A fábrica da Stellantis em Mangualde adiou a reabertura depois das férias de agosto, para setembro, depois de já ter recorrido a alguns lay-offs e usado os bancos de horas dos trabalhadores para reduzir a atividade. A Autoeuropa já teve de interromper por quatro vezes este ano a produção dos modelos Volkswagen que são feitos em Palmela.
A fábrica da Renault em Cacia, ainda não parou e nem prevê paragens, mas o diretor-geral do grupo para Portugal e Espanha, José Vicente de Los Mozos, reconheceu em dia de visita do Presidente da República à unidade de Aveiro, que a indústria só está a conseguir produzir 15 a 20% dos semicondutores necessários para responder à procura.
Por toda a Europa, os exemplos disso mesmo também se sucedem. Na Alemanha, a Opel decidiu encerrar uma das principais fábricas até 2022 e deslocar parte da produção para França e o grupo Stellantis, ao qual a marca pertence, já reconheceu que este ano, por causa da falta de chips, vai produzir menos 1,4 milhões de veículos. Marcas como a Mercedes já admitiram que os clientes podem ter de esperar mais de um ano por um novo carro.
Quantos chips tem um carro?
Mas afinal porque se tornaram os chips tão vitais num automóvel? A resposta é óbvia, mais eletrónica, mais chips. A proporção desta evolução é que pode ser menos conhecida. Em entrevista à CNBC Gunnar Herrmann, presidente da Ford na Europa, que espera efeitos desta crise até 2024, deu este exemplo. Um Ford Focus integrava cerca de 300 chips. Um dos novos modelos elétricos da marca pode ter 3.000.
Nos carros, os chips processam a informação que chega às unidades de controlo eletrónico dos veículos, que hoje controlam as funções mais diversas num automóvel. Estejam elas relacionadas com o motor e a direção assistida; com o conforto, como os vidros elétricos, os bancos ou o sistema de ar condicionado; ou com a segurança, como o sistema de fecho das portas, com ou sem chave.
Segundo dados da CLEPA - a Associação Europeia dos Fornecedores da Indústria Automóvel, partilhados pela associada portuguesa AFIA, um carro pode ter uma centena de unidades de controlo eletrónico e cada uma delas pode integrar entre 20 a 40 microcontroladores. A escassez destes circuitos integrados programáveis para diferentes funções tem sido uma das grandes dores de cabeça da indústria automóvel. A eletrificação das frotas, os sistemas conectados e autónomos vão aumentar ainda mais a necessidades dos chips usados para esta e outras funções num carro, como ilustra também este gráfico da KPMG.
Se estes números explicam o aumento da procura de semicondutores pela indústria automóvel, outros ajudam a compreender porque há tão poucas empresas com capacidade para produzir chips, para as muitas indústrias que também os usam e porque é a especialização algo tão importante neste domínio.
Quanto custa desenhar e produzir chips?
Num estudo de 2020, a McKinsey fez as contas ao preço do design e fabrico de um chip, tendo como referência a arquitetura de cinco nanómetros. Concluiu que o processo de design, da validação à qualificação do IP, custa 540 milhões de dólares, três vezes mais do que seria necessário para seguir os mesmos passos e conceber um chip de 10 nanómetros.
A pesquisa faz ainda as contas aos custos de montar uma fábrica de produção de semicondutores com linhas de produção de cinco nanómetros e estima esse custo em cerca de 5,4 mil milhões de dólares, quase quatro vezes mais que o custo associado a montar uma fábrica com linhas para 10 nanómetros, essencialmente por causa da perícia exigida por estruturas tão pequenas. O processo de litografia torna o fabrico mais dispendioso, onde uma unidade do equipamento necessário para produzir abaixo dos sete nanómetros pode custar 150 milhões de dólares, segundo apurou o Boston Consulting Group, num estudo para a Associação da Indústria de Semicondutores.
E este é o tipo de custo que tende a aumentar à medida que a tecnologia progride e que os processos de fabrico são refinados para reduzir, cada vez mais, a dimensão dos transístores a colocar numa única placa. A TSMC, um dos grandes gigantes mundiais de semicondutores, anunciou este ano o início da produção a três nanómetros e também revelou que já iniciou a fase de investigação e desenvolvimento para uma próxima geração da tecnologia, de olhos postos nos dois nanómetros. Para já a empresa prepara o design das plataformas de testes, vai a seguir fabricar fotomáscaras e fazer um piloto de silício.
A jornada já está coberta pelo investimento de 100 mil milhões anunciado pela gigante de Taiwan, para reforçar a capacidade de produção de semicondutores nos próximos três anos. Note-se, que a TSMC também é um dos fornecedores da indústria automóvel, mas apenas 3% das receitas da empresa são asseguradas pelos fabricantes de carros, referia um estudo da IHS Markit no início do ano. A empresa de Taiwan, já garantiu, no entanto, que em 2021 aumentou em 60% a sua capacidade de responder às necessidades da indústria automóvel.
Especialização e outsourcing concentraram produção
A miniaturização dos semicondutores é que tem permitido trazer um enorme poder de computação e funcionalidades avançadas para dispositivos cada vez mais pequenos e mais potentes. O novo processador M1 da Apple, fabricado pela TSMC por exemplo, usa arquitetura de 5 nanómetros. Pelo caminho o mercado precisou de se especializar cada vez mais e gerar eficiência, criando clusters que concentram competências diversas para todo o processo, em diferentes regiões do mundo, na Alemanha por exemplo. Muitas empresas optaram pela especialização, ou por colocarem em outsourcing a produção propriamente dita.
No estudo já citado da McKinsey, mostra-se que nenhuma região do globo consegue dominar todas as fases da extensa e demorada cadeia de produção dos semicondutores, ou que a rentabilidade das dispendiosas fábricas de chips está dependente de uma taxa de utilização da capacidade instalada acima dos 90%.
Nas muitas fases de produção dos semicondutores estão envolvidas diferentes especialidades e, como contabiliza o Boston Consulting Group, mais de 50 tipos de equipamentos que ajudam a produzir e a testar os semicondutores. Neste gráfico é possível perceber a distribuição de algumas das empresas de referência a nível mundial, nesta cadeia de valor.
Amkor Technologies emprega 700 pessoas em Portugal
Um dos nomes que aqui aparece tem presença em Portugal, a Amkor Technologies, que comprou a Nanium (ex-Qimonda) e que tem fábrica em Vila do Conde. A empresa opera na área de back-end do processo de fabrico dos semicondutores, sendo um dos maiores fornecedores mundiais de serviços de packaging e teste de semicondutores. Não quis comentar o impacto na operação local dos solavancos na cadeia de abastecimento dos semicondutores, adiantou apenas que neste momento dá emprego em Portugal a 700 pessoas.
Nesta cadeia, a indústria automóvel é servida por cerca de 90 fornecedores, mas nas áreas onde são necessários chips com processos de fabrico mais avançados (abaixo dos 10 nanómetros), as opções reduzem-se e a dependência de gigantes como a TSMC aumenta. É o caso dos chips para inteligência artificial, ou processamento muito exigente de gráficos (GPU) onde TSMC, Samsung e Intel são donas do mercado, destaca o estudo da IHS Markit. Mas não só, no domínio dos microcontroladores, usados numa gama muito mais abrangente de veículos, o mesmo estudo indica que 70% da produção está concentrada no gigante de Taiwan
Quanto tempo é preciso para fabricar um chip?
O terceiro desafio a considerar para calcular quando voltarão a procura e a oferta a ajustar-se é o tempo necessário para produzir semicondutores. Na fábrica ultra-moderna que a Bosch está a montar em Dresden, por exemplo, a empresa explica que só a produção dos wafers, os finos discos que são a base dos semicondutores, demora seis semanas e inclui cerca de 250 etapas de individuais de fabrico. Os wafers aqui produzidos têm 300 milímetros e podem acomodar até 31.000 chips individuais. Mais à frente vão transformar-se em semicondutores de potência para uso em aplicações como conversores DC-DC em veículos elétricos e híbridos.
Nas seis semanas necessárias para produzir os wafers, estes passam por cerca de 250 etapas individuais de fabrico que, neste caso, estão completamente automatizadas. Durante o processo, estruturas minúsculas com dimensões que medem frações de um micrômetro são depositadas nos wafers.
“Esses protótipos de microchip podem então ser instalados e testados em componentes eletrónicos pela primeira vez”, explicava a fabricante, que em março deste ano deu início às primeiras séries de produção de circuitos integrados de alta complexidade.
Para transformar os wafers em chips semicondutores acabados é preciso cumprir 700 etapas de processamento, que levam mais de dez semanas para serem concluídas.
Este artigo integra o Especial CRISE DOS CHIPS: ONDE NOS AFETA, COMO SE RESOLVE E QUE PAPEL ASSUME A EUROPA?
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