Embora ainda não tenha completado um ano de missão, o telescópio espacial Euclid já começou a espreitar por entre aquilo que podemos chamar de “lado negro do universo” e tem coisas para contar e mostrar.
Mais especificamente, quer “fazer luz” sobre a matéria escura e a energia escura, dois dos ingredientes ainda desconhecidos que compõem a maior parte do Universo. Outro dos objetivos passa por ajudar os cientistas a compreenderem o que está a acelerar a expansão do Universo.
Lançado a 1 de julho de 2023, o Euclid está posicionado a cerca de 1,6 milhões de quilómetros da Terra, orbitando o chamado “Segundo Ponto de Lagrange” (L2) no sistema Terra-Sol. O seu objetivo principal é analisar as inúmeras galáxias que residem a cerca de 10 biliões de anos-luz de distância, construindo o mais extenso e detalhado mapa 3D da distribuição da matéria escura no Universo.
Começou efetivamente a “trabalhar” no mapeamento em fevereiro deste ano, mas antes teve de receber uns ajustes de última hora, num processo que contou com o contributo de investigadores portugueses que participam na missão.
Veja o vídeo breve sobre a missão espacial Euclid e o plano de rastreios do céu planeado com o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.
E depois de em novembro do ano passado ter divulgado as primeiras imagens registadas pelo Euclid, a ESA tem agora para anunciar cinco novas imagens de grande dimensão e as primeiras descobertas científicas.
“As imagens são espetaculares, e provavelmente não haverá nada como estas imagens, na luz visível, durante as próximas décadas”, comenta Jarle Brinchmann, do IA e da Universidade do Porto, membro fundador do Grupo de Coordenação do Consórcio Euclid.
Os dez primeiros artigos científicos da missão espacial apontam para a descoberta de planetas vagabundos em berçários de estrelas, novos enxames de estrelas fora da nossa galáxia e novas galáxias anãs ténues, assim como esteiras de estrelas arrancadas à sua galáxia-mãe, ou a primeira tentativa para detetar a perda de estrelas por enxames globulares na interação com a Via Láctea.
Segundo o avançado pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, estas e outras descobertas baseiam-se nas imagens divulgadas agora e nas que foram publicadas em novembro do ano passado.
Clique para ver ou rever os primeiros registos do Euclid
As novas imagens mostram dois enxames de galáxias, que permitem estudar a estrutura da matéria escura subjacente, um grupo de galáxias que evidencia a interação entre elas através de pontes de estrelas, uma galáxia espiral com ativa formação de estrelas e uma nebulosa da nossa Via Láctea onde o Euclid detetou 300.000 novos objetos, entre estrelas e planetas.
Clique para ver as novas imagens e conhecer alguns pormenores
De notar que as fotos tiradas até agora consumiram menos de 24 horas de operação com o telescópio - menos de um milésimo do tempo total em que este irá observar o céu durante os próximos seis anos - e já resultaram num catálogo de mais de 15 milhões de objetos astronómicos.
Um telescópio que também é português
As imagens registadas são o produto das primeiras observações com o telescópio e para as quais foi essencial o trabalho de uma equipa liderada pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.
A triagem dos alvos das imagens e os momentos no calendário do telescópio em que aqueles poderiam ser observados foram decididos pela equipa liderada por Ismael Tereno. Esta equipa é a responsável pelo plano de rastreios com a duração de seis anos e para o qual este telescópio foi primariamente desenhado – plano que irá revelar as componentes invisíveis do Universo.
Numa missão cujo principal objetivo é construir o mais detalhado mapa do Universo, o seu potencial para produzir ciência noutras áreas, como a formação de estrelas e evolução de galáxias, deve-se ao contributo substancial de Jarle Brinchmann enquanto cocoordenador do Legado Científico do Euclid.
No grupo de cientistas do Instituto de Astrofísica está também Ana Paulino-Afonso, investigadora na área da formação e evolução das galáxias e na aplicação de técnicas de inteligência artificial neste campo.
Como país membro do Consórcio Euclid, Portugal tem também um número significativo de coautores num dos artigos de referência da missão que será publicado pelo consórcio esta semana, sublinha o Instituto de Astrofísica.
A inteligência artificial ao serviço do Euclid
A inteligência artificial já está a “trabalhar para” a missão Euclid, embora estes primeiros dados tenham o propósito muito claro de dar uma primeira visão da profundidade e diversidade científica que a missão proporcionará e o seu foco não tenha estado propriamente na IA.
Já foram usadas técnicas de inteligência artificial, por exemplo, para remover raios cósmicos das imagens obtidas com a banda VIS, e os resultados obtidos são extremamente relevantes para o desenvolvimento de modelos de inteligência, referiu Ana Paulino-Afonso em declarações ao SAPO TEK.
“O catálogo de galáxias anãs que resulta destes primeiros resultados será extremamente útil para testar e melhorar as nossas técnicas de aprendizagem automática”, indicou como um exemplo concreto.
“Dados os cerca de 15.000 graus quadrados (deg2) de área que o Euclid vai observar seria humanamente impossível fazer análises e ciência sem a ajuda da inteligência artificial”, sublinha Ana Paulino-Afonso.
É por isso que já há bastante tempo, ou mesmo desde início, que têm vindo a ser desenvolvidas técnicas para a análise da grande quantidade de dados que vai ser obtida com o Euclid. Segundo a investigadora, existem vários modelos para perceber melhor a formação e evolução das galáxias que permitem, por exemplo, estimar as suas propriedades físicas ou agrupá-las em diferentes subpopulações.
“Com esta quantidade de dados e informação podemos ter uma visão mais ampla e mais completa (relativamente ao agora e nesta maneira de "ver" o cosmos) de como é que as galáxias evoluem e de como nos permitem perceber melhor o Universo”, acrescentou.
O próximo momento de divulgação de dados do Euclid está planeado para março de 2025, com uma publicação mais abrangente agendada para junho de 2026.
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