Hoje assinala-se os 100 dias de guerra na Ucrânia, o dia em que a Rússia começou as suas operações no terreno, invadindo o país. Mas os ataques ao país começaram bem antes, no campo digital. A Microsoft foi uma das primeiras empresas a alertar para as operações de malware destrutivos, tendo como alvo as redes informáticas na Ucrânia. Em janeiro reportava que entre as vítimas incluíam-se os sistemas de agências governamentais, assim como de organizações tecnológicas e sem fins lucrativos. O governo ucraniano acusou a Rússia de ser responsável pelo ataque aos seus websites.
A partir daí foram levantadas preocupações da possível guerra cibernética que se adivinhava. À medida que as tensões geopolíticas continuavam a aumentar, várias empresas começaram a preparar-se para o impacto de possíveis ciberataques russos contra o país, analisando as ligações que têm a negócios ucranianos e reforçando os seus sistemas informáticos. E uma semana antes do conflito no terreno já se temia o impacto global dos danos colaterais de uma ciberguerra na Ucrânia, levando a União Europeia a criar uma equipa de resposta rápida aos ataques.
O dia 24 de fevereiro ficou marcado pela invasão da Rússia à Ucrânia, prontificando reações a nível global e o início das sanções ao Kremlin. Entre as sanções previstas pela Comissão Europeia contra a Rússia esteve a limitação do acesso a mercados e a tecnologia, dois elementos chave na modernização. O pacote de medidas foi concertado com os parceiros da UE, como os Estados Unidos, Reino Unido e Canadá para ter um impacto na capacidade do Kremlin de financiar a guerra.
No campo digital, o grupo hacker Anonymous declarou guerra informática contra Rússia, com ataques aos websites do Kremlin. Uma hora depois do primeiro aviso, os Anonymous voltaram a usar as redes sociais para reivindicar a responsabilidade de um ataque informático à rede de televisão estatal russa, a RT News. O grupo foi ameaçando Putin de ataques a infraestruturas públicas da Rússia, se não abandonasse a Ucrânia. Três meses depois do início da guerra, a especialista de cibersegurança ESET, no seu relatório de crise do primeiro quadrimestre do ano afirma que a Rússia passou a ser o principal alvo de ataques informáticos.
A guerra tem sido acompanhada pelo mundo nestes três meses e mesmo a partir do espaço, os satélites têm vindo a registar as imagens da destruição. A Maxar Technologies é um dos principais “vigilantes” da transformação do país com a passagem do exército russo, registando imagens aéreas do seu satélite impressionantes da destruição de edifícios, centros comerciais, aeroportos, entre outros pontos das cidades.
Veja na galeria as imagens de satélite que foram captadas pela Maxar:
Gigantes tecnológicas declaram guerra à Rússia
As sanções à Rússia começaram desde logo a serem colocadas em prática. O impedimento de acesso à tecnologia chegou mesmo às redes sociais e as gigantes tecnológicas como a Meta, casa-mãe do Facebook, YouTube e Twitter tomaram um conjunto de medidas para impedir que meios associados ao governo russo monetizassem os seus conteúdos, além de garantir a segurança dos seus utilizadores. A Meta bloqueou contas falsas associadas ao Estado russo, havendo grupos que se faziam passar por meios noticiosos independentes para partilhar propaganda. O Tik Tok também suspendeu a publicação de novos vídeos na Rússia.
Do lado da Ucrânia pediu-se mesmo que a Rússia fosse “desligada” da internet. O ministro ucraniano da Transformação digital, Mykhailo Fedorov, tem sido uma figura interventiva nas redes sociais, enviou uma carta à ICANN, o organismo que regula a Internet a nível mundial, para que fossem implementadas “sanções estritas” contra a Rússia “no contexto da regulação de DNS”.
O certo é que a indústria tecnológica declarou guerra à Rússia, demonstrando suporte à Ucrânia, uma semana depois da invasão, bloqueando serviços, limitando acessos e fechando operações no país governado por Vladimir Putin. A PayPal, o serviço de pagamentos online, deixou de aceitar novos utilizadores na Rússia, assim como outras entidades de pagamento que tomaram iguais ações de bloqueio, incluindo a Visa, Mastercard e American Express, além da Apple Pay e Google Pay.
A Ucrânia foi recebendo apoio internacional, através de campanhas de angariação de fundos, vendas de FTS e outras iniciativas organizadas em todo o mundo, como o caso da venda do troféu virtual da Eurovisão da canção.
O Spotify também tomou medidas, fechando o seu escritório na Rússia. A Apple cortou alguns dos seus serviços na Rússia, além de ter anunciado a suspensão da venda de produtos no país. Todos os produtos da loja ficaram indisponíveis, com a empresa a afirmar que está do lado das pessoas impactadas pela invasão russa à Ucrânia. A Disney anunciou que não ia lançar novos filmes no país devido à situação do conflito. A Warner Bros. cancelou a estreia russa do filme "The Batman".
A Netflix disse que não via cumprir com a nova lei do audiovisual da Rússia, que obrigava a plataforma a incluir cerca de 20 canais públicos a operar no país. A Electronic Arts suspendeu as equipas russas, assim como a seleção nacional do país nos jogos FIFA 22, FIFA Mobile e FIFA Online. A Nintendo também suspendeu os envios de jogos e consolas para a Rússia.
As operadoras de telecomunicações também manifestaram o apoio ao povo ucraniano, sobretudo refugiados ou emigrantes que perderam o contacto com as suas famílias. Em Portugal a MEO foi a primeira operadora a disponibilizar chamadas gratuitas para a Ucrânia e acesso à Ukrainian TV mas também a NOS, a NOWO e a Vodafone fizeram o mesmo. O movimento de apoio estende-se a outras operadoras pela Europa.
A Intel também suspendeu totalmente as suas operações na Rússia, mandando cerca de 1.200 trabalhadores para casa, com os seus salários pagos.
Guerra chega ao espaço e agrava crise dos semicondutores
A guerra na Ucrânia também chegou ao espaço. O futuro da ISS tornou-se incerto, com a Rússia a ameaçar que poderia deixar de manter as suas operações na estação espacial internacional. Ao abandonar a cooperação na ISS, deixou no ar a ameaça de que a estação poderia vir a cair nos Estados Unidos ou Europa, ou até sobre a China ou Índia. O lado russo da ISS é responsável pela manutenção da órbita da estação, assim como pela sua propulsão. O líder da Roscosmos disse mesmo que as sanções ocidentais poderiam causar a queda da Estação Espacial.
Apesar das elevadas tensões, os cosmonautas russos e astronauta americano regressaram juntos à Terra, vindos da ISS. Já a Agência Espacial Europeia suspendeu a cooperação de missões lunares com a Rússia devido à guerra na Ucrânia. Por outro lado, a Roscosmos disse que ia manter as suas operações previstas no solo lunar.
A Rússia apontou como alvos as redes de telecomunicações nas cidades ucranianas. A SpaceX prontificou-se a ajudar o país com o envio de terminais Starlink para reforçar as redes via satélite. Do lado da Ucrânia, os engenheiros de redes tornaram-se heróis improváveis, trabalhando para manter os data centers do país conectados com o mundo.
A fabricante chinesa de drones DJI foi acusada de permitir o uso dos seus equipamentos pelo exército russo, que estavam a ajudar os militares a matar inocentes. Em causa estava o uso de drones para ajudar a navegar os seus mísseis em alvos. Declarando inocência, a fabricante veio a público a dizer que os seus produtos não eram para ser utilizados na guerra, suspendendo as operações tanto na Rússia como na Ucrânia.
Ainda do lado da China, com o bloqueio das operações da Nokia e Ericsson às infraestruturas de telecomunicações, a Huawei poderia ter muito a ganhar com a presença no país. Procurando manter-se neutra, o silêncio da empresa levou à demissão dos seus diretores no Reino Unido. O seu apoio colocou mesmo a fabricante no centro de uma nova “guerra fria”, podendo agravar a sua posição com os Estados Unidos.
A especialista de cibersegurança Kaspersky, empresa russa, foi colocada na lista negra dos Estados Unidos, sendo a primeira empresa da Rússia a ser colocada entre as que representavam um risco nacional.
A pandemia de COVID-19 obrigou ao encerramento de fábricas de componentes tecnológicos essenciais para a indústria da tecnologia. A chamada crise dos semicondutores afetou a produção de automóveis, computadores, smartphones, consolas e tudo o mais que necessitasse de semicondutores.
A guerra na Ucrânia veio ampliar esta crise, uma vez que o país é responsável pela refinação de cerca de 70% do néon, um gás que é um componente crítico na construção de lasers, ferramenta utilizada para o fabrico de chips. E esse componente é uma matéria-prima produzida na Rússia, enviada para a Ucrânia para refinar, exportando depois para o resto do mundo. Outra matéria-prima com origem nos territórios é o paládio, que é utilizado em sensores, memórias e outras aplicações. Cerca de 35% do paládio que chega aos Estados Unidos é fornecido pela Rússia. Na indústria automóvel, empresas como a Ford começaram a vender modelos sem algumas funções por falta de chips.
100 dias depois da invasão russa, a guerra não tem um fim à vista. E a cada dia que passa somam-se prejuízos não só para a Ucrânia, como os seus efeitos colaterais com impacto em todo o mundo. Os ciberataques intensificam-se e a inflação agrava-se, numa guerra travada em diferentes vetores.
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