O último ano e meio tem sido de incerteza para o TikTok da ByteDance. Mas a popular aplicação da rede social de partilha de vídeos continua a demonstrar o poder da sua popularidade e acaba de chegar a um marco histórico: 3 mil milhões de downloads entre a App Store e Google Play, tornando-a na única aplicação a atingir esta fasquia, fora da família do Facebook.
A sua popularidade continua em alta, mesmo com o surgimento de novas redes sociais, como o Clubhouse, e o constante “contra-ataque” das gigantes tecnológicas que procuram “copiar” as suas principais funcionalidades, sobretudo os vídeos curtos de 15 segundos, como o Shorts do YouTube que acaba de ser lançado.
TikTok é quinta app a superar os 2,5 mil milhões de dólares de receitas brutas
Os mais recentes números divulgados pela especialista de análise de apps, a SensorTower, referem que o TikTok foi a app, fora do segmento de gaming, com mais downloads globais no primeiro semestre de 2021. Durante este período foram feitas cerca de 383 milhões de instalações por novos utilizadores, estimando gastos na app de cerca de 912,2 milhões de dólares. A proibição na Índia ajudou a causar uma quebra acentuada de downloads de 38% em relação ao primeiro semestre de 2020, para os 619 milhões de utilizadores registados nesse período. Mas por outro lado, para os cofres da empresa, conta o crescimento nos gastos na aplicação em 73%, ou seja, mais 530,2 milhões de dólares face ao mesmo período de 2020.
Ainda no que diz respeito a números, o TikTok teve o seu maior período de sempre, o segundo trimestre de 2021, no que diz respeito a gastos dos seus utilizadores. Subiu 39% face ao trimestre anterior, registando 534,6 milhões de dólares, contra os 384,7 milhões faturados dos três primeiros meses do ano. É ainda referido que a adoção do Tiktok acelerou em 2021, com um crescimento de estreantes de 2% (177,5 milhões de novos utilizadores) no primeiro trimestre do ano; e mais 16% (205,4 milhões) no segundo trimestre. Este foi o maior crescimento da aplicação desde o seu recorde no primeiro trimestre de 2020, quando acumulou 315 milhões de downloads, no início da pandemia de COVID-19. Foi a app que teve mais instalações de sempre para um trimestre.
Até agora, apenas quatro aplicações tinham ultrapassado a barreira dos 3 mil milhões de downloads: WhatsApp, Messenger, Instagram e Facebook, todas elas redes sociais de Mark Zuckerberg. O TikTok é a quinta app a conseguir esta meta, mas a primeira fora do ecossistema Facebook a consegui-lo. Para a TowerSense, o número acumulativo inclui ainda a versão chinesa para iOS chamda Douyin, mas não contabiliza os downloads feitos em marketplaces paralelos de Android, externos à loja digital Google Play.
E os números continuam a ser surpreendentes, se considerarmos que no oceano de aplicações, apenas 16 apps fora do segmento dos videojogos ultrapassaram os mil milhões de dólares de receitas brutas, desde janeiro de 2014, e apenas cinco atingiram os 2,5 mil milhões de dólares, incluindo agora o TikTok - Tinder, Netflix, YouTube e o Tencent Video são as restantes quatro apps deste “clube de elite”.
TikTok nasceu em 2016 na China, mas tornou-se gigante em 2018
Conhecido na China como Douyin, o TikTok foi criado pela ByteDance, sendo uma rede social focada na partilha de vídeos de curta duração. As suas ferramentas de edição, baseados em diferentes temáticas, criaram o conceito dos vídeos de 15 segundos que serviu de base ao seu sucesso. Seguiu-se um lançamento internacional em 2017, em versões Android e iOS.
Mas apenas no final de 2017 daria o salto para o mediatismo, depois da ByteDance ter adquirido a Musical.ly, num negócio de 800 milhões de dólares, e dessa forma entrar no mercado dos Estados Unidos. O Musical.ly já tinha bastante popularidade entre os adolescentes, graças ao mesmo conceito de vídeos curtos, de 15 segundos. Tinha uma vasta galeria de áudios e clipes musicais que podiam ser utilizados nas criações de conteúdo e partilhados facilmente com outros utilizadores. Por outro lado, o editor de vídeo do TikTok era bem mais poderoso, mais próximo do Vine, criando-se assim o casamento perfeito entre as duas, formando as bases do ecossistema que conhecemos atualmente.
Quando fechou o negócio, o TikTok viu os 100 milhões de utilizadores ativos do Musical.ly a serem fundidos com os mais de 500 milhões do TikTok. A partir daí "explodiu" o sucesso, afirmando-se em 2018 como uma das aplicações mais populares, sobretudo para um público mais jovem. Em janeiro de 2018, já se assumia como a aplicação número 1 do ranking das lojas digitais em países como a Tailândia, e outros. 2018 foi assim o ano de expansão do TikTok, que passou a estar disponível em 150 mercados e em 75 línguas. Em outubro de 2018 já era a app com mais downloads nos Estados Unidos. Conquistou a marca do primeiro milhar de milhões de downloads em fevereiro de 2019 (contabilizando a versão chinesa Douyin, mas sem as instalações Android na China). O TikTok foi considerado em 2019, a sétima aplicação com mais downloads da década, num período de 2010-2019.
2019 e 2020: anos atribulado para o TikTok
Apesar do sucesso da rede social de vídeos, esses números poderiam ser ainda mais surpreendentes, caso a Índia não tivesse proibido a sua utilização no país, desde o fim de junho de 2020, ou seja, há um ano. A app da ByteDance via assim o mesmo destino que as quase 60 aplicações acusadas pelo Ministério da Informação e Tecnologia da Índia de roubar os dados dos utilizadores e a enviá-los de forma sub-reptícia para servidores localizados fora do país, sendo dessa forma banidas.
O responsável pelo TikTok na Índia, Nikhil Gandhi, refere que prestou todas as declarações e clarificações das suas operações, e que a app continuava a cumprir os requerimentos de privacidade e segurança dos dados exigidos pela Lei indiana. Reforçou ainda que a empresa nunca partilhou informações com qualquer governo estrangeiro, neste caso a China, recusando-se a fazê-lo, caso lhe fosse solicitado. Apesar de tudo, a app continua exilada do mercado indiano, um ano depois do processo. E isso contribuiu para a tal queda de 38% de novos downloads, quando comparado com o primeiro semestre de 2020, uma vez que a Índia era um dos territórios de maior sucesso da app.
Antes da proibição da Índia, também os Estados Unidos quiseram banir o TikTok em 2019, durante a administração de Donald Trump. Em causa esteve também o receio de riscos à segurança do país, levando a um pedido de investigação ao Centro de Contraterrorismo. O TikTok defendeu-se, afirmando que todos os dados dos utilizadores americanos eram armazenados nos Estados Unidos. Já o sistema de backup está alocado em Singapura e os data centers estão localizados fora da China. Garantiu ainda que nenhum dos dados estão sujeitos às leis chinesas.
A ByteDance chegou a ser avisada por Donald Trump que a aplicação seria banida caso não fosse comprada por uma empresa norte-americana, o que fomentou uma corrida negocial, primeiro com o interesse da Oracle, e depois Microsoft e Walmart para adquirir as operações da rede social nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Mas os prazos apertados não deixaram muita margem de manobra para o processo, ou seja, 90 dias para o fim do processo, que acabava a 12 de novembro, com ameaça do TikTok ser banido dos Estados Unidos.
As negociações caíram e em novembro, mas a app foi "salva pelo gongo" por um tribunal norte-americano “congelou” a ordem executiva do governo de Donald Trump que estabelecia a proibição do TikTok a partir do dia 12 desse mês, adiando a decisão até mais desenvolvimentos legais. Desde então o TikTok foi mantendo as suas operações, mas sempre num limbo.
Com a mudança do presidente dos Estados Unidos, esperava-se que o novo executivo alterasse as proibições. Algo que não aconteceu de imediato. Só em junho de 2021 é que Joe Biden decidiu anular a proibição do TikTok, mas também no WeChat, outra app chinesa que tinha sido colocada na lista negra, momentos antes de Donald Trump abandonar a presidência. No entanto, as decisões anteriores foram substituídas por uma única ordem executiva que estabelece uma análise rigorosa às ameaças à segurança nacional do país.
A Administração Biden indicou que se compromete a promover uma Internet aberta, interoperável, de confiança e segura, a proteger os direitos humanos online e offline, assim como a apoiar uma economia digital vibrante e global. Na prática, a nova ordem executiva estabelece que o Departamento do Comércio dos Estados Unidos passará a avaliar o software em questão, analisando-o à luz da ordem executiva 13873 de 15 maio de 2019 e tomando medidas caso seja necessário.
Ainda este ano, o TikTok foi alvo de polémicas no Reino Unido, com a ex-comissária da proteção das crianças em Inglaterra a dizer que a aplicação “é um serviço de recolha de dados disfarçado de rede social”. Anne Longfield afirma que a app recolhe e utiliza os dados de milhões de crianças, tanto do Reino unido, como da União Europeia, prometendo combater a mesma no país.
Novidades e tendências do TikTok
Polémicas à parte, os utilizadores continuam a dar preferência ao Tiktok, e a ByteDance responde com novidades. Entre filtros divertidos, a capacidade de acelerar ou abrandar os vídeos, entre outras possibilidades criativas pautadas por música, os conteúdos de 15 segundos têm feito fulgor entre a sua comunidade.
E a criatividade dos utilizadores parece não ter fim, levando a ByteDance a criar novas ferramentas, desde a possibilidade de imitar músicas populares através de lip-sync. Claro que o trabalho de divulgação dos criadores foi outro elemento importante, os poderosos algoritmos de IA da aplicação que ajudaram muitos utilizadores a serem catapultados para o sucesso.
O sistema de “reações” permitem aos utilizadores gravarem-se a reagir a outros vídeos, os “duetos” abriram a possibilidade de colocar um vídeo em cima de outro vídeo, criando interações divertidas. Não faltam os emojis, mas também a possibilidade de os utilizadores comunicarem entre si, através de mensagens diretas. E até foi introduzida a possibilidade de criar vídeos baseados em comentários dos utilizadores.
Para os utilizadores considerados “influenciadores”, com mais de mil seguidores, e acima dos 16 anos, podem criar transmissões ao vivo. E os maiores de 18 podem ainda enviar tokens virtuais, para apoiar os criadores, que valem dinheiro real. Em 2020 surgiram ainda mais destes itens virtuais, através de “pequenos gestos”, uma prática muito popular de contribuições sociais na China, assistindo-se a um grande crescimento de marcas de produtos de beleza, sobretudo durante a quarentena, como forma de suporte e encorajamento dos fãs aos criadores de conteúdos.
2021 ainda representa alguma incerteza para o futuro do TikTok, como referido, e ainda assim os números continuam a crescer. A ByteDance parece não querer abrandar e tem vindo a revelar e a introduzir novidades para a sua rede social. A empresa revelou recentemente que abriu uma nova divisão para comercializar a tecnologia por trás do famoso algoritmo de inteligência artificial e outras soluções que potenciam o próprio TikTok.
Para os criadores de conteúdo, foi anunciada a funcionalidade Jump, que adiciona aos vídeos ainda mais interação, ao integrar partes de outras aplicações nos projetos que são publicados no TikTok, pelo que passa a ser mais fácil passar de uma app para outra. Por exemplo, usar uma lista de ingredientes da Whisk ou um questionário da Quizlet, de forma integrada e direta.
E para garantir que os utilizadores criem vídeos com ainda melhor qualidade, a ByteDance disponibilizou um novo editor externo chamado CapCut. Este permite uma edição mais profissional, a partir do smartphone ou tablet, com a oferta de diversos filtros, efeitos, stickers e toda uma biblioteca de música para animar as criações. E para aqueles que só agora estão a começar no mundo da criação de vídeos, a app fornece ainda dicas úteis sobre a aplicação de filtros, fazer transições, sobrepor vídeos e imagens ou gerar legendas automáticas.
Tudo o que o TikTok “toca” parece mesmo transformar-se em “ouro”, e por isso a ByteDance vai continuar a expandir a plataforma. Está mesmo a decorrer um programa-piloto que visa trazer as vendas para dentro da aplicação. Esta é uma primeira abordagem para envolver e trazer as marcas, sobretudo de moda casual, para o ecossistema, como a Hype, que já confirmou fazer parte do programa. O objetivo é que as marcas comecem a vender os seus produtos e serviços à vasta base de utilizadores da rede social. A experiência já existia na versão chinesa Douyin, que no primeiro ano obteve receitas de 26 mil milhões de dólares, apenas em transações online.
Independentemente do futuro da aplicação chinesa, o sucesso continua em crescimento, aguardando-se as decisões dos reguladores americanos, mas também da Índia, onde a ByteDance espera um dia regressar. E com isso a acontecer, aquele que já é um gigante pode tornar-se ainda mais colossal no que diz respeito ao número de utilizadores e faturação.
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