Por Vanessa Patrocínio (*)

De uma forma pouco surpreendente, e muito alinhada com a decisão da sua congénere espanhola, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) decidiu, em 25 de março, suspender durante 90 dias o tratamento de dados realizado pela Worldcoin no contexto do World ID (que se destina a funcionar como um passaporte digital comprovativo da condição de ser humano, baseado num código alfanumérico único que corresponde aos dados biométricos recolhidos – íris, olhos e contorno do rosto), por considerar existir informação insuficiente sobre o tratamento, recolha não autorizada de dados de menores e impossibilidade de exercício de alguns dos direitos de proteção de dados, podendo pôr irreversivelmente em causa os direitos das pessoas especialmente vulneráveis, em particular menores e pessoas em situação económica difícil.

Pese embora a autoridade portuguesa, nessa decisão, tenha feito alusão, aqui e ali, à entrega de moeda virtual como forma de pagamento pela recolha de dados, a mesma não se debruça – quiçá, pela natureza preliminar e cautelar da decisão –, sobre a questão da liberdade do consentimento quando está em causa um valor monetário. Seria interessante que o fizesse na decisão final, até porque a ligação entre consentimento e pagamento está na ordem do dia no contexto da AdTech (modelo de consentimento “pay-or-okay” ou “consent-or-pay”), ainda que com contornos diferentes, mas que redundam na mesma questão: quando existe um valor monetário em jogo, pode-se falar de liberdade do consentimento?

A questão não será, sem dúvida, de resposta fácil: se, por um lado, tem sido aceite pelas autoridades de controlo e pelo Comité Europeu de Proteção de Dados que é possível existir algum incentivo ao consentimento (por exemplo, através da entrega de vales de desconto), por outro, a fronteira entre o que é um incentivo aceite e o que é um incitamento não permitido é ténue, subjetiva e de difícil concretização. Naturalmente esta questão torna-se muito mais premente quando estejam em causa pessoas em situação de debilidade económica, por ser nestas situações que, maioritariamente, o valor monetário poderá consubstanciar uma verdadeira condicionante à liberdade de escolha que deve estar subjacente a um consentimento válido à luz do RGPD.

Não obstante, qualquer que seja o critério adotado, o mesmo terá de poder aplicar-se a qualquer titular dos dados independentemente da sua situação económica e terá de permitir o equilíbrio entre a proteção da privacidade e o direito e liberdade individual de disposição dos próprios dados pessoais, o que se afigura um exercício complexo e que, no limite, poderá não só levar a que a autoridade de controlo extravase as suas competências ao limitar os direitos e liberdades para além do permitido por lei, mas também poderá transformar a autoridade de controlo num regulador de preços de consentimento, com consequências menos positivas, quer para os titulares dos dados, quer para a própria liberdade de iniciativa económica privada.

Aguarda-se, assim, com expectativa, que a CNPD aproveite o processo da Worldcoin para dar um passo em frente na discussão desta questão, contribuindo para uma maior clareza na definição de um tema que, por ora, suscita mais dúvidas do que certezas.

(*) Senior Associate IPT da DLA Piper em Portugal