As aulas vão recomeçar amanhã mas num modelo diferente, apostando no ensino a distância para os vários graus de ensino do básico e secundário, embora exista a possibilidade do 11º e 12º ano poderem voltar às escolas, com regras de distanciamento especiais nesta época de pandemia da COVID-19. As linhas da estratégia definida foram comunicadas na semana passada, depois da decisão do Conselho de Ministros, e ficou prometido um "acesso universal" que permita ultrapassar barreiras e diferenças de acesso a equipamentos entre os vários graus de ensino e nas famílias.

Os vários levantamentos que têm vindo a ser feitos mostram falhas no acesso a computadores e à internet, e alguns números apontam para 50 mil alunos sem recursos, e por isso a garantia de aulas através da televisão - por cabo, satélite e TDT - é uma das opções, que deverá ser complementar com outros métodos de proximidade.

"Já tínhamos apresentado o plano de transição digital das escolas, este momento é um catalizador, também na literacia básica dos estudantes e dos professores, que acabam por ter formação em serviço, e estamos a trabalhar também para que exista formação para estarem familiarizados com as plataformas e om isto de avaliar à distância", afirmou hoje o Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues,  na sua intervenção hoje no Fórum TSF.

A ideia é dar aos alunos a possibilidade de ter acesso à internet e a máquinas, que é importante para esta transição digital, mas o ministro da Educação lembra que "não há soluções imediatas [...] mesmo que quisessemos dotar agora [as famílias e as escolas de equipamentos] há limites, de máquinas no mercado, capacidade de instalação, literacia na utilização", afirma, explicando que nem tudo se consegue resolver imediatamente, e que é importante fazer pontes entre as famílias e as escolas, e ir adaptando.

A primeira meta foi arrancar com o processo e isso "implicava romper com uma inércia enorme", admite o ministro. Tiago Brandão Rodrigues lembra que esta transição do modelo presencial para o modelo a distância acontece sem preparação prévia, numa situação de contenção e distanciamento, e que teve de haver uma adaptação rápida devido à crise de saúde pública, minimizando os riscos para toda a gente. Reconhece ainda que as escolas se têm vindo a adaptar de forma notável, com progressos notórios todos os dias, e que os professores têm feito um grande esforço, mas que as famílias têm também de encontrar um ponto de equilíbrio.

"Amanhã começa um terceiro período, diferente do sonhado, com muitos constrangimentos, e é importante que todos se consigam adaptar, também com o apoio das famílias", afirma.

A estratégia definida passa por combinar os meios de ensino disponíveis, com as aulas através da TV - que se chama "Estudo em Casa" e que passa por blocos de aulas do primeiro ao nono ano na RTP Memória e pré-escolar na RTP 2 - com outros meios de proximidade. Aqui entra a internet, com a videoconferência por Zoom e Teams, mas também outras "estratégias assíncronas", como o email ou o WhatsApp para envio de informação e retorno, explica. A grelha semanal do Estudo em Casa (#EstudoemCasa) já está publicada.

O ministério tem vindo a preparar uma série de documentação e esta semana vão chegar às escolas materiais que permitem aos professores preparar as aulas e acompanhamento das matérias que vão ser lecionadas através da televisão.

"O que queremos primariamente é que os professores interajam com os alunos usando a sua estratégia", explica, afirmando que a televisão é complementar e redundante ao que os professores estão a fazer e que nada dispensa a relação entre o professor e o aluno.

O regresso do e-escola, e-escolinha e do Magalhães?

A possibilidade de um programa que venha a dar às famílias o acesso a computadores e ligação internet para utilização dos estudantes faz imediatamente a ponte com o programa e-escola  e e-escolinha desenvolvido pelos Governos de Sócrates, a partir de 2008, que garantiu a mais de 1 milhão de alunos terem um computador para estudar.

Em entrevista à Agência Lusa António Costa afirmou que "assumimos um objetivo muito claro: vamos iniciar o próximo ano letivo assegurando o acesso universal à rede e aos equipamentos a todos os alunos dos ensinos básico e secundário". Quando questionado sobre se cada aluno vai ter um computador, retomando-se o programa semelhante ao do Magalhães, respondeu que "é muito mais do que isso".

O programa e-escola e e-escolinha previa a atribuição de um computador portátil a cada aluno e também o apoio na ligação à internet de banda larga. Mas o Primeiro Ministro quer agora mais e não um Magalhães 2.

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"É muito mais do que ter um computador ou um tablet. É ter isso e possuir acesso garantido à rede em condições de igualdade em todo o território nacional e em todos os contextos familiares, assim como as ferramentas pedagógicas adequadas para se poder trabalhar plenamente em qualquer circunstância com essas ferramentas digitais", adianta na entrevista.

Investimento avultado no início do próximo ano letivo

António Costa reconheceu que é um investimento avultado, mas considera que "é essencial e é uma medida de prevenção do risco de pandemia". Até porque esta situação demonstrou que é preciso "garantir a necessidade de que, aconteça o que aconteça do ponto de vista sanitário durante o próximo ano letivo, não se assistirá a situações de disrupção, porque houve outra face da moeda que esta crise demonstrou".

Em 2007 quando o Governo de Sócrates começou o programa e-escola os primeiros computadores foram destinados a alunos do ensino profissional e das Novas Oportunidades, e a iniciativa foi suportada pelos operadores de comunicações no âmbito das contrapartidas previstas nas licenças da rede móvel 3G. Os alunos pagavam um máximo de 150 euros para terem acesso ao portátil, consoante o escalão de rendimentos da família, e tinham um desconto de 5 euros na mensalidade da banda larga, mas na verdade o custo de mercado dos equipamentos rondava os 700 euros.

Em 2008 o programa foi alargado ao 11º e 12º anos, e depois progressivamente a outros escalões de ensino e ainda no mesmo ano foi anunciado o programa e-escolinha, para os alunos do primeiro ciclo, com um computador desenvolvido em Portugal pela JP Sá Couto, o Magalhães, que depois haveria de ser exportado para vários países.

Na altura o objetivo era distribuir 500 mil portáteis aos alunos do primeiro ciclo que podem ter acesso ao equipamento a custo zero, se pertencerem a famílias do primeiro escalão de apoio escolar, sendo que as do segundo escalão só pagavam vinte euros e as restantes 50 euros.

Desigualdades que não devem impedir o acesso de todos ao ensino

As escolas têm vindo a fazer o levantamento dos recursos dos alunos, com estratégias diferentes entre vários agrupamentos mas que em muitos casos passam pelos inquéritos realizados pelos diretores de turma junto dos alunos. E há relatos de muitas fragilidades, até porque em muitos casos há apenas um computador em casa, que tem de ser partilhado por toda a família, incluindo pais em teletrabalho e filhos em escalões de ensino diferentes.

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António Costa reconhece também estas assimetrias. "As desigualdades são muito mais persistentes do que aquilo que muitas vezes se pensa e, quando elas se diluem na mesma sala de aula, elas acentuam-se quando cada um vai para as suas casas. Ou por insuficiência da infraestrutura de comunicação, ou por falta de equipamentos, ou por diferentes de habitação, ou, ainda, por diferentes contextos familiares, essas desigualdades tornam-se mais visíveis", afirma.

Esta é uma das razões pelas quais o Governo optou também por aulas através da televisão, no cabo, satélite e na TDT, um meio mais universal para fazer chegar os conteúdos aos alunos, mas que peca para falta de interatividade. Por isso mesmo António Costa defendeu, ainda na conferência de imprensa do Conselho de Ministros, que os dois meios são complementares.

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Mesmo nas escolas, onde o reforço dos equipamentos foi feito através do Plano Tecnológico da Educação, o número de alunos por computadores é nos últimos anos o mais elevado da última década, como mostram os dados da DGE.

tek magalhães
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Segurança e videovigilância são preocupações

Com o maior recurso às aulas a distância multiplicam-se também os avisos para redobrar cuidados com a cibersegurança, e proteger a privacidade de alunos e professores, mas também de outros elementos da casa.

Na semana passada a Comissão Nacional de Proteção de Dados publicou um documento com uma lista de oito riscos e doze recomendações que devem ser seguidas pelo ministério, as escolas e as famílias, sugerindo que pode haver tentações de estabelecer perfis de alunos, recolher mais dados do que os necessários e fazer videovigilância dos professores.

Também a Direção-Geral da Educação, em parceria com o Centro Nacional de Cibersegurança e a CNPD, emitiu uma lista de 10 recomendações para uso de plataformas de vídeo e áudio, apostando em mensagens como "Seja cuidadoso com a 'webcam' e o microfone", "Pense antes de publicar informação sensível", ou "use palavras-chave fortes", indicações que são comuns a quem está em teletrabalho.