Entre 2020 e parte de 2022, o mundo mergulhou no período negro da pandemia de COVID-19, alterando por completo a nossa forma de estar, trabalhar e socializar. Tudo isso afetou também a indústria de gaming, levando muitos estúdios a adiar videojogos que eram para ser lançados nessa altura.
Fossem fruto de adiamentos ou mesmo títulos planeados, o certo é que as estrelas se alinharam em 2023, ano que já foi considerado um dos mais profícuos de sempre. Não apenas em quantidade, mas uma qualidade elevada, que dificultaram na atribuição de prémios, como foi o caso dos The Game Awards, onde houve espaço para surpresas.
O gaming está sempre em evolução, não apenas nas exigências dos consumidores como as tendências que moldam as ofertas das fabricantes. Exemplo disso é o tamanho dos ecrãs dos monitores a crescerem, tornando-se cada vez mais panorâmicos e curvos, uma forma de contrariar a crescente oferta dos televisores com funções cada vez mais centradas nas consolas de jogos. Melhores taxas de atualização, maior resposta e contrastes cada vez mais detalhados são alguns dos mimos que os modelos atuais de ecrãs oferecem.
A “explosão” das consolas portáteis baseadas no ecossistema PC
Mas 2023 veio também, aparentemente, ditar a “morte” dos smartphones de gaming, sendo substituídos por consolas baseadas em PC. E as contas são práticas: um smartphone de gaming da Asus ou Lenovo podiam chegar aos 1.500 euros, sem sair do ecossistema Android. Ora por metade do preço, é possível ter consolas ainda mais poderosas para jogar qualquer título lançado no PC Windows. A Nintendo ofereceu o design híbrido com a Switch, mas foi a Valve que o traduziu para o ecossistema de PC, nomeadamente o Steam, na consola Steam Deck.
O sucesso do Steam Deck nos últimos anos abriu os horizontes a outras fabricantes que também desejam uma fatia do mercado. A Asus lançou a ROG Ally, uma potente consola baseada no processador AMD RZ1 Extreme, garantindo a instalação de qualquer jogo do Windows 11 em formato portátil. Consola que tem todas as funcionalidades um portátil, mas em miniatura. A Lenovo foi atrás e colocou recentemente no mercado a Legion Go. O processador é o mesmo que a rival ROG Ally, tem especificações gerais semelhantes, funciona no ambiente Windows e permite igualmente instalar os jogos de PC. A principal diferença é aproximar-se mais da Switch, graças aos seus comandos removíveis.
Veja na galeria imagens do ROG Ally:
Ainda houve uma transição dos jogos para portáteis baseadas em cloud gaming. E foram várias as propostas lançadas para jogar no Xbox Cloud Gaming, o GeForce Now, e outros serviços como o Amazon Luna, exceto o Google Stadia que fechou portas logo em janeiro de 2023. Com um potencial tecnológico enorme, a Google nunca conseguiu descolar a oferta na sua loja de jogos, nem oferecer modelos de serviço que convencessem os jogadores. As portáteis Logitech G Cloud e a Razer Edge foram algumas das propostas para quem deseja jogar exclusivamente em streaming. E a Qualcomm também pretende ajudar a desenvolver o mercado de portáteis com a oferta de novos processadores dedicados, com versões tanto para processamento interno como para streaming.
A Apple também chegou aos jogos, mas no seu caso foi garantir que o iPhone 15 Pro Max corra os chamados jogos AAA, títulos mais populares, que puxam pelos equipamentos. Isto porque o smartphone até suporta tecnologia Ray Tracing, utilizada sobretudo no PC e consolas de nova geração. Jogos como Resident Evil 4 Remake e Assassin’s Creed Mirage servem de cartão-de-visita do potencial do equipamento.
Para os jogadores de PlayStation, o mais próximo que vão poder conseguir jogar em formato portátil é através do acessório de leitor remoto PlayStation Portal. Este acessório é um complemento à PlayStation 5 para ser utilizada em Remote Play. Esta aplicação, que pode ser utilizada também num smartphone ou portátil, garante com o Portal transmitir os jogos da PS5 para o pequeno ecrã, usando um comando semelhante ao DualSense.
Veja na galeria imagens do Portal:
Este foi um grande ano para os utilizadores da PlayStation 5. Em fevereiro foi lançada a segunda geração do headset de realidade virtual PS VR2. Com hardware poderoso e atualizado, este headset foi acompanhado por um conjunto de bons títulos, garantindo um início de vendas interessante. A Sony disse que o headset vendeu 600 mil unidades nos primeiros três meses de vida.
Ainda a tempo do Natal, foi lançado outro periférico, o comando PlayStation Access, para jogadores com limitações especiais de mobilidade. Um plano de inclusão e acessibilidade para levar videojogos a mais jogadores. E contas feitas, este foi um grande ano para a divisão de gaming da Sony, que vendeu 50 milhões de unidades nos primeiros três anos de vida. Números que deixam a fabricante muito satisfeita, garantindo que neste Natal há consolas para todos, por isso, até ao final do ano este número pode ser bem superior.
“Telenovela” com final feliz para a Microsoft na compra da Activision
Os altos e baixos do negócio de compra da Activision Blizzard pela Microsoft deram que falar em 2022. Mas foi preciso esperar quase até ao final de 2023 para a dona da Xbox respirar de alívio com a conclusão do negócio. Foi uma batalha em várias frentes, entre os reguladores da concorrência e a principal rival Sony PlayStation, que tudo fizeram para impedir, ou pelo menos, atrapalhar o negócio. Foi na sexta-feira de 13 de outubro, o dia de azar para a Sony, que via a editora de Call of Duty fugir para as mãos da Microsoft, com direito a boas-vindas de Phil Spencer, o patrão da divisão de gaming Xbox, no mesmo dia que era dada luz verde pelo regulador britânico para a conclusão do negócio.
O negócio foi finalizado por 68,7 mil milhões de dólares e é considerado um novo recorde na indústria da tecnologia.
Para concluir o negócio, a Microsoft teve de aceitar diversas imposições dos reguladores, especialmente do britânico. Inicialmente teria de ser garantido que Call of Duty não se mantivesse exclusivo do serviço Game Pass da Microsoft e a ser lançado nas plataformas rivais, pelo menos nos próximos 10 anos. Chegou-se a acordo com a PlayStation e a própria Nintendo, que nunca recebeu nenhum título da série na Switch, também passa a ter os jogos no futuro. O acordo também foi feito com a Nvidia, desta feita para manter o jogo de ação no serviço de cloud GeForce Now.
Foi exatamente o monopólio do cloud gaming que mais assustou o regulador britânico. Para a Comissão Europeia, a promessa de licenciamento dos jogos da Activision aos concorrentes seria suficiente aceitar o negócio. Mas o Reino Unido, que desvalorizou a posição privilegiada da Microsoft com Call of Duty nas mãos, apontou o cloud gaming como principal fator de antitrust e decidiu bloquear a compra. E ainda estávamos em abril.
Os meses seguintes foram uma autêntica corrida contra o tempo e não bastou a promessa de disponibilizar os jogos da Activision a outras plataformas, valendo-lhe a luz verde de Bruxelas; foi necessário passar todo o negócio de cloud gaming tanto para os jogos atuais como futuros da Activision, para as mãos da Ubisoft e terminar uma novela com um ano e nove meses.
Este meganegócio acabaria por abafar um outro bem mais modesto, nomeadamente a intenção de compra da finlandesa Rovio, o estúdio de Angry Birds, pela SEGA. O negócio foi avaliado em 706 milhões de euros, esperando-se uma conclusão no segundo trimestre do seu ano fiscal de 2024.
A “morte” da E3, despedimentos e fugas de informação
Em 2023 foi o regresso de muitos eventos de gaming em grande força, depois da paragem forçada da pandemia. Em Portugal guardou-se para o mesmo fim-de-semana o MEO XL Games e o Lisboa Games Week. Houve eventos de gaming do norte a sul do país, incluindo o Óbidos Vila Gaming, Portimão e Guimarães.
E as boas notícias é que a Fábrica de Unicórnios de Lisboa conta agora com o Gaming Hub para ajudar estudantes, estúdios e startups a desenvolver videojogos em Portugal. Em Portugal realizou-se também o DevGAMM, evento que permite oferecer novas oportunidades aos developers e incluiu o Indie X, evento dedicado a videojogos indie.
No estrangeiro, os eventos de gaming voltaram a ser populares, sobretudo a Gamescom, mantendo a tradição de mostrar novidades, tanto presencialmente em Colónia, na Alemanha, como na conferência de abertura em transmissão digital. Mas do outro lado do oceano, nos Estados Unidos, a ESA anunciou a “morte” definitiva da E3, considerada o maior e um dos mais antigos palcos de novidades da indústria de gaming. A pandemia e a falta de interesse das marcas ditaram o encerramento nas últimas edições, mas a organização nunca conseguiu reinventar-se e decidiu já cancelar definitivamente futuras edições.
Ainda no que diz respeito ao lado mais negativo da indústria, 2023 ficou marcado pelo encerramento de estúdios de produção e o despedimento de vários funcionários em toda a indústria tecnológica. E nem as grandes empresas estiveram a salvo, como o caso da Epic Games, a dona de Fortnite, que apesar do sucesso do jogo, anunciou em setembro que “estava a gastar mais dinheiro do que a ganhar”, resolvendo despedir cerca de 830 empregados. O despedimento coletivo da Microsoft, que afetou um total de 10 mil funcionários, chegou ao departamento de jogos, afetando a Bethesda de Starfield e a 343 Industries de Halo.
Unity, Electronic Arts, BioWare, Bungie, Grupo Embracer e a divisão de jogos da Amazon, foram algumas das muitas empresas a despedir. Segundo o website Videogame Layoffs, mais de 7 mil funcionários relacionados com a indústria de gaming, em números de novembro, que segundo o The Verge, em 2022 “apenas” foram despedidos cerca de mil.
As grandes fugas de informação continuam a fazer mossa na indústria de gaming. Não se trata de descobrir antecipadamente que um estúdio está a desenvolver determinado projeto, mas escarrapachar na internet conteúdos dos mesmos. A mais recente vítima foi a Insomniac Games, estúdio da Sony responsável pelos jogos Marvel’s Spider-Man e futuramente Wolverine.
Os hackers publicaram 1,3 milhões de ficheiros roubados, expondo dados do jogo Wolverine. A fuga de informação expôs os planos para 10 anos do estúdio, incluindo o facto de três jogos de X-Men estarem planeados, incluindo o primeiro Wolverine. O caso lembra a fuga de informação da Rockstar Games, que expôs vídeos de GTA VI, muito antes do seu anúncio oficial.
E por falar em Grand Theft Auto VI, o lançamento do trailer foi antecipado, porque em vésperas da data marcada uma versão de baixa qualidade começou a circular. Isso não impediu que o vídeo batesse recordes no YouTube e em menos de 10 horas tivesse sido visto por mais de 50 milhões de utilizadores. Resta agora aos fãs do jogo baterem “recordes” de espera por algures em 2025, ano previsto de lançamento.
A inteligência artificial é um dos assuntos tecnológicos mais badalados de 2023 e nos videojogos isso não foi exceção. Os estúdios e programadores estão a usar as ferramentas de IA para ajudar na produção, seja a mitigar bugs, como na construção de personagens e diálogos para povoar os mundos.
Há muitas curiosidades no mundo do gaming, como o Project Carol da Razer, uma cadeira com um sistema de fidelidade e feedback háptico. Nas salas de aulas, os professores já começam a ser incentivados a utilizar videojogos para ajudar no ensino. E há um guia prático em português. Nos Emirados Árabes Unidos, os serviços de gaming e streaming são os responsáveis pele vanguarda do 5G.
A Atari, uma das empresas clássicas, começou a comprar os direitos de jogos antigos e já garantiu 100 títulos. A empresa vai também lançar uma consola em miniatura em homenagem à 2600, compatível com os cartuchos originais.
No campo dos eSports, destaque para a organização portuguesa Betclic Apogee, que se tornou uma das primeiras do mundo com certificação de neutralidade carbónica. O União de Leiria criou equipa de eSports e abriu espaço permanente no estádio com mais de 100 metros quadrados. As finais do Europeu de League of Legends foram transmitidas no cinema em direto, mas a prova principal, o Worlds 2023, foi vencido pela equipa sul-coreana T1, sendo a quarta vez que a equipa de “Faker” venceu a prova. A Arábia Saudita apresentou o Esports World Cup e teve Cristiano Ronaldo como “padrinho”.
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