No fecho da década, assistimos à chegada de smartphones cada vez mais avançados e verdadeiramente dobráveis, de uma profusão de dispositivos inteligentes ligados à internet e até ao arranque das redes móveis de quinta geração. No entanto, o mundo tecnológico ainda não conseguiu encontrar uma solução para aquele que muitos consideram ser um dos seus maiores flagelos: o fenómeno da desinformação online.
Dos cerca de dois mil milhões de utilizadores registados a nível mundial em 2010, passamos para uma população digital que ultrapassa os 4 mil milhões, revelam os mais recentes dados da Statista. A evolução tecnológica verificada ao longo da década abriu um novo leque de possibilidades no que toca ao acesso à web, possibilitando, por exemplo, a massificação do uso de redes sociais. Em 2019, o número global de utilizadores atingiu os 3,7 mil milhões, sendo que a vasta maioria as usa através de dispositivos móveis.
Embora seja um problema que precede a existência da própria Internet, o mundo parece ter “acordado” para o potencial de disseminação de informação falsa da rede nas eleições que colocaram Donald Trump no cargo de presidente dos Estados Unidos. Nos anos seguintes, por mais medidas que fossem tomadas, a situação agravou-se, em especial com a explosão do escândalo Cambridge Analytica. Em 2018, o Facebook registou um dos capítulos mais negros da sua história, mas serviu como motivação das entidades reguladoras e gigantes tecnológicos para avançarem definitivamente com medidas contra a disseminação de informação falsa em 2019.
O ano “caracterizou-se pela proliferação de iniciativas de prevenção e combate às fake news, numa atitude típica de «casa arrombada, trancas à porta»”, indicou Tito de Morais, fundador do Projeto MiudosSegurosNa.Net, ao SAPO TEK. Ainda antes em 2018, a Comissão Europeia tinha declarado guerra às “fake news” e assinou um Código de Conduta que vincula o Facebook, Google, Microsoft, Mozilla, Twitter e sete associações comerciais na luta contra a desinformação. Na altura, Bruxelas previa que 2019 fosse de “marcação cerrada” aos parceiros do acordo.
Uma “marcação cerrada”, mas passível de interferência
As detentoras das grandes plataformas digitais tentaram redimir-se dos “pecados” dos anos anteriores, no entanto, a experiência do primeiro grande momento eleitoral do ano revelou que a luta contra a desinformação não ia dar tréguas.
Além de ter adicionado novas mecânicas à sua Ad Library relativas à publicidade política, o Facebook inaugurou o “War Room” para intercetar qualquer tipo de conteúdo irregular ainda antes deste ter a oportunidade de se espalhar. A Google decidiu também reforçar as ferramentas de prevenção de abusos e verificação de informação. Mesmo assim, em junho, Bruxelas confirmou as suspeitas: a Rússia tentou mesmo interferir nas Eleições Europeias.
Contudo, neste ano a Rússia não foi a única a realizar campanhas de desinformação. Um estudo da Universidade de Oxford revelou que pelo menos 70 países estão a utilizar redes sociais como ferramenta de propagação de informação falsa, sendo o Facebook a plataforma de escolha de muitos deles.
Serão as “trancas à porta” das redes sociais suficientes?
Ao longo deste ano, a empresa de Mark Zuckerberg tomou medidas mais estritas para limitar a disseminação de informação falsa, apertando o cerco aos anúncios políticos e conseguindo até travar duas campanhas de desinformação nas suas plataformas. À semelhança do ano anterior, o Facebook ainda fez correr muita tinta em 2019, não só devido ao escrutínio dos reguladores globais ao projeto Libra e ao pagamento da multa de 500 mil libras imposta pelo Reino Unido relativamente ao escândalo Cambridge Analytica, mas também pela sua atuação em relação aos anúncios políticos na plataforma.
Ao mesmo tempo que anunciou a chegada de uma nova News Tab, a empresa enfrentou o escrutínio do público por permitir na sua plataforma intervenções de políticos que se podem constituir como desinformação. Em resposta, o Twitter decidiu distanciar-se de toda a polémica que envolve a propaganda política nas redes sociais e proibiu todos os anúncios de índole política. Na rota para as eleições presidenciais norte-americanas de 2020, o Twitter anunciou também que os líderes políticos que estão na sua plataforma não estão acima das regras.
Embora o Instagram e o Whatsapp também tenham tomado medidas cada vez mais sérias para travar a disseminação de informação falsa, um estudo da Universidade de Nova Iorque alertou, ainda em setembro, para o risco elevado de serem utilizadas como fontes de desinformação nas eleições presidenciais americanas de 2020.
Mas serão as “trancas” colocadas verdadeiramente eficazes? Para Tito de Morais, a atuação, por exemplo, do Twitter poderá vir a ser uma possível solução para a plataforma, não para a totalidade da Internet. “Acresce que ao nível da melhoria dos índices de literacia mediática dos cidadãos e da promoção do pensamento crítico, essa medida pouco ou nada faz”, elucidou.
Já Carla Batista, docente na área de ciências de comunicação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, afirma que em 2019 “perdemos a ingenuidade e percebemos que uma parte do problema não pode ser só responsabilizar os utilizadores ou os meios tradicionais”. “É necessário «colocar mesmo o dedo na ferida» e perceber o papel direto que as gigantes tecnológicas têm na promoção de informação falsa”, indicou ao SAPO TEK.
Fake news: o “novo normal” para 2020?
O panorama das fake news em 2019 terminou quase da mesma forma como começou: com a Comissão Europeia a declarar que as gigantes tecnológicas ainda têm muito caminho a percorrer. Embora Bruxelas tenha reconhecido algum progresso, o Código de Conduta baseado na autorregulação ficou aquém das espectativas. “A propaganda automatizada em larga escala e a desinformação persistem e há mais trabalho a ser feito em todas as áreas do Código. Não podemos aceitar isso como um novo normal", alertaram os comissários a cargo do projeto.
“Não tinha havido, até agora, um tão grande confronto e consciência de que uma parte da responsabilidade da desinformação que circula digitalmente também envolve, e exige das plataformas, medidas muito mais assertivas, e agressivas do que aquelas que até agora têm sido tomadas”, elucidou Carla Batista. Não obstante, a docente duvida se o projeto surtirá os efeitos pretendidos.
“[As plataformas digitais] vão dizendo sempre que sim, que estão dispostas a colaborar e que tomam medidas”, mas, “no fundo, não passa de uma mera operação de relações públicas que nunca interroga verdadeiramente aquilo que é a dinâmica, o design e a economia política e moral das redes de desinformação”, acrescentou Carla Batista.
Desde 2018, continua “no ar” a promessa de que, caso não sejam obtidos resultados satisfatórios, a Comissão Europeia pode recorrer a outro tipo de medidas para garantir a proteção dos cidadãos, incluindo a aplicação de nova legislação. Neste panorama, fica também a dúvida se as gigantes tecnológicas terão aprendido suficientemente bem as lições dos anos anteriores para enfrentar os futuros desafios.
“Essa é a grande batalha a vencer, mas eu não acredito que ela possa ser vencida”, afirmou Carla Batista, acrescentando que “doravante não vai haver mais nenhum acontecimento político relevante, seja local ou internacional, em que não haja a ativação das lógicas de desinformação. As próximas eleições norte-americanas, por exemplo, prometem não deixar ninguém indiferente. A docente prevê que estas “«agigantem» aquilo que já é evidente: a polarização, a contaminação de todos os mecanismos, até mesmo os de verificação de factos.
Já Tito de Morais espera que a abundância de iniciativas de fact checking neste ano não se traduza em 2020 numa “necessidade de fact-checkers dos sites que fazem fact-checking”. O responsável indicou ainda que, embora as plataformas digitais tenham um papel importante, “a prevenção passará mais pela informação, sensibilização e educação do que por medidas administrativas”.
Segundo Carla Batista, 2020 poderá trazer um “desafio interessante” para o contexto europeu. “A transposição da diretiva 1808, sobre o mercado digital comum, que pressupõe uma regulamentação do mercado audiovisual, traz para a área da regulação coisas que até aqui escapavam, designadamente as partilhas de vídeos nas redes sociais”, elucidou. Nas suas palavras esta é “já uma ideia de regulação a expandir-se e a fortalecer-se e a dizer que a questão do entendimento coletivo sobre o que é a liberdade de expressão, o que são os valores da rede, o que são os limites dessa liberdade não pode ser só feito em função de uma lógica empresarial e comercial das plataformas”
“Mesmo que essas empresas se comprometam com um código de conduta, ou que tenham uma política de responsabilidade social, não podemos passar toda a economia moral da comunicação nas redes para a gestão das tecnológicas, isso é entregar uma boa parte da governança às redes. Mas na verdade, é isso que já está a acontecer”, esclareceu a docente.
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