Os dados de 2021 ainda não são conhecidos, mas os números apurados no Inquérito de Potencial Científico e Tecnológico Nacional para 2020 identificaram um recorde para a investigação realizada em Portugal, com a despesa a crescer 8%. Os 3.236 milhões de euros gastos em I&D em 2020 representaram 1,6% do PIB e confirmaram um crescimento de 43% neste indicador, na comparação com os cinco anos anteriores. Mostram também que as empresas passaram a responder por 57% dos gastos com I&D e que foi aí que estas atividades mais cresceram: 17%, para 1.843 milhões de euros, realizados pelas 4.300 que registaram atividades de I&D em 2020.
Os fundos europeus de apoio à investigação e inovação, de 2014 a 2020 distribuídos entre o Horizonte 2020 e o Portugal 2020, têm tido um papel importante nesta evolução. São em alguns casos o primeiro contacto das empresas com I&D, que mais tarde tem sequência em novos projetos. Têm sido uma ponte de ligação às universidades e centros de investigação, no tão necessário acerto de agulhas entre capacidade de I&D e necessidades concretas de inovação do mercado, de que se fala há muito.
“Nos últimos anos houve uma evolução muito positiva no que se refere à compreensão das empresas sobre a importância da inovação baseada no conhecimento para a sua competitividade, o que tem vindo a justificar um aumento dos investimentos privados em inovação e também em investigação e desenvolvimento”, confirma José Carlos Caldeira, do Conselho de Administração do INESC TEC.
“Complementarmente, as empresas compreenderam também as vantagens da colaboração com as entidades do sistema científico e tecnológico, nomeadamente como forma de aceder a conhecimento já existente, de partilhar riscos e custos e, muito importante, de aceder a recursos humanos altamente qualificados”, acrescenta o responsável.
O Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) integra 730 investigadores. Foi o centro de investigação português com mais fundos captados no Horizonte 2020, mais de 36 milhões de euros distribuídos por 75 projetos, e por lá têm passado vários projetos que foram o ponto de partida para soluções que hoje estão no mercado.
Desde 2014, submeteu 136 pedidos de patentes (29 já foram concedidas), 98% dos quais apoiados por fundos europeus, entre programas nacionais e internacionais. Uma destas patentes - resultado do projeto C4MiR - foi já vendida e, de tecnologias relacionadas com as restantes, resultaram três spin-offs.
Os dados da Agência Nacional de Inovação sobre o Horizonte 2020 mostram que os projetos nacionais conseguiram captar um financiamento de 1.159,2 milhões de euros, 1,65% do total disponível - no 7º Programa-quadro tinham captado cerca de metade. Também mostram que Portugal conseguiu garantir uma taxa de sucesso nas propostas apresentadas de 14%, ligeiramente acima da média da UE, que é de 12,7%. Em termos absolutos, foram aprovados 2.469 projetos (em 17.658 propostas apresentadas) e destes 691 tiveram coordenação portuguesa. Nestes projetos participaram 3.605 entidades.
A maior parte do financiamento que chegou a Portugal, via Horizonte 2020, foi para centros de investigação, cerca de 38%, ou 437,1 milhões de euros. A segunda maior fatia foi para as empresas - (16% PME e 11% grandes empresas). O ensino superior surge logo a seguir, com uma quota de financiamento muito próxima dos 310,9 milhões de euros. Por áreas, as medidas com maior número de participantes nacionais entre os projetos aprovados foram as iniciativas Marie Curie, energia e TIC. Em volume de financiamento, as TIC foram apenas a quinta área onde as entidades portuguesas conseguiram recolher mais incentivo no H2020, 102 milhões de euros.
É importante também referir, que Portugal conseguiu arrematar uma quota elevada dos fundos reservados para melhorar a capacidade dos sistemas científicos nacionais num conjunto mais restrito de países. Os 950 milhões de euros alocados ao Widening estavam à disposição de um conjunto de países tipicamente com menor participação nos programas quadro.
Portugal era um deles e conseguiu garantir por esta via 108 milhões de euros, que servem para ajudar a integrar entidades nacionais em redes de colaboração internacionais de referência, onde podem desenvolver áreas específicas de investigação, que ajudem a atrair e reter recursos humanos altamente qualificados. A maior parte dos projetos com participação portuguesa financiados são da área da saúde, mas também há projetos de engenharia, segurança alimentar, biologia computacional, informática, entre outras.
Uma das iniciativas apoiadas através deste instrumento é, por exemplo, a criação do primeiro centro de investigação do sul da Europa, dedicado ao estudo das bases biológicas e moleculares do envelhecimento. O Mia (Multidisciplinary Institute for Ageing) Portugal junta a Universidade de Coimbra, que lidera o projeto, à Universidade de Newcastle do Reino Unido, o University Medical Center Groningen (Países Baixos) e o Instituto Pedro Nunes – IPN. Traz para o país um financiamento total de mais de 13,5 milhões de euros, num projeto que se estende até 2026.
Os dados compilados pela ANI, sobre os sete anos do Horizonte 2020, mostram ainda que foi no domínio das infraestruturas que os portugueses conseguiram uma taxa de aprovação de projetos mais elevada. Esta foi a única em três dezenas de áreas, onde mais de metade das candidaturas portuguesas foram aprovadas. Em domínios como as TIC ou o espaço, por exemplo, o número de propostas financiadas foi bem menor - 12% e 20% das aprovadas, respetivamente.
Fundos do PT2020 nas medidas de apoio à I&D da ANI chegaram a 1.228 empresas
No âmbito do Portugal 2020, a ANI aprovou 1.481 projetos (em 3.149 candidaturas), com um investimento associado de 1.879,8 milhões de euros, onde coube um incentivo público de 1092,4 milhões. Até final de fevereiro, tinham sido pagos um pouco mais de 410 milhões de euros.
No universo de medidas de incentivo à I&D geridas pela agência, que gere a maior fatia dos instrumentos desenhados para juntar ciência e negócios, participaram 1.228 empresas, muitas das quais em vários projetos. Os dados mostram ainda que, em média, cada projeto aportou um investimento na ordem de 1,3 milhões de euros, cerca de 738 mil euros são incentivo público, e junta uma média de três entidades. Nas medidas geridas pela ANI, a I&D em co-promoção foi responsável por cerca de dois terços dos projetos aprovados.
A fórmula da co-promoção foi uma aposta forte do Portugal 2020 e a avaliação ao impacto dos projetos financiados tem revelado que o modelo é o que cria maior valor acrescentado para as empresas. É também essa a sensibilidade de Soumodip Sarkar, vice-reitor da Universidade de Évora para o Empreendedorismo e Inovação. O responsável também não tem dúvidas que nos últimos anos há maior consciência da importância da investigação e inovação tecnológica por parte das empresas e defende que isso resulta de dois fatores essenciais.
“Por um lado, a cada vez maior competitividade que se sente nos mercados globais, onde a inovação empresarial se assume, mais do que apenas fortalecedora, mas essencial para a sustentabilidade de muitos negócios”. Essa inovação faz-se com o avanço do conhecimento, muito dele transferido da investigação feita nas universidades, o que tem gerado uma maior vontade de colaboração por parte das empresas, que querem aplicar este conhecimento aos seus produtos e serviços.
“Por outro lado, o tipo de financiamento tornou mais propícia a colaboração entre a Indústria e as Instituições de Ensino Superior e os projetos em copromoção são disso exemplo”, acrescenta o responsável da Universidade de Évora, parceira de um dos projetos nacionais emblemáticos do Horizonte 2020.
Nas 16 medidas supervisionadas pela ANI, no âmbito do Portugal 2020, verifica-se ainda que a maior fatia dos incentivos aprovados foi para as empresas, que captaram 57% das verbas, mais de 623 milhões de euros.
Por áreas, os números indicam que 34% dos projetos apresentados cabem no universo das TIC, com mais de mil candidaturas e 421 projetos aprovados. Automação e robótica, por exemplo, estão entre as áreas menos representadas, englobando apenas 4% dos projetos candidatos a fundos, de onde resultaram 61 aprovados.
Virar a página de olho nas oportunidades da agenda europeia
Neste momento, ainda estão no terreno projetos financiados pelas medidas - nacionais e europeias - decorrentes da estratégia da UE para a investigação e inovação, entre 2014 e 2020, enquanto o 9º programa-quadro também já rola, com 95 mil milhões de euros para financiar projetos de I&I até 2027.
As primeiras calls foram lançadas ainda ao longo do ano passado e várias empresas, universidades e centros de investigação portugueses já estão a trabalhar para a meta ambiciosa de duplicar o incentivo captado por Portugal no Horizonte 2020.
A nível nacional, a entrada em cena do Portugal 2030 não acontecerá antes do novo Governo tomar posse e assinar o respetivo acordo de parceria com a Comissão Europeia. As linhas gerais do PT2030, que vai distribuir os 24,2 mil milhões de euros que Portugal receberá em fundos comunitários até 2029, estão definidas e vão traduzir-se em 12 programas. Nos temas Inovação e Transição Digital; Ação climática, Sustentabilidade e Mar vão estar boa parte dos instrumentos de apoio à investigação e inovação nas empresas.
Nos próximos anos mais alguns instrumentos específicos vão desempenhar também um papel importante no financiamento à I&I em empresas. É o caso das Agendas Mobilizadoras e Agendas Verdes da Inovação Empresarial, financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência, que visam juntar empresas e entidades do sistema científico em projetos que contribuam para promover a competitividade e a resiliência da economia com base em I&D, inovação, diversificação e especialização da estrutura produtiva.
Na primeira chamada foram qualificados 64 consórcios que envolvem mais de 1.700 entidades, entre empresas, centros de investigação e instituições de ensino superior, entre Agendas Verdes, Pactos de Inovação e Projetos Mobilizadores. A I&I dá o mote a 33% dos projetos que estão agora a converter manifestações de interesse em propostas, que vão ser avaliadas pelo IAPMEI. O apoio disponível é de 930 milhões de euros. O Espaço é outra área com diferentes fontes de financiamento à I&I. Só no âmbito do Horizonte Europa tem alocados 13,2 mil milhões de euros.
Paralelamente a estas medidas, mantém-se o SIFIDE - Sistema de Incentivos fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial, um benefício fiscal para empresas que desenvolvam atividades de I&D, que permite a dedução à coleta até 82,5% dos custos associados a essas atividades. Já fez chegar às empresas perto de 3 mil milhões de euros em créditos fiscais.
Este artigo faz parte do especial Fundos Europeus de apoio à I&D: o que mudaram nos negócios das empresas portuguesas?
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