O confinamento gerado pela pandemia global de COVID-19 obrigou as empresas e trabalhadores a adaptarem-se ao teletrabalho e aos estudantes a terem aulas em casa. O mercado dos computadores foi favorecido com um aumento significativo da procura de novas máquinas, que segundo a IDC cresceu dois dígitos em três trimestres consecutivos na região EMEA (Europa, Médio Oriente e África). Só no último trimestre de 2020 o mercado cresceu 16,6% no segmento de computadores (incluindo desktops, notebooks e workstations), somando um total de vendas de 24,1 milhões de unidades.
Portugal segue a mesma tendência de crescimento, mas de uma forma ainda mais evidenciada. No quarto trimestre de 2020 foram vendidas 277 mil unidades de desktops, notebooks e workstations, significando um aumento de 86,7% em relação ao mesmo período homólogo de 2019. E superando por larga margem os números preliminares da IDC, que previa “apenas” um crescimento de 34%.
E qual foi a razão? Francisco Jerónimo, vice-presidente de Devices da IDC EMEA explicou ao SAPO TEK que os números se devem às compras efetuadas pelo sector público para as escolas. Recorde-se que o Estado começou por adquirir 100 mil computadores para as escolas, entregues durante o primeiro período, com a promessa de mais 335 mil unidades previstas chegarem até ao final de março para os alunos mais carenciados.
E já este ano foi aprovada a despesa de mais 4,5 milhões de euros para adquirir mais 15 mil computadores durante um conselho de ministros no início de fevereiro. As compras inserem-se no âmbito do programa Escola Digital, com recurso a fundos comunitários, num reforço aos 400 milhões previstos no Orçamento de Estado.
A falta de equipamentos informáticos para o estudo em casa, sobretudo com as escolas fechadas, tinha sido identificada e para além da Escola Digital são várias as iniciativas que se mobilizaram para garantir aos alunos os computadores para assistirem às aulas. A Fundação EDP vai doar 3.000 computadores a escolas e alunos carenciados e a Student Keep já recondicionou mais de 2 mil equipamentos para o mesmo fim.
E a tendência de crescimento do número de computadores vendidos não vai abrandar. “Aquilo a que assistimos neste momento é a continuação de uma forte procura, que estimamos manter-se na primeira metade do ano, pelo que este tipo de crescimento será repetido durante o primeiro e segundo trimestre do ano”, salienta Francisco Jeronimo.
O analista da EDC destaca que as compras do sector público, para além de terem impulsionado bastante o mercado dos computadores, também tiveram um impacto no ranking das marcas que vendem em Portugal. Nesse sentido, “a JP Sá Couto e a Inforlândia aparecem pela primeira vez no Top 5 de fabricantes com as marcas próprias”.
O top 5 de vendas em Portugal é liderado pela HP, que vendeu 71.800 unidades durante o quarto trimestre de 2020, dispondo de 25,9% da quota nacional. Segue-se a Inforlândia com 45.800 unidades, conquistando 16,5% da quota. E o pódio é fechado pela outra marca nacional, a JP Sá Couto, que vendeu 40 mil unidades para uma fatia de 14,4% do bolo. A Lenovo, que é atualmente líder de vendas na região EMEA, aparece em quarto lugar no mercado português com 38.600 unidades para uma quota de 14%. Por fim, a fechar o Top 5, a Acer vendeu 18.000 máquinas, para uma quota de 6,5%.
Contas feitas, no total do ano, segundo dados da IDC, o mercado cresceu 36% face a 2019, com um total de vendas a situar-se nos 829 mil computadores vendidos. Francisco Jeronimo refere que o aumento sucessivo das vendas de computadores nos últimos três trimestres reflete-se numa taxa de crescimento mais alta desde 2008.
Escassez de equipamentos "afunila" vendas no último trimestre
Francisco Jeronimo esclarece que muitas das compras dos computadores acabaram por “afunilar” neste último trimestre devido à agravante da pandemia. As compras foram sendo adiadas na expetativa da pandemia diminuir, mas agora sente-se que esteja para durar, mesmo depois da vacinação.
“Outra razão indireta para o aumento da venda de computadores é que muitas das encomendas feitas durante o ano não tinham sido satisfeitas, pela falta de componentes, criando um backlog de máquinas que vão continuar a ser entregues nos próximos meses. O nível de inventário das empresas é praticamente nulo”, esclareceu o especialista ao SAPO TEK.
“Tudo o que entra é vendido, por parte de todas as fabricantes incluindo a Apple. Não se vendeu mais porque não havia para entrega. As fabricantes que tinham uma quantidade limitada de componentes focaram-se nos seus produtos mais premium, pois são os que dão mais rentabilidade”, acrescentou Francisco Jerónimo.
A IDC vai inclusivamente corrigir o seu forecast global inicial para 2021, “pois acreditávamos que a pandemia não iria durar para sempre, e como havia uma grande procura e vendas em 2020, não se justificaria continuar em 2021 com o mesmo ritmo. No entanto, é ao contrário, o crescimento vai-se manter nos dois dígitos perto dos 20%, o que é uma coisa quase inacreditável depois de um ano em que o mercado mundial cresceu imenso”. Isso verifica-se porque, apesar de já haver vacinas, a pandemia e a obrigação das pessoas continuarem a trabalhar de casa, mesmo que para o verão a maioria das pessoas estejam vacinadas, no inverno vai haver mais casos e variantes da COVID-19.
Empresas mudam funcionamento para modelos híbridos
A escola online vai continuar a ser uma realidade mais frequente do que neste momento e as empresas vão manter os seus trabalhadores em casa mais tempo do que estava inicialmente previsto, provavelmente mais um ano, segundo as previsões de Francisco Jerónimo. “Só quando houver imunidade mundial em cerca de 70/80%, algo que vai levar anos, podemos pensar em voltar à normalidade”. Nesse sentido, as empresas começam agora a planear o seu futuro para dar aos seus trabalhadores formas de trabalhar remotamente ou de forma híbrida. “Muitos trabalhadores tinham desktops e até os levaram para casa durante a pandemia, mas o modelo e a forma de trabalhar vai mudar, por isso há uma necessidade de comprar mais computadores".
Francisco Jerónimo afirma que conhece casos de call centers em que havia um computador usado por três trabalhadores, em três turnos, e neste momento é um computador para cada uma destas pessoas. “Mas o que os Call Centers estão a perceber é que é mais barato e mais eficiente dar um computador a cada pessoa e essa ficar a trabalhar da sua casa, do que ter um escritório cheio de pessoas, mesmo que poupem no número de computadores. O espaço físico é mais caro do que os computadores”.
No segmento do consumo, o que era normal era as pessoas terem o seu computador em casa para eventualmente ver uns emails. Mas como a maioria das pessoas tinha o computador no seu local de trabalho, a grande utilização era na máquina profissional na empresa. Por isso, agora os computadores têm um desgaste muito maior, e “em média as pessoas trocavam de máquina a cada cinco, seis ou sete anos, neste momento vão trocar a cada dois ou três anos, pelo seu uso diário”. Antes o computador do trabalho “desenrascava” as pessoas, agora é de uso permanente.
Tudo isso vai acelerar o crescimento global, e aumentá-lo, pois deixa de existir o conceito de um computador para cada família, para ser uma máquina por cada membro do agregado. A IDC prevê assim que este ano o mercado vai continuar a crescer porque há muitas pessoas que ainda não conseguiram comprar um computador. “Mas no próximo ano vamos ver uma renovação cada vez mais recorrente, coisa que não acontecia antes”. Os primeiros seis meses são essencialmente para suprir os backlogs dos pedidos. Já para a segunda metade do ano ainda não existe grandes previsões estruturadas.
Para o ano, apesar da previsão das vendas serem de desaceleração óbvia no crescimento, os números vão manter-se superiores ao período antes da pandemia devido às mudanças de paradigma. Isso acresce-se a outra aspecto referido por Francisco Jerónimo: “Muitas pessoas que compraram computadores este ano, adquiriram a primeira coisa que lhes apareceu à frente devido às limitações da oferta, e pela urgência de dar aos seus filhos. Muitas dessas máquinas não têm capacidades que satisfaçam as suas necessidades, seja de processamento ou memória, levando a uma renovação muito em breve desses computadores”.
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