estar dos PHCs e dos parceiros que se relacionam com a empresa e nada disso deixou de fazer sentido com as mudanças aceleradas pela pandemia. Pelo contrário, refere Luís Antunes. 

“O default é as pessoas escolherem de onde querem trabalhar, mas pedimos a todos os líderes que estabeleçam um plano [para idas ao escritório] com os seus reportes diretos e equipas”, Alexandra Libano Monteiro, Vice President  of People da OutSystems.

O novo espaço tem tudo o que a empresa precisa para reforçar a cultura empresarial e a colaboração quando os colaboradores estão no escritório e no caso da PHC isso continuará a acontecer, porque a empresa acredita que o modelo híbrido vai prevalecer. “Acreditamos que aquilo que faz sentido é um modelo híbrido, em que as pessoas estão juntas alguns momentos durante a semana e a trabalhar com foco durante o resto do tempo”, refere o responsável de RH da empresa que este ano liderou o ranking Happiness Works e que explica ter chegado à fórmula final do seu modelo híbrido, em alinhamento com as opiniões recolhidas junto da maioria dos colaboradores (92%).  

Full remote vs hibrido

Neste novo modelo de trabalho da PHC também cabem dois períodos anuais de 30 dias, em que os colaboradores podem escolher trabalhar apenas remotamente. “É um voto de confiança. Foi muito bem acolhido e sentimos que as pessoas não ficam menos produtivas por isso”. É também o mais longe que a PHC pretende chegar em termos de flexibilidade para o trabalho remoto, por considerar que o contacto presencial é uma peça fundamental, pelo menos no modelo de empresa que a software house é hoje.

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Na OutSystems o trabalho remoto não foi uma novidade da pandemia - em alguns funções a empresa já tinha contratos exclusivamente remotos - mas a passagem brusca para um ambiente 100% à distância deu o mote para uma reflexão mais profunda sobre o tema e o tempo para desenhar e implementar um modelo de operação diferente. É um modelo flexível na gestão do tempo dos colaboradores - como tem acontecido desde o início da pandemia, mas que também não quer dispensar o contacto presencial das equipas, num futuro que irá beber ao que a empresa aprendeu com o passado recente. 

Por enquanto a tecnológica está em full remote. Quem quer ir ao escritório já pode, mas poucos ainda o fazem e não há obrigações nesse sentido. No novo modelo, a empresa vai dar liberdade aos colaboradores para escolherem de onde querem trabalhar, sem abdicar completamente das idas ao escritório. Cada equipa vai ter autonomia para traçar o seu próprio plano, respeitando esse requisito. 

“O default é as pessoas escolherem de onde querem trabalhar, mas pedimos a todos os líderes que estabeleçam um plano [para idas ao escritório] com os seus reportes diretos e equipas”, explica Alexandra Monteiro, Vice President  of People da OutSystems. As novas regras entrarão em vigor quando a situação da pandemia estiver mais clara e vão partir de uma base experimental, para ir afinando à medida que for possível monitorizar resultados.      

Monitorizar a produtividade e a felicidade

A passagem para ambientes com uma forte componente remota trouxe a necessidade de desenvolver novas ferramentas e usar mais outras que já existiam, pelo menos nas empresas que aproveitaram o momento para fazer mais do que trocar o espaço físico pelo virtual, levando atrás os mesmos hábitos e processos.  

A PHC explica que o people analytics é há muito tempo algo fundamental na empresa. A software house portuguesa tem um happy score, para avaliar o grau de felicidade de cada funcionário em determinado momento; o PHC Compromisso, que mede o grau de compromisso e engagement de cada colaborador com a empresa; para além de analisar e partilhar ao dia a evolução de cada colaborador e respetiva equipa, perante os seus objetivos anuais, a partir de conjuntos personalizados de KPIs. Para além disto, não prescinde de reuniões one-to-one entre chefias e cada colaborador com uma periodicidade mínima de 15 dias, práticas que ajudam a “situar” cada PHC, independentemente do local a partir do qual trabalha. “Não podemos continuar a avaliar as pessoas por observação. Temos de avaliar pela entrega, pelo resultado e isso só é possível através de boas métricas”, explica Luís Antunes. 

Na OutSystems, os questionários periódicos aos colaboradores e todas as ferramentas que permitem a interação destes com as lideranças, expor questões ou dúvidas, voltaram a provar o seu valor no trabalho à distância, mas Alexandra Monteiro reconhece que a companhia identificou a necessidade de aprofundar trabalho noutros domínios. 

Uma das tarefas que tem ocupado a equipa que prepara a transição para o novo modelo híbrido, tem sido também a clarificação de tarefas e funções de cada colaborador e a capacidade de medir e avaliar sucesso, a cada trimestre. “Como somos uma empresa que cresce muito e com muitos clientes inovadores percebemos que há mais demora na tomada de decisão com a ausência de espaços cara-a-cara”. Esta aprendizagem expôs a necessidade de clarificar “o que é esperado de cada um e porque é que o seu trabalho é importante” e a empresa tem vindo a desenvolver diferentes KPIs à volta disso. 

“Não podemos continuar a avaliar as pessoas por observação. Temos de avaliar pela entrega, pelo resultado e isso só é possível através de boas métricas”, Luís Antunes, People Experience Director da PHC.

Sem dúvidas em relação à importância de manter os momentos cara-a-cara no novo modelo, a multinacional portuguesa de software ágil quer também implementar formas de medir a adesão a esse requisito, para conseguir ir ajustando decisões. 

Uma das ferramentas que Alexandra Líbano Monteiro reconhece que pode ser útil neste sentido é uma aplicação desenvolvida internamente, que permite fazer uma espécie de check-in na entrada das instalações. 

Enquanto isso, a OutSystems prepara também a revisão de contratos de trabalho para uma fórmula mais compatível com a nova realidade híbrida, à luz do contexto jurídico de cada país, uma mudança que a prazo vai afetar os 900 colaboradores em Portugal e os 1690 que a empresa tem em todo o mundo.    

Talkdesk contratou 500 pessoas no último ano em ambiente totalmente remoto

A Talkdesk no último ano contratou 500 pessoas em ambiente completamente remoto e destaca nesta mudança a capacidade que passou a ter de atrair talento com uma dispersão geográfica mais abrangente. “Foi possível, por exemplo, juntar às equipas pessoas de diferentes regiões, que podem agora trabalhar a partir desses mesmos locais: além de Lisboa, Porto, Coimbra e Aveiro, procuramos talento em Braga, Guimarães, Leiria, Viseu, Vila Real, Castelo Branco, Évora, Faro, Açores e Madeira”, refere Filipa Ferreira, Head of Employee Experience – People da empresa. Uma mais-valia do trabalho remoto que a OutSystems também destacou e que a PHC referiu igualmente, com Luís Antunes a contar mesmo que a empresa já tem colaboradores que trocaram a cidade pelo campo, graças ao modelo de trabalho mais flexível.

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No caso da tecnológica portuguesa de soluções cloud para contact centers, o modelo de organização pós-pandemia ainda está a ser pensado. A Talkdesk admite pedir aos colaboradores que voltem ao escritório, mas mostra abertura para continuar a encaixar relações laborais 100% remotas. Filipa Ferreira diz que da reflexão em marcha muito provavelmente sairá um modelo híbrido, mas “dando autonomia aos colaboradores para escolherem como e onde realizam o seu trabalho, respeitando a sua singularidade, procurando promover o seu bem-estar e garantindo o foco nos resultados”. 

“Reinventámo-nos, para que fosse possível manter a proximidade e garantir o suporte a todos os colaboradores nos desafios decorrentes desta transição”, Filipa Ferreira Head of Employee Experience – People da Talkdesk

Nestas reflexões ainda cabem diferentes ideias, como a criação de um “escritório do futuro”, um espaço que para já é só um plano, mas que “assenta no conceito de criação de um espaço físico com uma forte ligação tecnológica e que tem como objetivo ser um ponto de encontro para todos os colaboradores”, acrescenta Filipa Ferreira. 

Por agora, em Portugal por exemplo, a Talkdesk nem sequer tem escritórios físicos e Filipa Ferreira garante que isso não beliscou, nem a produtividade nem a capacidade de unir os colaboradores à volta da cultura da empresa. É certo que a distância obrigou a desenhar e implementar algumas iniciativas extra, entre sessões de formação virtuais com conteúdo dinâmico e informação diluída para evitar a fadiga digital, trabalhar as temáticas da saúde mental, criar employee resource groups ou ter mais momentos de integração cultural. A empresa introduziu também em novos benefícios, como o acesso adicional a dias de descanso, os “dias sem reuniões” e o incentivo à atividade física. “Reinventámo-nos, para que fosse possível manter a proximidade e garantir o suporte a todos os colaboradores nos desafios decorrentes desta transição”, garante Filipa Ferreira.

Riopele: quando a transformação nos processos de trabalho começou com a chegada dos computadores  

Reinventar também é a palavra de ordem na Riopele, um dos maiores grupos portugueses de têxtil, que exporta 95% da produção para 30 países. Aqui o 100% remoto é pouco provável, mesmo num horizonte temporal muito estendido, mas a operação tem mudado drasticamente para se adaptar aos novos tempos - neste caso não tanto para evitar voltar ao passado, mas para não ficar presa a ele. 

Isso reflete-se nas competências que vai buscar ao mercado, num chão de fábrica com muitas funções já automatizadas e monitorizáveis à distância, ou na eficiência dos processos de gestão, que hoje conta em todas as áreas da operação com dashboards de informação em tempo real (KPIs) para apoiar decisões, como exemplifica Cláudia Queirós, responsável de recursos humanos da empresa. 

Nenhuma destas mudanças decorre da pandemia e nenhuma terminará com ela, numa empresa com 94 anos de história, que já se adaptou à chegados computadores, quando precisavam de salas inteiras para se instalar e que foi pioneira na migração para o SAP, começando há décadas a trabalhar na integração de processos de negócio. A somar, nos últimos oito anos a Riopele investiu 35 milhões de euros para se transformar na “fábrica mais moderna da Europa”, um investimento onde também coube um novo polo logístico, que preparou melhor a empresa para flutuações na procura. 

No universo de mais de mil trabalhadores da Riopele, mais de 10% têm formação superior. Há especialistas em business analytics e business intelligence e projetos na calha em áreas como a inteligência artificial, que vão voltar a diversificar a paleta de talento. 

Neste percurso, a transformação no perfil dos recursos humanos é evidente. O trabalho administrativo e técnico, repetitivo e de baixo valor foi entregue ao software, “o controlo da produção na fábrica deixou de ser feito máquina a máquina e passou a ser sobretudo um trabalho de monitorização, que já exige um nível mínimo de competências tecnológicas”, detalha Cláudia Queirós. 

Os grandes volumes de dados digitais que vão resultando da modernização de todos estes processos passaram a ser trabalhados, para apoiar decisões de gestão e isso voltou a influenciar os processos de trabalho e as competências necessárias para os assegurar. 

Contas feitas, no universo de mais de mil trabalhadores que o grupo tem hoje, mais de 10% têm agora formação superior, há especialistas em business analytics e business intelligence e projetos na calha em áreas como a inteligência artificial, que vão voltar a diversificar a paleta de talento da Riopele. 

Em paralelo, Cláudia Queirós explica que tem havido um esforço contínuo de formação, com uma preocupação cada vez maior nas soft skills, “capacitando para a necessidade de aprender constantemente, desenvolvendo competências comportais em alinhamento com os objetivos da empresa”, ou preparando as funções técnicas para desafios que são transversais, como o da cibersegurança (uma das áreas onde a empresa hoje dá formação). 

Pelo caminho, nesta última década, a Riopele conseguiu aumentar a força de trabalho em mais de 20%, num universo onde a média de idades é de 41 anos e reinventou-se também na forma de comunicar com os clientes, levando para o universo digital processos comerciais que durante décadas remeteu para as feiras. A empresa hoje tem uma plataforma online para profissionais, onde consegue mostrar e descrever em detalhe todos os produtos que desenvolve. Esta sim, uma mudança que lhe facilitou a vida em tempos de pandemia. 

Este artigo integra o Especial O futuro do trabalho já chegou e tem várias formas.

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