A nova regulação para os serviços digitais (DSA - Digital Services Act ou Lei dos Serviços Digitais) foi proposta pela Comissão Europeia como um elemento de dinamização do Mercado Único Digital, com o objetivo de criar um espaço digital mais seguro, onde os direitos dos utilizadores sejam protegidos, definindo regras para combater os produtos, serviços e conteúdos ilegais em linha, aumentar a transparência e a responsabilização das plataformas pelos algoritmos que utilizam e regular a moderação de conteúdos.
Christel Schaldemose, relatora no PE para a legislação, defende que com a Lei dos Serviços Digitais a Europa "pode criar uma regra de ouro" para o mercado digital, à semelhança do que aconteceu com o RGPD, e dar o exemplo na Europa e no mundo. Depois do debate de ontem em Estrasburgo, a posição do Parlamento foi hoje aprovada pela larga maioria de eurodeputados, que deram luz verde para a negociação da regulação com o Conselho Europeu e a Comissão Europeia de forma a chegar a uma redação final.
O texto foi aprovado em plenário com 530 votos a favor, 78 contra e 80 abstenções, mas contém uma série de alterações em relação à proposta inicial da Comissão Europeia, em especial de reforço de obrigações e de responsabilização dos prestadores de serviços intermédios, especialmente de plataformas como as redes sociais e as lojas e mercados online.
As multas por violação das novas regras podem chegar a 6% do volume de negócios das plataformas e serviços online, em caso de incumprimento, e aplicam-se a todos os players com operações na Europa. O valor faz com que a Lei dos Serviços Digitais possa tornar-se mais "dura" em termos de multas do que o RGPD, que só no último ano terá custado mais de 1,1 mil milhões de euros em coimas. A sanção que foi imposta no Luxemburgo à Amazon, de 746 milhões de euros, é a recordista de uma longa lista de multas.
Conteúdos e produtos ilegais removidos e clareza de algoritmos
A legislação pretende harmonizar as regras entre o mundo físico e o digital, com definições claras para a remoção de elementos ilegais no espaço digital (o que abrange produtos, serviços ou conteúdos), mas também novas obrigações para as grande plataformas de forma a evitar abusos.
A Comissão Europeia vai ter poderes de supervisão e sanção, com multas que podem ir até 6% do volume de negócios anual ou mesmo exclusão temporária do mercado interno em caso de infrações graves e contínuas. O Parlamento Europeu definiu ainda o reforço de competências e de financiamento para os reguladores nacionais poderem acompanhar o cumprimento das regras e sugere que os cidadãos possam recorrer diretamente aos Tribunais em caso de queixas.
O objetivo é também abrir a "caixa negra" dos algoritmos, impondo medidas de transparência nas plataformas para perceber melhor a publicidade direcionada. O debate é intenso sobre quem vai poder ter acesso a esta informação, mas estará garantida a salvaguarda dos dados pessoais.
As regras vão aplicar-se a todos os players do mercado digital, e devem ser impostas de maneira uniforme em toda a União Europeia.
Nas propostas aprovadas hoje no Parlamento Europeu verifica-se uma preocupação em isentar as micro e pequenas empresas de algumas obrigações previstas na proposta de regulamento, mas também em evitar o que se designa como "padrões obscuros", com técnicas para enganar os consumidores influenciando o seu comportamento.
Em particular na publicidade direcionada, o texto do Parlamento Europeu quer que seja garantida uma escolha mais transparente e informada para os destinatários de serviços, incluindo informações sobre como os seus dados serão monetizados. "As plataformas devem garantir que a recusa de consentimento por parte do destinatário não seja mais difícil ou morosa do que dar consentimento. Caso estes recusem ou tenham retirado o consentimento, devem ser-lhes dadas outras opções para aceder à plataforma, incluindo “opções baseadas em publicidade sem rastreamento”", refere-se.
Impõe-se também a proibição de técnicas de direcionamento ou amplificação que tratem e divulguem dados pessoais de menores para efeitos de exibição de publicidade. O mesmo se aplica a grupos considerados vulneráveis.
Esta é a lista de alterações aprovada em plenário.
Um passo histórico e um trabalho de mais de um ano
O trabalho com o Parlamento Europeu começou há pouco mais de um ano e a Comissão Europeia reconhece que foram feitos "progressos notáveis" com o Parlamento e o Conselho, mantendo como meta a possibilidade de aprovar a proposta ainda durante a Presidência Francesa, que se estende até final de junho de 2022.
Ainda ontem o comissário Thierry Breton defendeu que com esta legislação "estamos a dar um passo histórico para o fim do domínio do 'Wild West' do espaço da informação", lembrando que os acontecimentos no Congresso dos Estados Unidos, que ocorreram em 2021, "foram o culminar de anos de discurso de ódio não controlado, incitamento à violência, desinformação ou estratégias de destabilização das quais estas plataformas - tem de ser admitido - lucraram largamente".
"Tornou-se claro para todos que a ausência de regras e controle democrático sobre as decisões de uma mão cheia de grandes plataformas, que se tornaram espaços públicos, já não é tolerável", defendeu o comissário.
Com a aprovação da DSA no Parlamento Europeu a regulação segue agora para negociação no trílogo, começando pelo Conselho Europeu, o que já aconteceu esta semana com a DMA, o Digital Markets Act (a Lei dos Mercados Digitais), que tinha recebido luz verde dos eurodeputados em dezembro.
Uma lei que pode ser obstáculo à inovação?
Nos últimos meses várias organizações têm mostrado a sua preocupação em relação ao pacote regulatório que inclui a Lei dos Mercados Digitais e a Lei dos Serviços Digitais, sublinhando que uma regulação excessiva pode acabar por virar-se contra as Pequenas e Médias Empresas e as Startups, e ser um obstáculo à inovação na Europa, em vez de fomentar a competitividade no mercado digital.
Em Portugal a ACEPI e a Portugal Tech League divulgaram as suas posições em relação às propostas, alertando para os riscos.
“Se antes, a Diretiva sobre o Comércio Eletrónico era suficiente, agora, com a transição para uma internet mais interativa e com o aparecimento de novos serviços e tecnologias, a Lei dos Serviços Digitais é a oportunidade de trazer a diretiva para o século XXI", refere a iniciativa.
"Com esta evolução surgem novos riscos, por isso o desafio é enfrentá-los sem impedir a inovação, com a criação de uma proposta regulamentar que não seja demasiado prescritiva, complexa e onerosa”, defendem os fundadores da iniciativa Portugal Tech League, numa declaração conjunta.
A Associação da Economia Digital - ACEPI, em conjunto com a Ecommerce Europe, a Eurocommerce e a Independent Retail, já tinha dado conta que, embora considere que uma maior transparência na publicidade online, a proibição por completo da publicidade direcionada conduziria a consequências negativas tanto para as empresas como para os consumidores, “pelo que não se justifica nem é desejável”.
A limitação da publicidade direcionada está também na mira da Connected Commerce Council (3C) que defende que esta é uma das inovações mais importantes para as PME nos últimos cinte anos e que permite que encontrem clientes de nicho para os seus produtos.
Sublinham ainda que a proibição por completo de publicidade direcionada teria consequências negativas de grande alcance para a competitividade das PME, e, por conseguinte, o efeito oposto ao argumentado em alguns casos. Este sistema de identificação de clientes pelos seus interesses e localização é até apontada "um ‘balão de oxigénio’ durante a pandemia para as PME em toda a Europa".
Joana Beldade, fundadora da Digital Women Academy, concorda com esta visão e lembra que "por um custo muito baixo, os anúncios direcionados permitem que as pequenas empresas escolham quem vê os anúncios com base nos seus gostos, atividades ou localização. Nenhuma outra forma de publicidade tem o mesmo impacto e retorno sobre o investimento”.
Nota da Redação: A notícia foi atualizada com mais informação. Última atualização 16h55
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