É sempre com muita curiosidade que observamos os avanços da tecnologia de impressão 3D, em áreas que provavelmente não se estaria à espera, o que obriga a algumas mudanças de mentalidade na sua adoção. O certo é que a tecnologia de impressão 3D está a ser utilizada pelas empresas em áreas como a construção civil, a medicina, indústria aeroespacial, automóvel, ou mesmo na alimentação.

Comida impressa em 3D com um aspecto delicioso

Seria capaz de comer um cheesecake produzido através da impressão 3D? Pela foto do bolo certamente iria colocar o garfo em cima sem pensar que este foi fabricado de uma forma nada convencional, recorrendo a técnicas de impressão 3D. Ainda não vai ser possível entrar numa pastelaria, olhar para um menu digital e escolher o que deseja imprimir, desculpe, comer, mas não deverá faltar muito. Os investigadores utilizaram sete camadas diferentes para imprimir o cheesecake, incluindo creme de banana, Nutella, manteiga de amendoim, geleia de framboesa e outros ingredientes que foram usados nesta experiência de causar água na boca.

Veja o vídeo da impressão de um bolo:

Pode parecer uma experiência estranha, mas existem necessariamente aplicações úteis. A primeira impressora comercial para chocolate surgiu em 2012 e até a NASA utiliza a impressão de comida para as viagens espaciais, usando pós e líquidos junto com compostos de pastas de comida que são impressos para dar forma aos diferentes pratos que os astronautas comem. As impressoras 3D de chocolate até são usados com frequência em eventos, como por exemplo, na Comic Con de 2019, onde os visitantes podiam imprimir um busto com o seu rosto para depois comer, numa ativação dedicada ao The Walking Dead.

Ainda na área da comida, e provavelmente “mais bizarro”, foi também demonstrado que é possível obter filetes de peixe igualmente impressos em 3D. A impressão é feita com células de garoupa cultivadas em laboratório. As células de animais, como vaca ou frango também podem ser impressos em 3D. No caso do peixe, a israelita Steakholder Foods pretende comercializar este alimento impresso ainda em 2024. A coloração é feita com “bio-tinta” criada à base de ingredientes vegetais. Assim que saem da impressora, estes filetes de peixe estão prontos a cozinhar.

Veja as imagens de filetes de peixe impressos em 3D:

Construção de casas impressas em 3D na Terra e no espaço

Mudando as agulhas da impressão para a construção civil, é impressionante ver os avanços tecnológicos feitos na habitação. Alguns modelos parecem bastante simples e práticos, direcionados à ajuda em bairros com défice de habitação ou em situações catastróficas de reconstrução das casas. A Universidade do Maine, nos Estados Unidos, mostrou a sua BioHome3D, uma casa impressa em 3D mas usando como base materiais reciclados e resinas biológicas, descartando cimentos e outros compostos da construção civil tradicional. Foi mostrado o interior da casa e também a parte exterior, incluindo o processo de impressão. A casa tem 180 metros quadrados e é composta por um quarto, casa de banho e sala de estar com cozinha.

Mas existem outros exemplos. Em Portugal já se começaram a construir as primeiras casas impressas em 3D. A Litehaus assumiu o compromisso de imprimir 100 casas por ano, começando por Torres Vedras. A tecnologia da empresa pretende ser utilizada para construir habitações de forma mais sustentável e inovadora, ao mesmo tempo que reduz emissões de carbono. E os vários modelos disponíveis estão longe de serem habitações sociais, mas sim, vivendas de luxo, propostos ao sector imobiliário premium.

Veja as propostas da Litehaus para casas impressas em 3D:

Entre o luxo e a simplicidade prática, diversas empresas e startups demonstram a sua tecnologia de fabrico de casas, entretanto em verdadeiros “speed runs” de construção, ou melhor, impressão de habitações.

A House Zero da Icon é composta por uma unidade principal de mais de 185 metros quadrados que inclui três quartos e duas casas de banho, assim como unidade adicional com mais 32 metros quadrados com mais um quarto e casa de banho. Estas usam materiais à base de cimento e aço para reforçar a estrutura, usando um sistema de impressão 3D Vulcan. As duas unidades de habitação foram construídas em oito dias. A empresa fechou um acordo de construção de uma comunidade com 100 casas impressas em 3D no Texas, nos Estados Unidos.

Do Japão surge o projeto da Serendix 50, uma casa de 50 metros quadrados com espaço para um quarto, casa de banho, sala de estar e cozinha. Não é a casa mais bonita que vimos impressa a 3D, parecendo abrigos para os Tusken Raiders de Star Wars no planeta Tatooine. Mas o certo é que demoram 44 horas a serem construídas e custam menos de 38 mil dólares, o que é uma pechincha para quem necessita de casa.

Se é para bater “recordes”, em Houston foi também construída uma casa com dois andares, num total de 1.220 metros quadrados. A impressora 3D do estúdio de design Hannah, responsável pela empreitada, tem um peso de 12 toneladas e produziu lentamente a casa. Estima-se que a casa demorou um total de 330 horas a imprimir (quase 14 dias seguidos).

As imagens da impressão 3D de casas são impressionantes:

Estes são alguns exemplos dos diversos projetos de habitação impressos em 3D que têm sido partilhados um pouco por todo o mundo. A impressão 3D tem ainda oferecido aos arquitetos e designers alguma liberdade criativa que provavelmente não encontram nas habitações tradicionais. E exemplos de criatividade também não faltam.

Além das casas, é possível imprimir uma ponte funcional, como é o exemplo da “The Bridge”, a ponte de aço impressa em 3D que foi fabricada pela Imperial College de Londres, supervisionada pela MX3D. A ponte foi inaugurada em Amesterdão, na Holanda, em De Wallen, conhecido como o Red Light District. A construção exigiu um total de 4,9 toneladas de aço inoxidável, chegando o projeto ao fim depois de quatro anos de investigação.

Da habitação na Terra, para o espaço, a impressão 3D está na lista de tecnologias que podem fazer a diferença para a construção de edifícios na Lua. A China planeia usar o seu programa de exploração espacial para testar a viabilidade do uso de tecnologia de impressão 3D na construção de edifícios na superfície da Lua. Também a Icon, que se especializou em imprimir casas em 3D, ganhou um projeto de financiamento da NASA para criar habitações capazes de resistir às particularidades do ecossistema da Lua e de Marte.

A importância da impressão 3D na indústria aeroespacial e veículos terrestres

O projeto Redwire Regolith Print, composto por uma impressora 3D que está a estudar o uso de materiais e recursos disponíveis na Lua ou em Marte como matéria-prima para a construção já se encontra em testes há alguns anos na Estação Espacial Internacional.

E porque não construir um foguetão impresso em 3D? Foi exatamente isso que a startup Relativity Space fez, tendo lançado com sucesso o foguetão Terran 1 para o espaço. Só foi pena que uma anomalia tenha impedido o objetivo final que era alcançar a órbita terrestre. Ainda assim, grande parte dos objetivos foram alcançados, levando a startup a provar que foguetões impressos em 3D podem ser viáveis na indústria.

Veja o foguetão impresso em 3D:

O foguetão mede 33,5 metros de altura (10 andares) e é capaz de transportar 1.250 quilos de carga até à órbita. Para construir o foguetão, a startup utilizou uma impressora 3D gigante para imprimir as partes necessárias, incluindo motor, tanques e a estrutura geral do veículo espacial. A impressão 3D foi responsável por 85% dos componentes e materiais, mas a Relativity Space espera alcançar 95% em futuras versões.

A Lockheed Martin também apostou as suas fichas na impressão 3D, nomeadamente uma redoma de titânio para selar como uma tampa os depósitos de combustível para satélites. Este material é leve e resiste a condições agressivas das viagens. A impressão 3D permitiu entregar o projeto em três meses, em vez dos dois anos anteriormente previstos.

Com rodas mais assentes na Terra, o ZEM (Zero Emission Mobility) é um automóvel impresso em 3D, sendo considerado o carro mais sustentável do mundo. Trata-se de um protótipo de um automóvel elétrico criado por estudantes holandeses que compensa as emissões de carbono à medida que circula. Este produz cerca de 15%da energia que usa através dos painéis solares instalados no tejadilho e dianteira.

Este carro foi impresso em 3D:

Também há um protótipo de uma mota impressa em 3D, a Nera, incluindo jantes, volante, pneus, chassis e assento, tendo apenas ficado de fora da impressora os componentes elétricos, motor e bateria. E anda bicicletas elétricas, como a Superstrata Ion e a Superstrata Terra. A estrutura é fabricada como uma única peça contínua em vez de soldada a partir de uma dúzia de peças, como a maioria dos quadros da bicicleta.

No capítulo das coisas curiosas que utilizam a impressão 3D, os ténis Adidas 4DFWD têm solas impressas em 3D para melhorar performance dos atletas. As solas são criadas com base em dados recolhidos dos atletas ao longo dos anos. O modelo foi escolhido entre 5 milhões de possíveis combinações de padrões, e recorre a 40% de material biológico na sua fabricação. Este gera três vezes mais movimento em frente sob carga vertical, segundo os dados dos testes mecânicos, que anteriores gerações da sua sola 4D.

Para preservar um Tyrannosaurus Rex com 66 milhões de anos, foi criada uma impressão 3D do seu esqueleto. Foi assim criada uma réplica de um dos três esqueletos mais completos alguma vez descobertos, que estão expostos no Museu de História Natural de Leiden, na Holanda.

E porque não testar um modelo impresso 3D do quadcóptero criado a partir do esboço desenhado por Leonardo da Vinci em 1480? O projeto criado pela equipa de engenharia da Universidade de Maryland demorou anos e requereu algumas adaptações, mas o drone, batizado de Crimson Spin acabou mesmo por voar. Os parafusos idealizados no desenho foram igualmente impressos em 3D.

A impressão 3D permitiu recuperar um esqueleto de T-Rex. Veja as imagens:

A indústria está cheia de ideias divertidas e interessantes, como as garrafas de perfume que foram inspiradas nos automóveis da Formula 1. Os acessórios para tornar os móveis do IKEA mais acessíveis a pessoas com deficiência. São muitas as utilizações da impressão 3D, capazes de diminuir o tempo de produção e garantir a qualidade dos componentes.

Nota da Redação: Este artigo faz parte de um dossier sobre impressão 3D que o SAPO TEK está a publicar esta semana. Continue a acompanhar os artigos