Antigamente apresentado como uma espécie de “benefício extra” pelas empresas que o possibilitavam, num modelo de nicho mais comum nas startups e tecnológicas, o trabalho remoto está em vias de se transformar no “novo normal”. Nos últimos dois anos foi imposto pelas contingências da COVID-19, até nos setores menos prováveis, mas hoje, livre de obrigatoriedades e aconselhamentos face à pandemia, surge como parte imprescindível do modelo misto que está a ser colocado no terreno. Para o presente, mas também para o futuro.
Depois de um período de adaptação, parece não existir empresa de tecnologia que não aposte em modelos de trabalho híbridos que preveem a conjugação do tempo passado no escritório com o tempo passado à distância, normalmente em casa. Dizem ter ouvido os seus colaboradores, na sua maioria defensores do teletrabalho, e prometem oferecer possibilidades de escolha mais convenientes, sempre que as funções o permitam.
As propostas materializadas podem por exemplo passar por deixar ao critério de cada um ir ao escritório ou trabalhar remotamente com total liberdade, quando assim o pretender, como é o caso da BI4ALL – onde as equipas estão no escritório dois dias por semana, em média - ou pela possibilidade de optar por um esquema flexível e híbrido de teletrabalho entre 40% a 60% do tempo, “sempre que se cumpram as condições necessárias e de acordo com a organização do trabalho e das equipas”, como acontece na GMV.
O objetivo é beneficiar das vantagens oferecidas pela conjugação das duas formas de trabalhar, entre a maior flexibilidade para gerir horários e a responsabilidade para melhorar desempenhos, com vista à maior produtividade e cumprimento de objetivos, mas também de satisfação pessoal.
Quem está de regresso e como
O regresso aos escritórios está a decorrer de forma gradual, em escalas de trabalho rotativas e com equipas em espelho num modelo híbrido de trabalho presencial-remoto, “que se vai manter sempre que as funções o permitam”. Esta é a realidade da Altice Portugal, mas tambem de muitas outras tecnológicas contactadas pelo SAPO TEK.
Na Bee Engineering a maioria dos colaboradores (cerca de 90%) está ainda em trabalho remoto. As primeiras equipas a abandonar o remoto a 100% foram as que têm cariz comercial e/ou de gestão. “Concluímos que nestas áreas em especial, a partilha vivida no escritório através de um open space, por exemplo, incrementa o fluxo de informação que circula e o sucesso das atividades de cada um”, explica José Leal e Silva, Diretor Executivo.
A intenção da empresa é adotar um modelo flexível – internamente denominado de SmartWorking – e que consiste na possibilidade de parte do trabalho poder ser feito remotamente, consoante a área de cada colaborador.
“Dentro das equipas técnicas, temos vários casos de 100% remoto, com sucesso total no desempenho das funções pelo que será um cenário a manter”, diz José Leal e Silva. “No entanto, esta situação é naturalmente condicionada às leis nacionais e restrições de localização geográfica que algumas das empresas com quem trabalhamos têm de respeitar, muito por causa da manutenção dos seus dados em território nacional ou europeu”.
A realidade na Reditus passa pelos três modelos de trabalho possíveis, consoante os projetos e áreas: teletrabalho, formato presencial e um modelo misto. Atualmente cerca de 55% de um total de 1.300 colaboradores estão em regime de teletrabalho.
“Nesta fase pós-pandemia, estamos a preparar o regresso de forma faseada”, refere fonte oficial da Reditus. O objetivo é “aumentar o regime de trabalho presencial e misto, com a consciência que o que ficará também para o futuro será a capacidade colaborativa de desempenhar as funções presencial ou remotamente”. No entanto, “tal como já acontecia no passado, vamos continuar a apostar no teletrabalho”, garante.
A SAP tem as suas equipas a trabalhar em regime híbrido, sendo o teletrabalho o regime recomendado. No escritório é permitida a capacidade máxima de 50% da ocupação total, sendo que os colaboradores devem previamente registar-se na app interna (criada para o efeito) para reservarem o seu lugar nos dias em que pretendem trabalhar no escritório.
A Ericsson, tal como a restantes empresas contactadas pelo SAPO TEK, foi ouvindo os seus colaboradores ao longo da pandemia e, "de forma consistente e clara", os resultados dos questionários indicaram que a preferência de modelo de trabalho num futuro pós-pandemia, era de um modelo flexível. “Não foi uma surpresa, pois a adaptação ao teletrabalho no início da pandemia foi plena e sentida como de maior produtividade e balanço entre a vida privada e profissional”, afirma Rute Diniz, People Manager da Ericsson Portugal.
Com o decorrer da pandemia, no entanto, os níveis de stress e cansaço naturalmente aumentaram e a necessidade de contacto presencial entre colegas, “fosse para uma discussão sobre um assunto especifico, fosse para uma pausa social”, tornou-se premente.
“Balanceando as necessidades de trabalho individual, colaborativo e a energização e reforço do sentido de pertença que as nossas pessoas referiram, estamos convictos que o regime híbrido é o mais adequado”, Rute Diniz, Ericsson Portugal
Uma das principais preocupações ouvidas pela GMV durante a fase de pandemia, por parte dos colaboradores, era o isolamento e o distanciamento provocado por uma permanência prolongada em 100% do tempo passado em remoto. A empresa optou por isso um modelo totalmente flexível, maioritariamente hibrido, “pensado para ser uma solução mais a médio e longo prazo”.
O objetivo é beneficiar das vantagens de ambas as metodologias de trabalho, adaptadas ao tipo de tarefas e as atividades das equipas, e potenciando os canais de comunicação e criando condições ótimas para um desempenho favorável, explica Marta Vilar, da GMV.
“Desenhámos um modelo híbrido e flexível que potencia o relacionamento e a cooperação entre equipas, assente nos princípios da confiança e da responsabilidade, e reforçando o papel dos lideres na coordenação e orientação das suas equipas”, Marta Vilar, GMV
O modelo começou a funcionar no dia 1 de março e permite que todos os colaboradores possam optar por um esquema flexível e híbrido de teletrabalho entre 40% a 60% do tempo, “sempre que se cumpram as condições necessárias e de acordo com a organização do trabalho e das equipas”.
A nível global, a Salesforce construiu uma estratégia de reabertura, redesenhando a forma para “continuar a trabalhar”. O feedback de todos os colaboradores indicou que 80% da equipa quer manter uma ligação a um escritório físico, e que 40% quer manter as idas presenciais, pelo menos uma ou duas vezes por mês. “A palavra-chave para o futuro é flexibilidade”, defende Fernando Braz, Country Leader da Salesforce em Portugal.
Uma realidade que enfrentou desafios
A primeira fase da pandemia, marcada pela reação à emergência, foi a mais desafiante para a Microsoft. “Atuámos de forma a respondermos rapidamente às necessidades dos colaboradores, parceiros e clientes, assegurando a continuidade dos negócios”, destaca fonte oficial da gigante tecnológica em Portugal.
Houve também a necessidade de criar formas para continuar a fazer prosperar a cultura empresarial “e garantir que todos os colaboradores se sentiam incluídos independentemente do local a partir do qual estavam a trabalhar”.
“Mais do que nunca, os colaboradores querem causar impacto com o seu trabalho e procuram propósito, flexibilidade, crescimento, desenvolvimento e uma cultura à qual sintam que pertencem”, Microsoft Portugal
A Microsoft acredita que estas são tendências que vão crescer ainda mais no mercado e que a tecnologia tem e terá um papel preponderante na gestão e melhoria da experiência dos colaboradores e organizações.
O tema da cultura para a Claranet é, igualmente, um dos temas mais relevantes, com a empresa a considerar que a distância, a falta de socialização e de contacto presencial entre as equipas foi um dos fatores mais difíceis de ultrapassar nos últimos dois anos. “O que tínhamos e vivíamos numa era pré-pandemia teve de ser adaptado para manter a motivação, o espírito de equipa e o compromisso com a organização por parte dos nossos colaboradores”, refere Catarina Graça, Human Resources Director, da Claranet.
Este é um caminho que a empresa ainda está a percorrer, através da criação de novas rotinas, de mais comunicação, formação, momentos de convívio, momentos 1:1, entre outros, exemplifica, “para que a relação que existe entre pessoas e empresa não se perca”.
Ao longo dos dois anos de pandemia o mais difícil na Axians foi “sem dúvida” a ausência de proximidade física, aponta Fernando Rodrigues, Managing Director na Axians Portugal. Para o responsável a presença regular no escritório é essencial para o desenvolvimento da cultura da organização, para a criatividade e para a dinâmica inovadora nas diversas atividades e setores em que a empresa opera.
“É o contacto humano que nos permite descobrir novas formas de trabalhar e de nos relacionarmos no contexto laboral. Em atividades essencialmente de Serviços, como a nossa, o aspeto relacional é crítico no desenvolvimento de negócio”, Fernando Rodrigues, Managing Director na Axians Portugal
Já a SAP aponta a interação entre os colaboradores, consequente socialização e networking fora das próprias equipas, bem como a integração dos novos colaboradores neste espírito como os maiores desafios enfrentados. Acrescenta ainda a sobrecarga tecnológica de entrada de comunicações - videochamadas, emails, SMS, telefonemas, chats, etc -, “que dificulta enormemente a gestão diária do trabalho”.
A Salesforce tem uma realidade particular, uma vez que a operação direta em Portugal já arrancou no panorama do remoto. “O regresso ao presencial será mais um começo do que propriamente um regresso”, aponta por isso Fernando Braz, Country Leader da Salesforce em Portugal.
Ao longo de todo este processo houve um trabalho árduo e concreto da Salesforce a nível internacional em conseguir que toda a equipa se mantivesse unida a viver a cultura da empresa, refere o responsável.
“O maior desafio concretamente na equipa portuguesa foi o de criar uma base totalmente nova. Entramos no mercado já em pandemia, pelo que tudo, desde o recrutamento ao espírito de equipa, foi criado de raiz remotamente”, Fernando Braz, Country Leader da Salesforce em Portugal
Além de partilhar algumas das preocupações indicadas por outras tecnológicas, a PHC Software teve em conta uma outra questão que considera muito importante: a gestão da ansiedade provocada pela instabilidade da pandemia. “Dois anos é muito tempo e fizemos um grande esforço para acompanhar as pessoas neste período conturbado”.
Venceram as (muitas) vantagens
A Axians considera como ponto positivo principal retirado a capacidade de adaptação. "Estamos hoje a tirar maior partido das ferramentas tecnológicas ao nosso dispor, libertando muito tempo para que as pessoas possam investir em outros aspetos da sua vida, nomeadamente atividades de lazer e de apoio à família".
Mesmo na forma como o trabalho em modo colaborativo é desenvolvido, foi necessário suportar nas diversas plataformas tecnológicas disponíveis novos ritmos de trabalho, maior capacidade de organização e gestão da agenda, sendo fundamental aprender a fazer essa gestão de forma eficiente, destaca Fernando Rodrigues. O ritmo e a frequência de comunicação por parte das lideranças foram também reforçados, aproximando mais as pessoas, mesmo que através de um “filtro digital”, considera o Managing Director na Axians Portugal.
Como pontos positivos, a SAP salienta a flexibilização do horário e do local de trabalho, assim como uma melhor integração e harmonia do equilíbrio pessoal-profissional, para além de uma maior produtividade.
“Este modelo veio para ficar, uma vez que o colaborador tem a liberdade de o adaptar à sua realidade e necessidade pessoal, dentro das regras definidas”, Patrícia Cristóvão, SAP Portugal
A reinvenção do modelo de trabalho para garantir a comunicação, a proximidade, a transparência e o reforço do espírito da empresa foi um grande desafio, admite Inês Xavier, CFO da BI4ALL, no entanto superado por pontos positivos relacionados com a globalização do mercado de trabalho, os elevados índices de capacidade de entrega das nossas equipas e, simultaneamente, o aumento da sua qualidade de vida.
A PHC Software considera que todos os desenvolvimentos decorrentes da pandemia vieram para ficar. “Os últimos dois anos aceleraram uma tendência crescente no modelo de trabalho. A flexibilidade é agora algo de que nenhum colaborador abdica – isto é um ponto muito positivo”, diz Luís Antunes, People Experience Director.
“Até aqui o trabalho remoto era um modelo de trabalho de nicho, muito comum nas startups e nas empresas do setor tecnológico, ‘agora é o novo normal’”, Luís Antunes, PHC Software
Vemos as empresas a adaptarem-se a modelos de trabalho híbridos, que preveem a conjugação do tempo de colaboração passado na empresa com o tempo de foco passado em casa, “no entanto, o contacto presencial e humano tem benefícios que não conseguem ser substituídos numa relação meramente à distância”. É na conjugação destas duas realidades - presencial e remota - que encontramos o futuro do trabalho, defende o responsável.
Isto traz também inúmeros benefícios para as empresas, que conseguem agora competir no mercado global de talento. “Podemos contratar o melhor talento, esteja ele onde estiver. E ele pode trabalhar a partir de qualquer parte do mundo”, sublinha o People Experience Director da PHC Software.
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