Em outubro de 2021, o Facebook, empresa-mãe do grupo liderado por Mark Zuckerberg, mudava de nome para Meta. O nome não só pretendia separar o nome da empresa agregadora, distinguindo-o da rede social com o mesmo nome, como desejava marcar um ponto de viragem da tecnológica, afinando as suas agulhas para abraçar o advento do metaverso.

Desde então, o metaverso foi a expressão na boca de todos, testemunhando-se diversas empresas a criarem os seus espaços virtuais, mesmo que a tecnologia ainda não estivesse consolidada. Desde que anunciou o investimento no metaverso a Meta tem somado prejuízos, devido ao forte investimento (que muitos apontam como negativa a teimosia de Mark Zuckerberg, em desaprovação com os seus acionistas). Mas a empresa continua a acreditar que o futuro promete ser risonho para a tecnologia, reforçando o seu investimento para 2023 e recentemente encomendou um estudo independente sobre o tema, onde é referido que este pode render qualquer coisa como 489 mil milhões de euros, apenas na Europa, até 2035.

De um modo geral, o objetivo desta visão da internet é “misturar” o real com o virtual, numa experiência acessível em equipamentos como óculos VR ou de realidade aumentada, mas não só. O metaverso pretende revolucionar a forma como interagimos e relacionamos, prometendo experiências mais imersivas e dinâmicas. Tal como a geração Web3, o conceito de metaverso também é construído com tecnologia blockchain, em que os utilizadores podem usar elementos virtuais, desde objetos ou coleções em forma de NFTs.

Veja na galeria imagens de Horizon Worlds, o metaverso criado pela Meta

Mas no seio da Meta, o final de 2022 não foi muito positivo, com o número de utilizadores mensais ativos do seu mundo virtual Horizon Worlds ter ficado aquém das expetativas. E a empresa acabou mesmo por não resistir à realidade económica global, apresentando maus resultados e foi uma das primeiras tecnológicas a proceder a despedimentos coletivos, no seu caso, 11 mil funcionários perderam o emprego.

Um recente artigo do The Guardian dá mesmo conta da “morte do metaverso de Mark Zuckerberg”. A ideia é que o patrão da Meta mudou o seu entusiasmo do metaverso para a IA generativa, chegando a anunciar em fevereiro a criação de um novo grupo de trabalho dedicado à tecnologia. Terá a tecnologia de IA realmente abafado o metaverso?

O SAPO TEK falou com Luis Bravo Martins, o CMO da KIT-AR e coautor do livro “Metaversed - See Beyond the Hype” e foi exatamente com uma abordagem “provocatória” que questionamos se o “hype” em torno do metaverso tinha esmorecido e se estaríamos a viver uma espécie de “inverno do metaverso” em prol do entusiasmo sobre a IA generativa. Luis Bravo Martins considera que esse “hype” do metaverso foi realmente substituído pelo do ChatGPT e da IA generativa. “Isto até ao próximo evento da Apple, onde se espera o anúncio dos seus novos óculos de realidade mista em junho e que provavelmente despoletarão outra onda de hype”.

KIT-AR
Luis Bravo Martins, o líder de marketing da KIT-AR créditos: KIT-AR

Considera que pela primeira vez haverá “duas ondas de hype tecnológico num único ano, o que nos diz muito da velocidade a que tudo se está a passar”. Nesse sentido, afirma de extrema importância fazer-se um esforço de racionalização dos conceitos e de análise crítica a tudo o que se ouve na “arena das tecnologias emergentes”. Afirma, no entanto, que a inteligência artificial generativa é uma das tecnologias fundamentais na visão do metaverso, “pelo que não faz muito sentido falarmos dum inverno do metaverso, mas talvez de um arrefecimento do hype, o que não é mau e nos permite focar no essencial”.

Luis Bravo Martins afirma que a transição de uma web 2D atual para uma versão com conteúdos 3D e em tempo real, “cria oportunidades extraordinárias em todas as cadeias de valor, sem exceção”. A Saúde, Educação, assim como Arquitetura, Engenharia, Construção, Indústria e Retalho são as que podem beneficiar mais desta evolução do metaverso, mas também a área da Defesa. Acredita que não se trata apenas das oportunidades de valorização do negócio atuais (através das tecnologias fundacionais, como a realidade virtual e aumentada, o blockchain, o 5G, Clout, IoT e inteligência artificial), “mas uma visão de que esta nova web leva as organizações a se projetarem no futuro e repensarem o seu papel”. A forma como podem contribuir para a construção do metaverso e criar mais valor para todos, “o que é em si positivo”.

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O ritmo de adoção não está apenas ligado à questão da permeabilidade de cada mercado vertical, mas mais do que as oportunidades estão os desafios, a regulação e o preço dos equipamentos que Luis Bravo Martins acredita serem o fator de maior influência na sua adoção.

O peso da Apple na adoção do metaverso

O certo é que o gaming continua a ser uma das bandeiras do metaverso. “Plataformas como Roblox, Minecraft ou Fortnite são muitas vezes usadas para exemplificar a visão dum único metaverso”. Mas o especialista refere que estes possuem mercados “business-to-avatar” em que os jogadores transacionam produtos digitais e híbridos, onde é possível socializar e participar em experiências digitais, e no final, geram memórias partilhadas. “Mas não esqueçam que estes mercados surgiram de forma orgânica e não através dum esforço concertado para a construção do metaverso. E as diversas tentativas de associar várias tecnologias do metaverso à área de gaming têm tido uma penetração lenta, porque o esforço de mudança é muito grande”.

O facto da necessidade de se deixar de usar um teclado, rato ou comando da consola para comandos de voz, gestos e a interação com objetos e personagens em 3D é considerada uma mudança de interface, comportamentos e competências. “Mas essa mudança já começou”.

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É por isso que considera de grande importância a Apple introduzir no mercado o seu periférico de AR e ajudar a criar o ecossistema virtual. “Irá colocar tecnologias imersivas nas mãos de mais pessoas, o que é essencial para a massificação do conceito”. Ainda assim, Luis Bravo Martins não acredita que a Apple mencione “metaverso”, “dada a proximidade da palavra com a marca da concorrente Meta”, mas sim na revelação do seu equipamento o uso de uma nova terminologia, salientando as vantagens do seu produto e plataformas associadas, “mas que muito provavelmente corresponderá ao mesmo conceito”. E isso poderá ajudar a criar ainda mais hype e confusão sobre o tema do metaverso.

O especialista também considera muito importante o contributo da Samsung, que já apresentou novos projetos na área, incluindo os óculos de realidade aumentada, os Galaxy Glasses e o Galaxy Ring, através do registo de patentes tecnológicas.

Metaverso
Metaverso Créditos: Pixabay

Projetando o futuro da tecnologia, Luis Bravo Martins considera que o Metaverso é o próximo estado da Web. “Se hoje vemos muitas das suas tecnologias fundacionais aplicadas a serviços de marketing e comunicação, também começamos a vislumbrar a oportunidade que elas trazem para as restantes áreas de negócio e o correspondente impacto socioeconómico da adoção destas”.

E reforça que em menos de um ano, serviços de IA generativa alteraram profundamente os processos das agências criativas, de design, de investigação, mas igualmente de programação de software ou produção de documentos legais.

“Na minha opinião, qualquer curso de ensino superior ou profissionalizante que arranque em setembro e que não tenha em conta serviços de IA estará obsoleto”.

Considera que as previsões na redução de empregos como efeitos destas tecnologias passaram a ser uma realidade. E dá o exemplo de como a Wendy’s nos Estados Unidos que lançou um serviço de IA para recolher os pedidos de clientes do “drive-through”; ou no caso da Nexus, que é um Marketplace onde se podem contratar os serviços de IA diretamente. A IBM também anunciou recentemente que pretendia substituir 7.800 postos de trabalho por inteligência artificial nos próximos anos.

No caso do metaverso, a tendência foi igualmente abraçada rapidamente pelas grandes empresas e organizações. Do YouTube à Epic Games, que se juntou à Lego para conceber um metaverso para os mais novos, passando pela LenovoSiemensWalmart, grupos de consultoria como o Havas Group ou o Boston Consulting Group, clubes de futebol como o Manchester City, marcas como a Heineken e até o Fórum Económico Mundial.

E mesmo em Portugal, empresas como a Teleperformance, marcas como a MEO ou bancos como o BPI a darem o primeiro passo rumo ao metaverso. Já o projeto MADALIA decidiu criar uma gémea digital da ilha da Madeira no Metaverso, numa experiência que ambiciona ser um “mundo virtual com o qual as pessoas possam ter uma ligação emocional”.

Mais que os desafios socioeconómicos, a utilização destas novas plataformas apenas é possível através de novas competências digitais, diz Luis Bravo Martins. “A juntar-se a isto, o facto de não haver práticas estabelecidas para a utilização responsável destas plataformas, que salvaguardem os nossos direitos à privacidade, à segurança ou à liberdade de pensamento, podem-nos prejudicar a longo curso”. Acrescenta que à medida que as tecnologias convergem, haverão mais oportunidades e também desafios que vão surgir. “Cabe-nos a nós, enquanto sociedade, focarmo-nos nesta dinâmica e criarmos soluções para construirmos um metaverso positivo, seguro e centrado no ser humano. E este trabalho tem de começar agora e envolver-nos a todos”.