A história do Leilão do 5G em Portugal começa ainda antes de 2020 quando se iniciaram as preparações para vender as licenças da quinta geração móvel, uma evolução tecnológica face ao 4G que era apontada há vários anos como potenciadora de crescimento no mercado, trazendo valor aos operadores e aos utilizadores finais, clientes particulares e empresas. Mais velocidade, menor latência e capacidade de servir de forma flexível segmentos com grande necessidade de largura de banda, através da tecnologia mmWave, são os grandes trunfos, a que se soma a disponibilidade no mercado já de vários equipamentos (smartphones e routers) que podem tirar partido da tecnologia.
Os operadores já fazem testes pelo menos desde 2017 e neste campo Portugal está mesmo à frente de outros países europeus pelo número de ensaios realizados. Mas o que se esperava que fosse uma área onde a engenharia e operadores portugueses voltassem a estar na linha da frente, como aconteceu com o lançamento do 3G e até do 4G, está a transformar-se num processo moroso, cheio de polémica, e com um leilão que já decorre há 30 dias, com pequenos incrementos de valor em algumas das faixas disponíveis.
O que está a contribuir para esta demora? Sérgio do Monte Lee e Pedro Tavares, sócios da Deloitte, explicam ao SAPO TEK que "vários fatores podem estar associados ao prolongar do processo de leilão das frequências 5G". De acordo com o que partilharam, o adiamento do processo, devido à pandemia, terá contribuído para a morosidade, assim como a aplicação de medidas preventivas, em linha com as recomendações da DGS, especialmente nos processos de licitação que são realizados em regime de reunião presencial permanente.
Mas os dois consultores realçam ainda que "a opção da Anacom de disponibilizar a leilão todo o espectro de uma só vez, ao contrário de alguns países que efetuaram leilões parciais, implicou a necessidade de libertação total do espectro na banda dos 700 MHz, após a conclusão do processo de migração da rede de TDT", e que isso fez com que o processo só pudesse ser concluído no final de 2020.
30 dias de licitações e mais de 87 milhões de "encaixe potencial" adicional
A contestação foi grande desde o início de processo de licenciamento do espectro para a 5ª geração de redes móveis em Portugal mas a fase principal do leilão já decorre desde 14 de janeiro e o valor continua a crescer. O valor total já ultrapassa os 317 milhões de euros, mais de 87 milhões acima do preço de reserva estimado para as faixas de espectro dos novos entrantes e a fase geral, e a faixa dos 2,1 GHz já aumentou o preço em mais de 400%, revelando-se de interesse estratégico. Mas há também uma faixa dos "valiosos" 700 MHz - uma das bandas específicas para a quinta geração móvel - que ainda não teve nenhuma licitação desde o primeiro dia, e participantes misteriosos num procedimento que está envolto em secretismo.
A Altice (MEO), NOS e Vodafone confirmaram desde o início que iam a concurso, e a Mas Movil, dona da Nowo, também fez saber o seu interesse por deter uma licença de 5G em Portugal , mas é certo que há outros interessados e que isso ajudou a dinamizar a fase inicial do leilão, reservada aos novos entrantes.
Pelas regras do regulamento a ANACOM não pode fazer comentários nem divulgar informação para além dos números das licitações e rondas que partilha todos os dias, e os operadores também não fazem comentários sobre o processo que está a decorrer.
O certo é que este leilão bate recordes de duração de processos anteriores de atribuição de licenças em Portugal, mas também no licenciamento do 5G face aos procedimentos que decorrem noutros países europeus. A Suíça atribuiu as licenças para os 3,6 GHz num leilão de apenas um dia, e na Grécia bastaram seis rondas para entregar as licenças e encaixar 372,3 milhões de euros.
Muito mais demorado foi o leilão na Alemanha, ainda em 2019, que atingiu também valores muito elevados para as licenças distribuídas entre 4 operadores, entre os quais um novo entrante, chegando aos 6,55 mil milhões de euros. Foi um leilão multi faixa, nas bandas de 2,1 GHz e 3,6 GHz e teve uma duração "épica" de quase três meses.
Outro dos casos de longa duração de leilões foi nos Estados Unidos a faixa dos 3,7 GHz valeu já este mês 81,1 mil milhões de dólares e o leilão durou 2 meses, com 21 participantes mais de 5.600 licenças disponíveis.
Se olharmos para os números em Portugal, como o SAPO TEK tem feito, podem ver-se sinais de que o leilão podera terminar em breve, mas esta é uma matéria onde as possibilidades de "adivinhação" não têm bases muito exactas para quem está de fora do processo, e mesmo para os licitantes que têm de planear a estratégia face a outros operadores que também estão interessados nas licenças.
Europeus mais rápidos no leilão e na implementação
Os mais recentes dados do Observatório Europeu para o 5G, relativos aos últimos três meses de 2020, revelam que 23 dos 27 membros da União Europeia já lançaram serviços comerciais de redes móveis de quinta geração, um aumento significativo em relação ao final de 2019, onde apenas 10 países constavam da lista.
Sérgio do Monte Lee e Pedro Tavares lembram em entrevsta ao SAPO TEK que "alguns países têm optado por leilões parciais das frequências disponíveis para o 5G, o que acabou por tornar o processo mais ágil".
"Portugal optou por um leilão global, facilitando por um lado o processo de tomada de decisão de quem licita, permitindo uma visão mais global do espectro disponível, mas inevitavelmente criando outras dependências que acabaram por atrasar o inicio do processo, como foi o caso da libertação dos 700MHz após a migração do serviço de TDT", apontam os sócios da Deloitte.
Mesmo assim, "em termos de valores, e pelo que podemos observar até ao momento por exemplo na faixa dos 3,6GHz, embora os valores atuais estejam em média 83% acima do valor de reserva definido pelo regulador, não estão ainda próximos dos valores atingidos em Espanha, Áustria, Inglaterra, França ou Itália, país que regista os valores mais altos na Europa para a referida banda de frequências".
Para "apanhar o comboio" do 5G Portugal vai ter que acelerar na implementação dos serviços. O relatório do Observatório europeu mostra que, em alguns países, há mais que um fornecedor de serviços de 5G. As quatro operadoras de telecomunicações na França, Itália, Espanha, Suécia e as três principais na Áustria, República Checa, Finlândia, Alemanha, Irlanda, Holanda, Polónia e Roménia já disponibilizam serviços comerciais de redes 5G. Muitos dos lançamentos ocorreram no final de 2020.
Devido à pandemia da COVID-19, em 2020, muitos leilões do 5G na Europa foram adiados para os últimos meses do ano, como no caso de Portugal. A análise mostra também que em alguns países se optou por leilões limitados a algumas faixas de espectro, e que só a Itália, a Finlândia e a Grécia já atribuíram espectro nas três principais faixas (700 MHz, 3,6 GHz e 26 GHz).
O Observatório estima que no final de dezembro do ano passado existiam 558 cidades capacitadas com 5G entre os 27 membros da UE. Por outro lado, apenas 13 países tinham publicado o roteiro nacional para o 5G, incluindo estratégias para o espectro: Áustria, Alemanha, Dinamarca, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Holanda, Luxemburgo, Portugal, República Checa, Suécia e Reino Unido.
Polémica desde o início do processo em Portugal
A polémica tem estado ligada ao leilão do 5G desde o início, ainda antes de se conhecerem os contornos provisórios do regulamento que permitiria às empresas de telecomunicações apresentarem as suas propostas para ganharem licenças que permitiriam fornecer serviços móveis de quinta geração. A divergência de posições entre os operadores e o regulador foi-se agudizando depois de ser revelada a proposta de regulamento com as obrigações de cobertura e roaming nacional, os preços de reserva e abertura a novos players no mercado a serem altamente contestados.
A pandemia da COVID-19 acabou por fazer com que o processo se arrastasse, com o adiamento do leilão e a primeira fase do leilão a arrancar só em dezembro, ainda num âmbito circunscrito aos novos entrantes, ou seja, os operadores que ainda não têm serviços móveis em Portugal. No final o montante das licitações ultrapassou os 84 milhões de euros e nenhuma das faixas que estavam disponíveis passaram para a fase geral do concurso, embora continuem a não ser conhecidos todos os participantes no leilão.
A fase geral começou só a 14 de janeiro de 2021 e tem sido animada. Hoje é o 30º dia de licitações e o valor já ultrapassou ontem os 317 milhões de euros, com as melhores propostas a centrarem-se nas faixas de 2,1 GHz e 3,6 GHz, onde existe o maior número de lotes. E tudo indica que a fase de licitações principal ainda está para durar, o que deverá fazer aumentar o valor de encaixe financeiro do Governo com as licenças, já que o preço de reserva estava fixado nos 237,9 milhões de euros.
Os lotes mais apetecíveis fora do "radar" do 5G
As 53 faixas que foram colocadas a concurso, de frequências de 700 MHz, 900 MHz, 2,1 GHz, 2,6 GHz e 3,6 GHz, são todas peças importantes de um "puzzle" que os operadores têm de construir para ter uma rede que cubra as necessidades dos clientes, e consiga uma cobertura do território para conseguirem responder às exigências do concurso que são "pesadas" para os operadores. As empresas têm de cobrir, até final de 2023, 75% da população e 95%, até 2025, em zonas de baixa densidade, e nas regiões autónomas da Madeira e Açores.
O valor de reserva de espectro para esta fase do leilão estava fixado nos 195,9 milhões de euros, e neste momento as licitações já ultrapassam os 233 milhões, o que somado aos 84 milhões já garantidos na fase de novos entrantes atinge os 317 milhões de encaixe potencial para o Estado. Mas o montante ainda pode subir.
Nos dias mais movimentados o preço das licitações chegou a aumentar mais de 5 milhões de euros, como se pode ver no gráfico abaixo, e têm-se verificado flutuações no "apetite" dos operadores, que na maioria dos dias fizeram propostas de valorização de mais de 1 milhão de euros.
Nos últimos dias todos os olhares estão concentrados nas faixas dos 3,6 GHz mas as propostas de valorização têm estado abaixo do milhão de euros.
O gráfico mostra a valorização dia a dia desde 14 de janeiro até ontem. É certo que o aumento de valor das propostas parece menor, mas isso não quer dizer que não possa prolongar-se. Até quando, ninguém sabe.
As faixas dos 700 MHz e dos 3,6 GHz, que na verdade abrange os 3,4 a 3,8 GHz, são as duas específicas para o 5G, mas no leilão há outras faixas de interesse para a operação móvel, como os 900 MHz, 1800 MHz, 2,1 GHz e 2,6 GHz, que permitem suportar novas operações ou complementar as redes móveis já existentes.
Curiosamente há um lote dos 700 MHz sem ofertas nesta fase do leilão. Sérgio do Monte Lee e Pedro Tavares avançam com uma explicação. "As obrigações de cobertura associadas à faixa dos 700 MHz que incidem sobre as áreas de baixa densidade e as regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, bem como os municípios com freguesias de baixa densidade definidas pela Anacom, podem também justificar a falta de interesse inicial em licitar nesta banda". Segundo os sócios da Deloitte, os atuais operadores ficam também sujeitos a uma obrigação de reforço do sinal do serviço de voz, devendo atingir um nível de sinal que permita uma cobertura considerada “Boa” em 95% do território nacional, até 2025.
"Estas obrigações e os atrasos sucessivos na libertação da banda podem justificar parcialmente o desinteresse demonstrado até ao momento, contrastando com o interesse demonstrado nas bandas mais elevadas dos 3,6GHz mas especialmente nas de 2,1 e 2,6 GHz, tornando clara a prioridade dos investimentos em espectro que permita um lançamento inicial do serviço em zonas urbanas ou de maior densidade populacional que possam permitir um retorno mais célere do investimento", avisam Sérgio do Monte Lee e Pedro Tavares.
Pelo menos até agora, a maior subida de preço aconteceu na faixa dos 2,1 GHz, que é a que aumentou mais de preço, com uma subida de 400% em relação ao valor do primeiro dia de licitações, depois de arrancar logo a valer mais 1,409 milhões de euros do que os 2 milhões definidos na reserva de espectro. No terceiro dia passou a 10,4 milhões, subindo depois para 10,6 milhões, valo no qual se mantém desde 22 de janeiro.
Esta é uma faixa essencial para garantir maior capacidade de cobertura e uma atualização rápida da atual rede de 4G dos operadores, mas também pode ser estratégica no futuro se for "recondicionada" para a 5ª geração móvel, como se espera.
O interesse é também grande nos 2,6 GHz, com crescimentos de valor acima dos 90%, numa faixa de espectro que assegura também capacidade de cobertura de rede alargada.
Nas faixas com o valor mais elevado de preço de reserva, os 700 MHz onde o valor foi fixado nos 19,2 milhões de euros, o preço não se altera desde o primeiro dia. Nos últimos dias as licitações têm-se concentrado nos 3,6 GHz, que tem um total de 40 lotes, onde os preços já aumentaram 80 a 90%, com crescimentos muito graduais nos últimos dias.
Na faixa dos 700 MHz, que ficou livre após a conclusão do processo de migração da TDT, o preço de licitação continua nos 19,2 milhões de euros e um dos lotes não recebeu ofertas desde o início da fase principal do leilão. Na faixa dos 900 MHz, os quatro lotes disponíveis também não registam alteração em relação ao preço de reserva de 6 milhões de euros.
Mesmo assim ninguém garante que por decisão estratégica estes lotes que têm estado "parados" não voltem a ter licitações e façam reacender os valores. Nós por cá vamos continuar a acompanhar os desenvolvimento, e já estamos a aguardar o relatório de hoje da Anacom.
Nota da Redação: a notícia foi atualizada com mais informação. Última atualização 18h42
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