Hoje é o 40º dia da fase principal do leilão para atribuição das licenças de 5G e o tema pode parecer técnico e pouco importante para o comum dos mortais mas não é. Quanto mais tempo demorar o processo de licitação e atribuição das licenças mais tarde poderá haver ofertas comerciais do 5G em Portugal. O atraso reflete-se também na economia, onde há empresas que podiam já estar a implementar as novas tecnologias e modelos de negócio assentes no 5G e que têm de esperar mais tempo para o fazer.
Quase três meses depois do início do leilão, que começou a fase dos novos entrantes a 22 de dezembro de 2020, são contas fáceis de fazer, até porque mesmo que os operadores estejam prontos para ser rápidos depois da emissão das licenças, como parecem estar, já não será no primeiro trimestre do ano que os serviços vão ser lançados.
Ao contrário do que aconteceu no 3G e também no 4G, onde Portugal esteve no pelotão da frente do lançamento de serviços na Europa, no caso do 5G partimos já com um atraso considerável. Os últimos dados do Observatório do 5G , relativos aos últimos três meses de 2020, revelam que 23 dos 27 membros da União Europeia já lançaram serviços comerciais de redes móveis de quinta geração, um aumento significativo em relação ao final de 2019, onde apenas 10 países constavam da lista.
E neste caso não existe a desculpa de falta de equipamentos, até porque já há smartphones e routers preparados para o 5G no mercado, com variedade de fabricantes, tipos de equipamentos e também de preços, como o SAPO TEK apurou.
Porque demora tanto o leilão do 5G?
Na base deste longo processo poderá estar a complexidade do leilão, que leva a licitações de uma faixa muito alargada de espectro quando outros países optaram por fazer procedimentos separados, como admitiram também ao SAPO TEK Sérgio do Monte Lee e Pedro Tavares, sócios da Deloitte, que juntaram também à explicação outros fatores e procedimentos relacionados com a libertação da faixa que estava a ser usada na TDT e os procedimentos adicionais relacionados com a pandemia da COVID-19.
"Portugal optou por um leilão global, facilitando por um lado o processo de tomada de decisão de quem licita, permitindo uma visão mais global do espectro disponível, mas inevitavelmente criando outras dependências que acabaram por atrasar o inicio do processo, como foi o caso da libertação dos 700MHz após a migração do serviço de TDT", apontam os sócios da Deloitte.
Pela Europa há processos de leilão muito mais rápidos, mas para faixas mais reduzidas de espectro. A Suíça atribuiu as licenças para os 3,6 GHz num leilão de apenas um dia, e na Grécia bastaram seis rondas para entregar as licenças e encaixar 372,3 milhões de euros.
Muito mais demorado foi o leilão na Alemanha, ainda em 2019, que atingiu também valores muito elevados para as licenças distribuídas entre 4 operadores, entre os quais um novo entrante, chegando aos 6,55 mil milhões de euros. Foi um leilão multi faixa, nas bandas de 2,1 GHz e 3,6 GHz e teve uma duração "épica" de quase três meses.
Outro dos casos de longa duração de leilões foi nos Estados Unidos a faixa dos 3,7 GHz valeu já este mês 81,1 mil milhões de dólares e o leilão durou 2 meses, com 21 participantes mais de 5.600 licenças disponíveis.
Em Portugal já são quase 3 meses de leilão. A fase dos novos entrantes começou ainda em 2020, a 22 de dezembro, e depois da interrupção de Natal e fim de ano acabou por encerrar ao fim de 8 dias, a 11 de janeiro, com um encaixe potencial de 84 milhões de euros.
O preço de reserva de espectro apontava para um encaixe de 237,9 milhões de euros e ao fim de 40 dias o valor já foi largamente superado, ficando ontem os 339 milhões, mais de 100 milhões acima do que era estimado.
Que vantagens traz o 5G?
A pergunta sobre se realmente precisamos já da rede de nova geração (5G) é frequente, sobretudo avaliando a disponibilidade e capacidade do 4G e até do 3G que ainda é usado em muitas regiões. Esta é uma evolução tecnológica face ao 4G e tem sido apontada como potenciadora de crescimento no mercado, trazendo valor aos operadores e aos utilizadores finais, clientes particulares e empresas.
Mais velocidade, menor latência e capacidade de servir de forma flexível segmentos com grande necessidade de largura de banda, através da tecnologia mmWave, são os grandes trunfos, a que se soma a disponibilidade já no mercado de vários equipamentos (smartphones e routers) que podem tirar partido da tecnologia e com preços acessíveis ao utilizador médio, a partir dos 260 euros.
Com a tecnologia podem potenciar-se novos casos de utilização de serviços e de gerar valor aos operadores e às empresas. São muitas as previsões de empresas e consultoras que apontam as vantagens e o encaixe económico, e a Ericsson é uma das que têm mostrado este potencial, estimado em 4 mil milhões de euros para Portugal.
A história do 5G em Portugal começa muito antes de 2020, quando se divulgou a proposta de regulamento para vender as licenças da quinta geração móvel. Os operadores já fazem testes pelo menos desde 2017 e neste campo Portugal está mesmo à frente de outros países europeus pelo número de ensaios realizados.
A MEO, a NOS e a Vodafone desdobraram-se na demonstração das vantagens do 5G em situações de emergência, no gaming e em festivais de verão, e o SAPO TEK teve oportunidade de experimentar o serviço durante o Web Summit 2019, tirando partido da largura de banda permitida pela rede da Altice.
1oo milhões de euros de "encaixe potencial" adicional
A contestação foi grande desde o início de processo de licenciamento do espectro para a 5ª geração de redes móveis em Portugal mas a fase principal do leilão já decorre desde 14 de janeiro e o valor continua a crescer. O valor total já ultrapassa os 339 milhões de euros, mais de 100 milhões acima do preço de reserva estimado para as faixas de espectro dos novos entrantes e da fase geral.
João Confraria, que foi vogal da Anacom admite que ainda é cedo para analisar alguns aspectos do procedimento mas adiantou ao SAPO TEK que "o leilão das frequências 5G (incluindo nelas antecipadamente as frequências nas faixas de 2.1Ghz e 2.6Ghz) realizou-se em Portugal em circunstâncias um pouco estranhas do ponto de vista do que é um processo de regulação adequado".
Para o professor, "a atuação do regulador parece descrever-se sobretudo como 'arbitrária'", e elenca várias questões que identificou neste processo. "Não foi apresentada uma análise fundamentada das opções tomadas, v.g., das que se relacionam com as obrigações de cobertura e de acesso à rede. Parece que se valorizou sobretudo o objetivo de introduzir mais um operador, mas não se ponderaram nem a sua necessidade, nem os seus efeitos ( e estes, a avaliar pelo que se passou noutros casos, podem muito bem ser negativos). Também em lado nenhum ficou claro que se tenha pensado nas implicações das redes e serviços 5G para a criação de um quadro regulativo que promova a concorrência (quase parecendo que o regulador acha que o 5G se reduz a um 4G mais rápido)", explica.
A faixa dos 2,1 GHz é precisamente aquela que mais aumentou de preço durante o leilão, revelando-se de interesse estratégico. O preço já subiu mais de 400% e fixou-se nos 10,6 milhões. Nos 2,6 GHz tem também havido uma demonstração de grande interesse e as licitações fazem com que as três faixas já valham mais quase 15 milhões face ao valor inicial.
Mas há também uma faixa dos "valiosos" 700 MHz - uma das bandas específicas para a quinta geração móvel - que ainda não teve nenhuma licitação desde o primeiro dia, e para já a movimentação centra-se nos 3,6 GHz, onde há 40 faixas diferentes para licitar.
Não é também certo quem está a provocar esta dinâmica e prolongamento do leilão. A Altice (MEO), NOS e Vodafone confirmaram desde o início que iam a concurso, e a Mas Movil, dona da Nowo, também fez saber o seu interesse por deter uma licença de 5G em Portugal. Mas haverá outros interessados e que isso ajudou a dinamizar a fase inicial do leilão, reservada aos novos entrantes.
Os operadores têm-se mantido em silêncio desde o início do procedimento, assim como a ANACOM, que pelas regras do regulamento não pode fazer comentários nem divulgar informação para além dos números das licitações e rondas que partilha todos os dias.
Um processo polémico desde o início
A polémica tem estado ligada ao leilão do 5G desde o início, ainda antes de se conhecerem os contornos provisórios do regulamento que permitiria às empresas de telecomunicações apresentarem as suas propostas para ganharem licenças que permitiriam fornecer serviços móveis de quinta geração. A divergência de posições entre os operadores e o regulador foi-se agudizando depois de ser revelada a proposta de regulamento com as obrigações de cobertura e roaming nacional, os preços de reserva e abertura a novos players no mercado a serem altamente contestados.
A pandemia da COVID-19 acabou por fazer com que o processo se arrastasse, com o adiamento do leilão e a primeira fase do leilão a arrancar só em dezembro, ainda num âmbito circunscrito aos novos entrantes, ou seja, os operadores que ainda não têm serviços móveis em Portugal. No final o montante das licitações ultrapassou os 84 milhões de euros e nenhuma das faixas que estavam disponíveis passaram para a fase geral do concurso, embora continuem a não ser conhecidos todos os participantes no leilão.
A fase geral começou só a 14 de janeiro de 2021 e tem sido animada. E tudo indica que a fase de licitações principal ainda está para durar, o que deverá fazer aumentar o valor de encaixe financeiro do Governo com as licenças, já que o preço de reserva estava fixado nos 237,9 milhões de euros.
Os lotes mais apetecíveis fora do "radar" do 5G
As 53 faixas que foram colocadas a concurso, de frequências de 700 MHz, 900 MHz, 2,1 GHz, 2,6 GHz e 3,6 GHz, são todas peças importantes de um "puzzle" que os operadores têm de construir para ter uma rede que cubra as necessidades dos clientes, e consiga uma cobertura do território para conseguirem responder às exigências do concurso que são "pesadas" para os operadores. As empresas têm de cobrir, até final de 2023, 75% da população e 95%, até 2025, em zonas de baixa densidade, e nas regiões autónomas da Madeira e Açores.
O valor de reserva de espectro para esta fase do leilão estava fixado nos 195,9 milhões de euros, e neste momento as licitações já ultrapassam os 233 milhões, o que somado aos 84 milhões já garantidos na fase de novos entrantes atinge os 339 milhões de encaixe potencial para o Estado. Mas o montante ainda pode subir.
Nos dias mais movimentados o preço das licitações chegou a aumentar mais de 5 milhões de euros, e têm-se verificado flutuações no "apetite" dos operadores, que na maioria dos dias fizeram propostas de valorização de mais de 1 milhão de euros. No gráfico abaixo vê-se a evolução do valor dos lotes a concurso, com o aumento (em euros) face ao preço da reserva.
Nos últimos dias todos os olhares estão concentrados nas faixas dos 3,6 GHz mas as propostas de valorização têm estado abaixo do milhão de euros. É certo que o aumento de valor das propostas parece menor, mas isso não quer dizer que não possa prolongar-se. Até quando, ninguém sabe.
As faixas dos 700 MHz e dos 3,6 GHz, que na verdade abrange os 3,4 a 3,8 GHz, são as duas específicas para o 5G, mas no leilão há outras faixas de interesse para a operação móvel, como os 900 MHz, 1800 MHz, 2,1 GHz e 2,6 GHz, que permitem suportar novas operações ou complementar as redes móveis já existentes.
Pelo menos até agora, a maior subida de preço aconteceu na faixa dos 2,1 GHz, que é a que aumentou mais de preço, com uma subida de 400% em relação ao valor do primeiro dia de licitações, depois de arrancar logo a valer mais 1,409 milhões de euros do que os 2 milhões definidos na reserva de espectro. No terceiro dia passou a 10,4 milhões, subindo depois para 10,6 milhões, valo no qual se mantém desde 22 de janeiro.
Esta é uma faixa essencial para garantir maior capacidade de cobertura e uma atualização rápida da atual rede de 4G dos operadores, mas também pode ser estratégica no futuro se for "recondicionada" para a 5ª geração móvel, como se espera.
O interesse é também grande nos 2,6 GHz, com crescimentos de valor acima dos 200%, numa faixa de espectro que assegura também capacidade de cobertura de rede alargada.
Na faixa dos 700 MHz, que ficou livre após a conclusão do processo de migração da TDT, o preço de licitação continua nos 19,2 milhões de euros e um dos lotes não recebeu ofertas desde o início da fase principal do leilão. Na faixa dos 900 MHz, os quatro lotes disponíveis também não registam alteração em relação ao preço de reserva de 6 milhões de euros.
Até ao fim do jogo, tudo está em aberto e podem surgir novas licitações em lotes que têm estado parados, fazendo subir novamente os valores e o encaixe total para o Estado.
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