Portugal está a pôr em marcha uma Estratégia para o Espaço, que na próxima década quer fazer do país um ator relevante no contexto europeu da indústria espacial. Os objetivos foram traçados com passos importantes já dados. Com uma indústria pronta para ganhar lugar nas grandes cadeias internacionais de fornecimento e uma mão cheia de projetos prestes a avançar.
Esta semana, dia 23, a Agência Espacial Portuguesa apresenta a Agenda Mobilizadora para o Espaço, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência. Como explica Ricardo Conde, presidente da Portugal Space, a partir daí “serão implementados os desafios programáticos para o Espaço nos próximos anos, convocando todo o sector espacial a dar o seu contributo na recuperação e crescimento da economia portuguesa” e dando os passos necessários “para criar em Portugal uma agenda Industrial e de inovação para este sector”.
A agência promete também para breve (ver entrevista) novidades em relação ao lançamento da futura Constelação de Satélites para o Atlântico (Atlantic Constellation) e em relação ao futuro Porto Espacial de Santa Maria, que vai permitir lançar microssatélites e que será um dos dois locais previstos para a aterragem do Space Rider.
O Space Rider é um veículo reutilizável, com um laboratório avançado a bordo, que a ESA quer colocar no ar no primeiro trimestre de 2023. Quando lançou os contratos de construção, em dezembro, a agência assumia que Koru, na Guiana francesa e Santa Maria, nos Açores vão ser ambos locais de aterragem e os preparativos começariam em breve.
O entusiasmo com o atual momento do sector estende-se à indústria, que tem conseguido intensificar o número de projetos, abrir novas portas e ganhar tração, num mercado onde a falta de escala é penalizadora. A chegada da Portugal Space é por isso entendida por todos os atores deste mercado como um marco nos esforços para colocar Portugal no mapa espacial europeu, um caminho que começou a ser construído há duas décadas.
Paulo Chaves, do cluster português para as Indústrias da Aeronáutica, Espaço e Defesa (à data da conversa vice-presidente do Conselho de Administração e representante da Comissão Setorial do Espaço) resume os 20 anos de história da indústria espacial em Portugal em quatro grandes momentos. O primeiro, marcado pelo investimento estrangeiro de empresas que vieram para Portugal. O segundo, fomentado por um conjunto de startups, que entretanto nasceram, e os dois seguintes impulsionados pela chegada ao sector de vários incumbentes - grandes empresas de outros sectores que se viraram para a área espacial - e de uma nova vaga de startups, criadas por empreendedores locais, mas também por empreendedores de outras nacionalidades, que escolheram Portugal para desenvolverem os seus projetos.
Existem já em Portugal “players que trabalham na cadeia de fornecimento toda, desde o desenvolvimento de tecnologia para os portos espaciais, lançadores, satélites, comunicações e tratamento de dados dos satélites, passando pelos serviços de observação da terra”, Paulo Chaves, cluster português para as Indústrias da Aeronáutica, Espaço e Defesa.
“Portugal viveu muito, até há quatro ou cinco anos, sob o guarda-chuva da Agência Espacial Europeia e dos seus projetos”, ou das iniciativas suportados pelo Portugal 2020, muito focados nas “componentes de upstream e no desenvolvimento de tecnologias para lançadores, para portos espaciais ou para motores”, nota o responsável. Nestas áreas, as empresas portuguesas operavam sobretudo como fornecedores de outras companhias, que normalmente estavam fora de Portugal.
Leia toda a análise no Especial sobre A indústria espacial em Portugal
Nos últimos anos, conta Paulo Chaves, apareceu a ambição de ter um OEM (Original Equipment Manufacturing) no país e neste momento há várias empresas a querer assumir este papel. Isto num momento em que existem já em Portugal “players que trabalham na cadeia de fornecimento toda, desde o desenvolvimento de tecnologia para os portos espaciais, lançadores, satélites, comunicações e tratamento de dados dos satélites, passando pelos serviços de observação da terra”, reforça Paulo Chaves.
Explosão do recurso a informação de satélites é uma oportunidade para as empresas nacionais
As empresas que gravitam em torno desta área estão a beneficiar do crescimento rápido de um novo segmento, dentro do mercado espacial, que tem no centro os microssatélites e os micro-lançadores. “É um segmento que não existia há poucos anos e que beneficiou da miniaturização de uma série de coisas que hoje temos no telemóvel e que há uns anos podiam custar mil euros e agora custam 5 cêntimos”, onde encaixa boa parte das empresas portuguesas que trabalham no sector do Espaço.
Para a AED, Portugal tem reunidas todas as condições para escalar neste mercado que começa agora a industrializar-se, num processo idêntico àquele que já passaram a indústria automóvel ou aeronáutica, convertendo processos manuais na produção em pequenas séries.
A chave para o sucesso está, defendem, na capacidade de adaptar a oferta às necessidades do mercado internacional e ganhar espaço nas grandes cadeias de fornecimento internacionais, uma ambição que também é a da estratégia nacional para o Espaço, que posiciona o segmento com um dos grandes vetores de crescimento do mercado na próxima década.
Tecnologia portuguesa a bordo das missões espaciais mais emblemáticas
Nesta área em concreto e como noutras, a verdade é que são já muitos os exemplos de empresas portuguesas com boas ligações a grandes cadeias de fornecimento na região, um aspeto incontornável num mercado que é global e onde Portugal tem tido dificuldade em se afirmar também por causa da escala.
Na missão em curso a Marte, foi um consórcio português - que integra o Instituto de Soldadura e Qualidade, o Polo de Inovação em Engenharia de Polímeros, a Stratosphere e a Amorim Cork Composites - quem desenvolveu o escudo de proteção térmica e amortecimento de choques da cápsula que trará de volta à Terra as amostras recolhidas em Marte pelo rover Perseverance.
Outras missões emblemáticas, como a ExoMars (fotos da missão na galeria abaixo) , a Solar Orbiter, ou a primeira missão europeia para a remoção de lixo espacial, integram igualmente tecnologia portuguesa. Nestas duas está a Critical Software, uma das primeiras empresas portuguesas a trabalhar nesta área.
O Espaço é o sector de atividade mais antigo na Critical Software, que em 1998 foi chamada pela NASA para injetar falhas em sistemas críticos. Hoje tem mais de 100 pessoas com experiência em projetos espaciais e está envolvida em mais de 25 missões espaciais, onde faz chegar a sua engenharia de sistemas, produz simuladores, soluções de software on-board ou de validação e verificação independente de software.
Rodrigo Pascoal, business development manager da tecnológica de Coimbra, também reconhece que o sector espacial está a atravessar um bom momento, com várias empresas “capazes de participar de forma sistemática em projetos e missões da Agência Espacial Europeia”, enquanto sublinha a importância da criação da Portugal Space, que veio criar “condições para que as empresas portuguesas fossem consideradas a par das suas congéneres internacionais”.
Na visão da tecnológica, o sector está a cumprir as suas metas estratégias, ao transferir tecnologia, criar crescimento económico, gerar emprego qualificado e contribuir para o fortalecimento das relações diplomáticas e de cooperação científica internacional. Mas há riscos na estratégia. “É certo que os processos de inovação e os efeitos de captação de valor na área do Espaço surgem da identificação de necessidades e oportunidades concretas, mas não só”.
Para a Critical, a capacidade de imaginar, sonhar e trazer esse sonho para a realidade é “o verdadeiro motor de integração de conhecimento e desenvolvimento da tecnologia”, como sublinha Rodrigo Pascoal.
A empresa acredita que apostar todas as fichas na capacitação é um risco que, a prazo, pode ter um preço elevado, “levando o sector espacial a perder o seu fator crítico de sucesso - a capacidade de imaginar e inovar”. Incluir nas ambições nacionais a médio prazo a de “liderar um sistema numa grande missão científica, e dessa forma demonstrar a capacidade de um sistema integrador no seu todo” seria, nesta perspetiva, um elemento importante para complementar a estratégia atual.
Empresas juntam-se para ultrapassar limitações de escala
Mais próximo da realidade está o sonho de montar toda uma cadeia de valor nacional na área dos microssatélites, que a par do chamado segmento downstream (tecnologias do Espaço usadas para criar serviços na Terra) devem ser os grandes responsáveis pela criação de 1000 novos empregos no sector, em Portugal, até 2030, se as previsões se confirmarem.
Muitos defendem mesmo que, mais do que uma oportunidade, a ambição de montar uma indústria em torno dos microssatélites é “A” oportunidade “de estruturar o sector espacial português e formar uma cadeia de valor que permita ao país entregar sistemas (satélites) — em vez de subsistemas ou serviços de engenharia — com maior valor no mercado”, como defende a Tekever.
A tecnológica é outra das empresas portuguesas com um currículo longo em missões espaciais. Na Proba-3 da Agência Espacial Europeia, por exemplo, é da sua responsabilidade o subsistema crítico de comunicação, que vai permitir aos dois satélites da missão trocar a informação necessária para fazer manobras de voo em formação e criar uma sombra no Espaço, para observar uma zona do sol normalmente tapada por luz ofuscante.
A nível nacional a empresa lidera, por exemplo, o consórcio do projeto Infante, para a construção, integração e teste de um microssatélite para observação da Terra.
No projeto Infante, a Tekever tem a cargo a definição da missão, engenharia de sistemas, integração e teste do satélite, além da construção dos subsistemas de comunicação, aviónicos e um Radar de Abertura Sintética (SAR), desenhado para pequenos satélites. A empresa está também envolvida no projeto Caravela, que vai desenvolver estruturas para micro-lançadores (pequenos foguetões).
A Tekever é também parte integrante de uma das iniciativas de cooperação que começam a surgir no mercado português, para ultrapassar limitações de escala. Como 200 colaboradores, o Espaço representa 5% do volume de negócios da companhia e ocupa 10% dessa força de trabalho, mas pode vir a tornar-se mais relevante.
A empresa é uma das fundadoras da Magellan Orbital, que também junta o CEiiA, Efacec, Omnidea e IdD - Portugal Defense, tutelada pelo Ministério da Defesa. O projeto, que nasceu com um investimento inicial de 30 milhões de euros, vai desenvolver, integrar e operar constelações de pequenos satélites, destinados à observação terrestre. “Os pequenos satélites estão na vanguarda do novo mercado espacial” e são uma consequência da democratização do acesso ao Espaço, sublinha fonte da Tekever.
A oferta que a Magellan Orbital quer pôr no mercado vai por isso dar resposta às necessidades de diferentes indústrias. Será informação em tempo real, hoje indispensável a sectores como a logística, o turismo, as energias renováveis, a aquacultura, a investigação científica ou a meteorologia. Mas que também serve agências públicas de segurança e defesa, ambiente e a salvaguarda da vida e dos recursos marítimos, Forças Armadas ou Defesa Nacional, exemplifica a Tekever.
Este artigo integra um especial sobre o a indústria do Espaço em Portugal, onde também pode ler:
Startups trazem tecnologia do Espaço para negócios na Terra nas 15 incubadoras da ESA em Portugal
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