Uma impressora, um videoprojector, um computador com ligação à internet em cada sala de aula e um quadro interativo por cada duas salas. Em 2008, estas eram algumas das características daquela que seria a “escola do futuro”, integrada no Plano Tecnológico da Educação (PTE), e que pretendia transformar as salas de aula na utilização da tecnologia. Para levar para casa eram o projeto e-Escola e e-Escolinha, com os computadores portáteis e os famosos Magalhães, que ditavam tendências e permitiam juntar o uso dos equipamentos em salas de aula com a utilização nas casas das famílias, que tinham em muitos casos pela primeira vez acesso a estes equipamentos e a uma ligação internet.

Mas se o projeto e o investimento associado permitiram colocar Portugal em lugares cimeiros no uso da tecnologia na área da educação em 2010, como mostrava o relatório PISA (Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes), a falta de continuidade da estratégia e o desinvestimento que se seguiu nesta área tiveram efeitos desastrosos.

Dez anos depois o SAPO TEK foi medir o pulso à forma como a tecnologia evolui nas escolas portuguesas e o retrato não é positivo. Jorge Pedreira, Secretário de Estado Adjunto da Educação entre 2005 e 2009, e Fernanda Ledesma, presidente da direção da Associação Nacional de Professores de Informática, partilham a mesma visão de que há muito a fazer para conseguir os efeitos que se pretendia alcançar.

Um investimento histórico que não teve continuidade

O PTE teve um investimento superior a 400 milhões de euros, dos quais entre 70% a 85% seriam financiados por fundos comunitários, e vinha marcar um novo momento de informatização da escola em Portugal ao ser um meio para melhorar os resultados escolares e modernizar os processos de ensino-aprendizagem.

Com um plano de implementação calendarizado em várias fases, a sua operacionalização total estava prevista para 2010, data apontada por José Sócrates, Primeiro Ministro da altura, para que o ensino português estivesse entre os cinco melhores da Europa.

Para atingir esta meta e tornar-se um poderoso meio na melhoria do desempenho escolar dos alunos, o PTE era composto por três eixos de atuação: Conhecimento, Tecnologia e Inovação.

tek visão e objetivos plano tecnológico da educação
tek visão e objetivos plano tecnológico da educação créditos: DRE

Através do primeiro eixo, pretendia qualificar-se os portugueses para a sociedade do conhecimento, fomentando medidas estruturais vocacionadas para elevar os níveis educativos médios da população, criando um sistema abrangente e diversificado de aprendizagem ao longo da vida e mobilizando os portugueses para a Sociedade de Informação.

A iniciativa “Novas Oportunidades”, a facilitação do acesso bem como a utilização de computadores em casa por estudantes e o alargamento da ligação à Internet em banda larga de todas as escolas do País e abertura das escolas a ambientes de trabalho virtuais são alguns exemplos desta vertente.

Ao apostar no reforço das competências científicas e tecnológicas nacionais, públicas e privadas e reconhecendo o papel das empresas na criação de emprego qualificado e nas atividades de investigação e desenvolvimento (I&D), o eixo tecnológico do PTE queria vencer o atraso científico e tecnológico.

Por fim, também se pretendia imprimir um novo impulso à inovação, facilitando a adaptação do tecido produtivo aos desafios impostos pela globalização através da difusão, adaptação e uso de novos processos, formas de organização, serviços e produtos. Uma das medidas mais conhecidas deste eixo é o INOV Contacto.

No final de 2009, a maioria das metas que tinham sido definidas para 2010 em relação ao Plano Tecnológico da Educação já tinham sido cumpridas, segundo a ministra da Educação de então, Maria de Lurdes Rodrigues.

Naquela altura, a ministra apontava para a existência de 228.361 computadores instalados nas escolas, 7.613 quadros interactivos e 28.697 salas de aulas do 5º e 12º com videoprojectores.

E depois disso?

Para Jorge Pedreira, Secretário de Estado Adjunto da Educação entre 2005 e 2009, o PTE constituiu um marco para a digitalização da escola e da educação. Para muitos milhares de alunos (e das suas famílias), abriu-se o acesso a computadores e à Internet, “algo que de outro modo não poderiam aceder”, afirmou em entrevista ao SAPO TEK.

Mas, se o Plano Tecnológico da Educação foi um passo muito importante na simplificação de processos, até extra escola, o professor universitário esclarece que “estamos muito longe de ter cumprido os objetivos do Programa”, quer a nível de equipamentos, como de tecnologias. E o problema começou logo na conceção do Plano.

“Pensou-se que dotando as escolas de boas ligações à Internet e professores e alunos de acesso a computadores, a utilização viria por si, o que não aconteceu. Não se conseguiu promover a produção de conteúdos e a generalização da utilização dos equipamentos e dos recursos existentes. A digitalização constitui um poderoso agente da mudança de práticas e o seu efeito disruptor cria receios entre muitos professores. A escola tem muitas vezes por isso uma resposta defensiva, conservadora”, diz.

Também o facto de não se ter cuidado da sustentabilidade do Plano, que recorreu a recursos extraordinários gerados por contrapartidas dos operadores de telecomunicações, é apontado por Jorge Pedreira porque “a sustentabilidade exige um investimento continuado, persistente”.

A falta de investimento a nível central é um problema que Fernanda Ledesma, presidente da direção da Associação Nacional de Professores de Informática, tem vindo a apontar no início de cada ano letivo.

Governo quer "alunos do futuro" em escolas com computadores antigos e internet lenta
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“Desde 2010 que os computadores e as infraestruturas das escolas continuam as mesmas, às quais acresce o desgaste do uso continuado e a velocidade da Internet é uma desgraça. Passaram oito anos desde o PTE e nunca mais houve um investimento sistemático ou estruturado nem gradual, o que ao nível das tecnologias é uma imensidão de tempo”, acusa a responsável.

Para tentar minimizar esta situação, algumas escolas, “no âmbito da sua autonomia e da sua ação e por iniciativa das direções ou de um grupo de professores menos acomodados”, vão-se candidatando a projetos dinamizados por entidades diversas e através dos quais vão conseguindo alguns equipamentos.

“A autonomia tem as suas vantagens e desvantagens. Não havendo projetos de investimento centralizados, ficamos no campo da sensibilidade dos órgãos de gestão, por isso, em breve teremos as escolas a várias velocidades”, alerta a responsável em declarações ao SAPO TEK.

A várias velocidades e, embora mais tecnológicas do que há 10 anos, as escolas que os alunos que regressam às aulas já no próximo mês de setembro vão encontrar, ainda estão muito longe do que seria necessário, afirma Jorge Pedreira. Principalmente porque a tecnologia “continua a ter um papel secundário ou acessório na escola e a depender de projetos-piloto e de iniciativas particulares e da energia de alguns professores e dirigentes”.

Qual é, então, o retrato da “escola do futuro” e qual o caminho a seguir para torná-la uma realidade?

Para o ex-Secretário de Estado, a “escola do futuro” deve ser capaz de integrar os “recursos da tecnologia (que estão em permanente desenvolvimento) para permitir que todos e cada um daqueles que a constroem e a usam possam desenvolver as suas capacidades e adquirir competências e conhecimentos que lhes proporcionem uma integração positiva na vida económica, social e cultural”.

A forma de lá chegar, para Fernanda Ledesma, é através de “um grande Plano com suporte do Governo, pois não me parece que ao nível do Ministério da Educação haja espaço para essa solução. Tem de incluir os ministérios necessários”, defende a responsável, que acredita ser esta a “forma de (re)apetrechar as escolas e criar as condições necessárias para a aprendizagem dos alunos e o trabalho e formação dos professores”.

Ambos concordam ainda que se deve deixar de falar no passado, pois é preciso agir no presente e começar desde já a construir essa escola, “ousando pensar de modo diferente e fora dos quadros de uma escola”.

Jorge Pedreira destaca que “podemos não saber, não sabemos de facto, como será o mundo daqui a dez anos, tal é a velocidade da mudança. Mas sabemos sem dúvida que será um mundo digital”.

“Pensar então que a escola possa não ser uma escola digital, é nada menos que absurdo”, sublinha.