Miguel Oliveira (*)

Escrevo este artigo após assistir à entrevista de Fei-Fei Li (Professora da Universidade de Stanford, onde é responsável pelo Instituto de Investigação de Inteligência Artificial) no qual não foi impossível ignorar a crescente disparidade entre os recursos disponíveis na academia e na indústria tecnológica. Li revelou que o Laboratório de Computação em Linguagem Natural de Stanford possui apenas 64 GPU’s*, destacando uma discrepância preocupante em comparação com as vastas capacidades das grandes empresas de tecnologia. Essa disparidade ameaça não apenas a inovação académica, mas também o desenvolvimento de bens públicos essenciais.

Testemunhamos uma concentração alarmante de recursos, talentos e capacidades computacionais nas mãos de algumas poucas corporações tecnológicas. Enquanto os laboratórios da academia lutam para obter os recursos necessários, gigantes como Google, Facebook e Microsoft operam com milhares de GPU’s, criando um fosso que pode limitar, seriamente, a capacidade de inovação da academia. Esta centralização de recursos não só coloca as instituições académicas em desvantagem, mas também pode ter profundas implicações para a sociedade como um todo.

A discrepância de recursos é clara: Stanford, uma das universidades mais prestigiadas do mundo, tem acesso a apenas 64 GPU’s. Em contraste, empresas de tecnologia possuem milhares dessas unidades, permitindo-lhes realizar desenvolvimento e investigação em múltiplas áreas do conhecimento, numa escala que a academia não consegue igualar. Esta desigualdade não é apenas uma questão de infraestrutura, mas também de acesso a talento e dados, elementos cruciais para a construção do nosso futuro.

Já tive a oportunidade de referir num artigo de opinião anterior, que o acesso à inteligência (artificial) será uma nova forma de capital, capaz de reconfigurar as cadeias de valor e redistribuir poder e oportunidades de sucesso. Não serão apenas os recursos materiais ou o capital humano a ditar os caminhos para a prosperidade, mas também o acesso antecipado às tecnologias de IA mais avançadas. Aqueles que conseguirem acesso inicial a modelos avançados estarão numa posição privilegiada para ampliar seu conhecimento e sucesso, algo que poderá perpetuar e alargar as disparidades sociais.

A concentração de recursos nas mãos da Big Tech ameaça a produção de bens públicos. A academia tem um papel vital na geração de conhecimento que beneficia a sociedade de maneira aberta, verificável e responsável. No entanto, se os recursos continuarem a serem concentrados nas mãos de poucos, corremos o risco da inovação tecnológica ser desenhada e implementada, principalmente por interesses comerciais, não tendo em conta objetivos mais sociais.

É fundamental que se forneçam mais recursos ao setor público e à academia para que estas instituições possam continuar a desempenhar seu papel essencial. Acesso a GPU’s e infraestruturas computacionais avançadas, juntamente com financiamento adequado, talento humano e dados, são cruciais para equilibrar o campo de atuação entre a academia e a “indústria”. Sem esse suporte, a academia ficará cada vez mais atrás, impossibilitada de competir e colaborar efetivamente com as grandes corporações.

Investir na academia não é apenas uma questão de equidade, mas uma necessidade para o progresso sustentável da ciência e da tecnologia. A investigação académica deve ser capaz de conduzir inovações de forma aberta e responsável, garantindo que os avanços tecnológicos sejam acessíveis a todos e não apenas a uma elite corporativa. É crucial que políticas públicas sejam implementadas para garantir que as instituições académicas tenham os recursos necessários para prosperar na era da IA.

A entrevista de Fei-Fei Li destaca uma realidade urgente: precisamos reavaliar como os recursos em IA são distribuídos. Garantir que a academia tenha os recursos necessários é essencial para promover um ecossistema de inovação que beneficie toda a sociedade, mantendo o desenvolvimento científico alinhado com princípios éticos e de transparência. Sem essa intervenção, o futuro da investigação corre o risco de ser monopolizado por interesses corporativos, limitando o potencial transformador desta tecnologia para a sociedade em geral.

A inovação deve ser democrática, aberta e verificável, assegurando que a investigação científica continue a servir ao bem público e a promover o progresso científico. O apoio à academia não é apenas um investimento em conhecimento, mas uma aposta num futuro ético e inclusivo. Sem essa mudança, corremos o risco de um desenvolvimento tecnológico que não seja representativo da sociedade e da distribuição dos benefícios que deveriam ser compartilhados por todos.

(*) membro da Direção Nacional da Ordem dos Psicólogos Portugueses

*GPU’s – Unidade de Processamento Gráfico – é um processador especializado em processar gráficos e que é necessário para as tarefas computacionais relacionadas com a Inteligência Artificial.