Na sexta-feira, 10 de fevereiro, Bruxelas deu luz verde à criação de uma empresa que junta quatro dos maiores operadores de telecomunicações da região. Juntos vão desenvolver e explorar uma plataforma tecnológica para segmentar a publicidade que chega aos clientes das suas redes móveis. A nova empresa é detida pela Deutsche Telekom, Orange, Telefónica e Vodafone, numa colaboração pouco habitual no sector, que aqui se dá para ganhar escala e tentar marcar posição no rentável mercado da publicidade, numa altura de grandes mudanças.

Em Portugal, há uma parceria com algumas semelhanças no terreno há quase três anos. A escala também foi a motivação, mas aqui a nível nacional, juntando MEO, NOS e Vodafone, mais a Accenture, que gere a plataforma tecnológica. O objetivo foi idêntico: criar uma plataforma que permita aos anunciantes entregar publicidade segmentada. O suporte é outro. A parceria criada pelos operadores portugueses está orientada para a publicidade televisiva, neste momento restrita aos conteúdos não lineares - aqueles que os utilizadores podem gravar, ou recuperar da semana anterior, através das set-top-boxes dos serviços de TV paga.

Em 2022, o Playce pôs no ar cerca de 1.000 campanhas, de 300 marcas, num total de mais de 87 milhões de anúncios e cresceu 67%, face ao ano anterior. As perspectivas para 2023 são igualmente animadoras, quer pelo volume de anunciantes que já trabalham com a plataforma, cerca de 150, quer pelo número de canais, 117.

José Pedro Teixeira, head of Playce, admite que esta colaboração, inédita entre os operadores em Portugal, era a única forma de tornar interessante um negócio que dificilmente teria interesse para algum dos interlocutores separadamente - ou para as marcas -, por uma questão de escala.

Acontece o mesmo com a joint-venture que acaba de ser formada pelas congéneres europeias (a Vodafone está em ambas mas em representação de mercados distintos), embora nesse caso o foco seja o mercado móvel e o timing da decisão tenha uma explicação. Os operadores europeus querem aproveitar o momento de transição dos cookies de terceiros como modelo para direcionar e segmentar publicidade, para sistemas menos intrusivos, para fazerem vingar o seu próprio modelo.

José Pedro Teixeira reconhece que o momento “traz um estímulo internacional para novos modelos”, mas antecipa dificuldades para as telco, em assumirem um papel verdadeiramente relevante, num ecossistema onde “existirá sempre um terceiro elemento na equação” e onde a interface de exibição do conteúdo, por norma, não é um ativo do operador. Ao contrário do que acontece na televisão, para onde os operadores portugueses querem continuar a direcionar esforços.

Como funciona o Playce?

A plataforma Playce recebe e analisa dados enviados pelos três operadores, a partir “dos padrões de utilização do cliente na set-top-box e do perfil de consumo de telecomunicações daqueles clientes, todos usados de forma anonimizada”, para criar segmentos que as marcas podem depois usar para direcionar os seus anúncios. Estes anúncios de 30 segundos são exibidos no inicio do conteúdo selecionado pelo utilizador, nos canais aderentes.

O sistema já permite trabalhar 10 mil hipóteses de segmentação, válidas para colocar anúncios nas plataformas de televisão dos três operadores. Entre elas, utilizadores com gastos telco acima da média, apaixonados por filmes, desporto ou animais, tipo de habitação ou zona geográfica. A condicionar a criação destes segmentos estão alguns fatores, como a existência de um volume suficiente de utilizadores, para garantir a anonimização dos dados (nas opções de segmentação geográfica, por exemplo), ou a autorização prévia do utilizador, na configuração da set-top-box, para receber publicidade personalizada. Quem não concorda com a personalização da publicidade vê anúncios genéricos, que também já são colocados pela plataforma.

Os operadores não revelam o investimento já realizado no Playce, mas José Pedro Teixeira garante que é elevado e que o sistema é complexo, embora também reconheça que o projeto já se tornou rentável. No curto prazo, o objetivo é evoluir para uma plataforma “mais automatizada e digital, o que do ponto de vista operacional é um desafio porque estamos no mundo da televisão”, reconhece.

Na relação com os anunciantes, pretende-se que a plataforma ganhe mais atributos de self-service. Na relação com o consumidor, mais opções de interatividade, mesmo que não seja de antecipar para breve nada idêntico àquilo que existe numa experiência online, dadas as limitações das set-top-boxes.

A médio-longo prazo, a televisão linear é também uma ambição do Playce, que terá mais alguns desafios técnicos importantes a vencer, mas que assumidamente é um caminho visto com interesse. “É mais ou menos inevitável para o ecossistema que a prazo seja possível personalizar, no limite, tudo o que aparece em televisão”, defende José Pedro Teixeira.

Como tal, uma plataforma como o Playce acabará por fazer sentido também na emissão linear dos canais. Noutros países europeus existem plataformas idênticas que começaram aliás pela televisão linear. Por cá, admite-se a possibilidade de começar a testar a opção em breve, é mais difícil antecipar um horizonte temporal para a generalização do modelo de segmentação.