A pandemia de COVID-19 ditou o encerramento de todas as escolas em Portugal desde 16 de março, mas professores e alunos continuam naquela que é a sua missão: ensinar e aprender. Neste tempo, o ensino a distância passou a ser uma realidade e na semana passada o Conselho de Ministros aprovou as medidas extraordinárias na área da educação para fazer face à atual situação de pandemia, com um reforço do ensino a distância, que combina o modelo da Teleescola com contactos através da internet, com videoconferência, email ou Whatsapp. O SAPO TEK conversou com duas especialistas para perceber o possível impacto das novas medidas no ensino, tanto para professores como para alunos e famílias.
Com o terceiro período a começar já esta terça-feira, dia 14 de abril, as atividades letivas e formativas presenciais mantêm-se suspensas nas escolas, e o ensino básico vai continuar até ao final do ano letivo neste registo, com aulas através da televisão (cabo, satélite ou TDT), num modelo de Teleescola, tal como o 10º ano. Já o 11º e 12º ano vão poder retomar as aulas presenciais em maio, se estiverem reunidas as condições de saúde pública, garantindo-se o distanciamento social.
Em entrevista ao SAPO TEK, Neuza Pedro, do e-Learning Lab, da Universidade de Lisboa (ULisboa), considera que o modelo de Teleescola foi apresentado como “um meio para combater desigualdades e chegar aos alunos”. No entanto, destaca três problemas que podem surgir com esta estratégia, que garante ser uma “falsa solução” e “somente uma medida paliativa”.
Os meios, o esforço e o tempo que se mobilizam agora para implementar uma teleescola, seriam mais eficientes se mobilizados para dar condições às crianças para usufruirem do ensino online, afirma Neuza Pedro
De acordo com a também professora do Instituto de Educação da ULisboa, este modelo “não irá garantir o apoio e a relação que são fundamentais no processo pedagógico”. Por outro lado, Neuza Pedro destaca ainda o facto da estratégia não conseguir assegurar o acesso efetivo a todos as crianças, ao não garantir os “requisitos de acessibilidade necessários para chegar mesmo a todas e a cada uma das crianças”. Este é o caso das crianças com deficiências, como exemplifica a docente. Por fim, a professora afirma que a Teleescola “não minimiza a desigualdade em que colocamos as crianças que hoje em dia não têm acesso a um computador e a serviços de conectividade”.
Já Luisa Aires, do departamento de educação e ensino a distância da Universidade Aberta, considera que esta “é uma via possível e, conjugada com outras, pode e deve ser interpretada como uma excelente oportunidade para a democratização do acesso ao digital”. Mas apenas se se tratar de uma "iniciativa generalizada para a a educação digital".
Como pode o ensino a distância manter as crianças até ao 9º ano motivadas e atentas?
Para Neuza Pedro, o ensino online “pode ser em si mesmo um fator de garantia de maior motivação para as crianças”, devido à dimensão de interatividade e dos conteúdos multimédia. Segundo a especialista a utilização de conteúdos em vídeo, a exploração de simulações, de experiências virtuais ou até mesmo o acesso a laboratórios remotos através da internet podem ajudar nesse sentido.
Em muito destes casos, “o utilizador é chamado a atuar, a aplicar conhecimentos, a explorar alternativas não lineares de aprendizagem”. Por isso, não se trata apenas de “uma atitude passiva no processo de aprendizagem”, e Neuza Pedro garante que “não há razão para que o trabalho a distância seja desmotivador”.
Tendo como base a experiência com adultos, Luisa Aires considera que o ensino a distância pode ser uma boa opção, “desde que existam competência pedagógicas” e equipamentos tecnológicos de mediação. Mas, neste caso concreto, a especialista esclarece que as crianças não vão aprender pela televisão ou exclusivamente pela internet. “Elas vão aprender com a televisão e com a internet, mas vão aprender sobretudo com os pais, colegas e professores”.
Para a especialista da Universidade Aberta não há “soluções mágicas em educação” e, por isso, de formato único. No entanto, se os professores forem capazes de desafiarem as crianças a resolverem problemas, com os pais na “retaguarda”, e se os mais novos se sentirem “parte ativa” do processo, os mais novos vão sentir-se motivados e darão o seu melhor.
Desigualdades para as crianças numa nova realidade de ensino
Em meados de março, um estudo de Arlindo Ferreira, especialista em Estatísticas da Educação, dava conta que 20% dos estudantes inquiridos não têm meios para aceder às aulas à distância e fazer trabalhos que impliquem a necessidade de um computador. Quando confrontadas com esta questão, as especialistas contactadas pelo SAPO TEK consideram que esta realidade pode reforçar as desigualdades no que diz respeito à aprendizagem dos alunos.
Para Neuza Pedro, a nova realidade de ensino pode promover e intensificar as desigualdades. "Quem tem acesso a melhores equipamentos e a melhores serviços de conectividade estará, à partida, mais bem apetrechado para o ensino que se está a praticar", afirma.
Luisa Aires considera que este é um dos problemas mais sensíveis desta questão, mas não se trata de um problema recente. No entanto, a especialista mostra-se otimista e considera que estes períodos excecionais apelam também à solidariedade dos portugueses e de toda a sociedade civil. Por isso, a especialista destaca, por exemplo, o papel das operadoras, que podem baixar o custo do acesso à Internet para as famílias carenciadas.
Uma “nova” privacidade que tem de ser assegurada
Com o ensino a distância surgem preocupações relacionadas com a privacidade das crianças, numa altura em que a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) já avisou que o ensino a distância traz riscos de privacidade para alunos e professores. Por isso, a CNPD publicou na semana passada um documento onde identifica oito riscos e faz 12 recomendações relativas ao ensino a distância, avisando para cuidados com a privacidade, a segurança e a possibilidade de videovigilância.
Para Neuza Pedro, de acordo com o Regulamento Geral da Proteção de Dados, e pelo facto de se tratarem de menores, “há cuidados que deveríamos estar a ter no uso de tecnologias com os nossos alunos que efetivamente poderão não estar a ter lugar”.
Mais do que analisar as plataformas, importa compreender as competências digitais de alunos e professores
Ambas as especialistas consideram que a literacia digital das crianças de hoje em dia não é propriamente a melhor e que, para participarem em atividades escolares de forma produtiva, precisam certamente de um apoio.
“Mais importante do que olharmos para as plataformas, será olharmos para as competências pedagógicas e competências digitais dos professores e alunos”, afirma Luisa Aires
Assumindo que a generalização é sempre um risco, Luisa Aires agrupa os docentes em três clusters muito diferentes. Existe, por exemplo, um “grupo representativo” de professores com excelentes competências pedagógicas no domínio do ensino presencial, mas isso não garante o mesmo desempenho no ensino online”. Por outro lado, a especialista destaca os professores com bons níveis de desempenho de ensino a distância e presencial, sendo capazes de pensar sobre os processos de ensino mediados pelos recursos digitais. Por fim, o terceiro grupo tem maiores competências de ensino online e a distância. Neste contexto, a especialista considera ser importante pensar em diferentes soluções e apoios também eles distintos para cada tipo de professores.
Apesar das dificuldades sentidas em plena pandemia de COVID-19, as especialistas mostram-se positivas em relação ao futuro do ensino em Portugal. Depois desta fase, e para Neuza Pedro, a questão seguinte “será garantir que o sistema educativo se moverá para assegurar a capitalização e a sustentabilidade do que agora se conseguiu”.
“As escolas têm que garantir que estão tecnologicamente apetrechadas e cientificamente bem suportadas”, afirma. Já Luisa Aires destaca a importância de um "pacto" social, para que as escolas não voltem ao nível em que se encontravam antes. Assim a avaliação será positiva, defende.
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